Recentemente
fomos convidados a reflectir sobre os desafios da autonomia financeira que as
futuras autarquias deverão gozar, por formas a poderem corresponder as
expectativas. Todavia, o actual debate parece ter sido sequestrado pelos
políticos e centrasse muito no processo eleitoral. Um aspecto que parece ‘esquecido’
e que precisa ser tido em conta é a sustentabilidade desta mesma
autonomia.
Em Moçambique, por exemplo, as autarquias
criadas em 1997 eram inicialmente financiadas por três vias (1) receitas
provenientes de serviços prestados e licenças atribuídas; (2) transferências
fiscais do Governo Central (1,5 por cento das receitas totais); (3) contratação
de créditos com limitação. Ainda assim as autarquias
tiveram dificuldades de gerarem as suas receitas, em função do aumento da
população e consequente aumento da demanda por serviços, ficando estas muito
dependentes das transferências fiscais.
A
ideia de descentralizar para assegurar uma melhoria na condição de vida das
populações, para o caso de África, veio como uma exigência das
organizações financeiras internacionais, i.e., como condição para estes países
acederem a ajuda internacional para o desenvolvimento. Com o fracasso do pacote
de reformas introduzidas através dos chamados programas de ajustamentos
estruturais,
criou-se uma ‘Agenda para Boa Governação’ i.e. medidas que uma vez
implementadas poderiam então garantir o desenvolvimento dos países. Ao Estado
ficou reservado, no âmbito desta agenda, o papel de assegurar o funcionamento
dos mercados, a participação da sociedade civil, prestação de contas bem como
proteger o direito a propriedade.
Sem dúvidas
a descentralização do poder traz grandes benefícios. Ela melhora a
identificação das necessidades das populações, facilita a oferta de bens e
serviços, a capacidade de executar e controlar, favorece a democratização e
promove a transparência. Todavia, é imperioso que isso seja feito de forma sustentável.
No
contexto angolano discute-se mais se a implementação das autarquias deverá ser
de forma gradual ou global e perde-se de vista a necessidade desta
descentralização e consequente autonomia financeira ser sustentável a longo
prazo. Vale realçar que a eleição apenas resolve o ‘problema do cágado
na árvore’, i.e., o futuro autarca não poderá alegar que foi colocado
naquela posição, ficando
implícita a ideia de não prestar contas a população local. Porém, fica por se discutir, por exemplo, a necessidade
de quadros qualificados para elaborarem (e gerirem) orçamentos que vão de
encontro as aspirações dessas populações. Neste aspecto Angola pode beneficiar
das experiências do Brasil e Moçambique, onde optou-se pela elaboração de
orçamentos participativos.
Em
Angola pensa-se financiar as autarquias através das receitas
provenientes do Imposto Predial Urbano, Sisa e taxa de circulação bem como
derramas. Olhando para a sustentabilidade dessa autonomia financeira o
município do Lobito, pelas fontes de financiamento indicadas, está melhor que,
por exemplo, o Cubal. As transferências fiscais do Executivo podem jogar um
papel preponderante sendo maior para o Cubal do que para o Lobito. Porém, com o
aumento da população segue o aumento da demanda por serviços. Conhecendo a
forma de cobrança do IPU e que o aumento das receitas da taxa de circulação
implica um aumento de veículos em circulação, prejudicial para o ambiente, aumentar
essas receitas pressupõe um aumento da renda da população.
Esta
possibilidade é, contudo, contrariada pelo fraco crescimento médio do
PIB de 3,0% cf. PDN 2018-2022. Tendo em conta a redução significativa da
actividade empresarial (o INE indica que estavam em actividade apenas 46.096
empresas em 2016) podemos prever sérias dificuldades para as futuras autarquias.
O petróleo tem ainda um peso considerável nas receitas fiscais do Estado,
porém, o preço não depende do Executivo. Nestas condições fica difícil assegurar
a melhoria das condições de vida das populações.
Enfim,
ao avançar com a criação das autarquias o Executivo mostra vontade de
querer promover uma maior participação da população na gestão pública, o que fortalece
o processo democrático em Angola. Todavia, ao apresentar uma estratégia incapaz
de gerar um crescimento médio do PIB acima dos 7%, para os próximos 5 anos, o
Executivo arrisca-se a tornar financeiramente insustentável o processo de descentralização
que se propõe.
*Inicialmente publicado no Jornal Expansão, Edição 482 de 20 de Julho 2018
Nguenha, E. (2009) ‘A Primeira Reforma Fiscal Autárquica em Moçambique’, IDeIAS Boletim nº 16, 24 Junho.
Crédito
de curto prazo para atender situações de tesouraria devendo ser reembolsado no
exercício fiscal em que é contraído.
Cf. Wanda (2017) ‘Solução para recuperação da economia? Repatriar o capital de angolanos no
estrangeiro já – Convidado’, Expansão, Edição 440.
World
Bank, World Development Report: The State
in a Changing World (Oxford: OUP, 1997), pp. 19-38.