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sexta-feira, 25 de setembro de 2020

O imperativo da diversificação económica em Angola: Mais palavras do que acções*

Já se passaram 3 anos desde que ocorreu a transição política no seio do partido da situação em Angola. Porém, os dados mostram que o Executivo do Presidente João Lourenço tem feito muito pouco para materializar o desiderato de diversificar a economia. O crescimento das exportações não minerais é fraco e continua ancorado aos produtos primários. Isso mostra que tínhamos razão defendemos a necessidade do Executivo levar a cabo um rápido processo de industrialização em Angola.

Os dados analisados mostram que o que o Executivo tem feito parece ser nada mais do que apresentar um conjunto de intenções, i.e., “não existem acções concretas que poderiam levar a um crescimento rápido da produção nacional” conforme indicamos no nosso texto de reflexão no jornal Expansão edição 593 de 25 Set. 2020.

Salta a vista o número cada vez maior de estudos feitos para o desenvolvimento de cadeias de produção nos mais variados sectores, sem que deles resultem acções concretas. Por exemplo, as 3 principais fábricas têxteis, reabilitadas no período pós-guerra, continuam paralisadas deixando de gerar riqueza e empregos principalmente para a juventude.



*Este tema foi desenvolvido na nossa coluna ‘Milagre ou Miragem’ no Expansão edição 593, 25 Set. 2020

 

domingo, 7 de julho de 2019

Em Angola não falta apenas médicos, falta antes pragmatismo!*


Ao lermos nos últimos dias, em jornais publicados em Luanda, que Angola tinha um médico para cada 4.400 habitantes não ficamos surpreendidos de todo. A debilidade dos serviços de saúde, em Angola, é tão grave que quase todos governantes vão para o exterior para fins de tratamento médico. Por este facto ter um impacto muito grande na economia[1], ficamos sim desapontados que apenas nos foi apresentado o problema e nada de concreto se falou sobre a solução. Em Julho de 2001 quando estávamos na Universidade de Arizona, Tucson EUA, estadia enquadrada na bolsa de investigação pós-graduada Hubert H. Humphrey Fellowship[2], tomamos contacto com um problema semelhante que havia no Estado de Arizona cuja solução pode servir de inspiração para o Executivo angolano.

O problema: O governo do Estado de Arizona apercebeu-se que muitas comunidades rurais, particularmente aquelas ligadas aos nativos americanos (vulgarmente conhecidos como índios) não tinham acesso a bons cuidados de saúde por falta de médicos, como o que a grande maioria dos angolanos vive hoje[3]. A formação de médicos (nas mais diversas especialidades) a nível das universidades existentes em Arizona era muito onerosa para as famílias, pelo que, após conclusão do curso estes jovens médicos buscavam estágios profissionais e posterior colocação nos grandes centros urbanos, por exemplo, de Tucson e Phoenix.

A solução: Ao invés de ‘importar’ mão-de-obra de outros estados, o governo do estado de Arizona decidiu subsidiar os programas de formação em medicina nas universidades existentes naquele estado. Isto fez com que as famílias deixassem de gastar tanto com a formação dos seus educandos e permitiu que mais jovens optassem, na universidade, pela formação em medicina agora muito mais barata. Em contrapartida, todos os beneficiados/participantes neste esquema de formação tinham que dedicar 2-3 anos de trabalho nas zonas rurais após formação. Neste período de tempo as autoridades nessas zonas eram encorajadas a criarem incentivos para estes jovens fixarem residência. Então criavam facilidades de acesso a habitação e enfatizavam a qualidade de vida, para quem quisesse constituir família, do que seria criar filhos longe dos ‘perigos’ dos grandes centros urbanos.

Para o caso de Angola, o Executivo embarcou num ambicioso projecto de construção de centralidades por quase todo o país. Este investimento, já realizado, poderia servir de meio de atracção de jovens médicos. Hoje, Angola tem várias universidades, entre públicas e privadas, que oferecem formação em ciências médicas[4]. Acreditamos que um programa idêntico poderia ser gizado e que poderia ser muito mais sustentável do que a solução habitual do Executivo que traduz-se na contratação de mão-de-obra estrangeira.  

Em Arizona o governo exigiu que as instituições participantes no esquema apresentassem resultados em termos de qualidade dos formandos, departamentos equipados, bibliotecas com acervo bibliográfico actualizado e corpo docente e administrativo regularmente em processos de superação profissional. As instituições que não atingissem os objectivos definidos eram excluídas do programa com impacto directo na sua reputação. Afinal nenhuma família mandaria o seu educando para se formar em medicina numa instituição que fosse afastada deste programa ou que não fizesse parte do programa, isso porque levantava-se logo dúvidas sobre a qualidade da formação oferecida. Como se pode perceber aqui, era do interesse das próprias instituições fazerem parte e tornarem-se competitivas aplicando da melhor forma os apoios recebidos. Esta experiência de Arizona mostra que até numa economia predominantemente capitalista o governo pode intervir para assegurar a disponibilidade de um bem socialmente maior que é a saúde dos seus cidadãos.

Para o caso de Angola a atribuição de bolsas internas, a nível da universidade, apenas resolve uma pequena parte do problema, não resolvendo o problema da qualidade da formação. Apresentamos aqui uma solução que em Arizona garantiu, de forma sustentável, a disponibilidade de serviços de saúde para as populações em zonas rurais[5]. Em Angola os recursos para um programa semelhante poderiam advir de uma reavaliação de todos aqueles programas que continuam a ter dotação na proposta de OGE 2018, sem que tenham apresentado resultados credíveis na governação passada. Podemos indicar, a título de exemplo, a dotação que o Ministério da Juventude e Desportos (60 milhões de Kwanzas) e o da Acção Social, Família e Promoção da Mulher (540.250.000 Kwanzas) têm para ‘Apoio Financeiro As Associações De Utilidade Pública’ sem que saibamos quem são elas e o que fazem.

Acreditamos que este caso vem mais uma vez ilustrar o que chamamos no nosso texto anterior[6] de “frequente desarticulação sectorial” i.e. aqui abordamos uma possível articulação entre os sectores da Saúde, Ensino Superior, Habitação, o que revela que o maior problema do Executivo angolano talvez não seja a falta de recursos mas antes, diríamos nós aqui, a falta de pragmatismo!

*Publicado no J. Expansão:
   F. Wanda (2018) ‘Em Angola não faltam apenas médicos, falta antes pragmatismo!’, coluna “Milagre ou Miragem?” Expansão, Edição 458, 2 Fevereiro, pág. 37.



[1] Afecta a produtividade dos trabalhadores. Na proposta OGE 2018 o Ministério da Saúde prevê gastar 2.199 milhões de Kwanzas com evacuações médicas.
[2] A Embaixada Americana em Angola oferece todos os anos a bolsa de investigação pós-graduada Hubert H. Fellowship.
[3] Em Angola existe a falta de técnicos a vários níveis e em alguns casos falta de infraestruturas e equipamentos.
[4] Para além de outras instituições que oferecem formação a nível médio e básico.
[5] Em Angola este problema verificasse em zonas urbanas e rurais.
[6] Wanda, F. (2018) ‘Desarticulação na reabilitação da industria têxtil’, Expansão 19 Janeiro.  


quarta-feira, 10 de abril de 2019

O que nos falta para traçarmos os caminhos de um futuro promissor para Angola?*


A África tem hoje 54 países. Claro que não podemos falar do continente como se de um país se tratasse. Temos que analisar e contar 54 estórias diferentes. No continente países como a Etiópia e de certa forma o Ruanda estão na linha da frente na implementação de uma Política Industrial, para além da África do Sul, o país mais industrializado a sul do Saara. Como resultado a Etiópia, por exemplo, é a economia que mais cresce em África, tendo de 2005 – 2016 crescido em média 10.5% do PIB e com projeções para um crescimento positivo perto dos 8% por ano. Já Angola, pelo contrário, vive uma recessão há 3 anos consecutivos sem que se possa vislumbrar uma saída credível.     

Á luz do que foi acima apresentado, acreditamos nós que a pergunta a ser feita deve ser, como sugerimos, “o que nos falta para traçarmos os caminhos de um futuro promissor para ANGOLA?” A resposta a esta questão temos vindo, neste espaço, regularmente a apresentar S.A.I.D.A. i.e. Sugestões e Análise de Informação sobre o Desenvolvimento de Angola. Por exemplo, num dos nossos textos indicamos que Angola não pode depender da importação de produtos para alimentar a sua população, que cresce 3% ao ano, e sustentar a sua indústria transformadora emergente. Como explicar que 90% da produção agrícola em Angola provem da agricultura de sequeiro e que o investimento feito em perímetros irrigados e em fazendas de larga escala até ao momento não produziu os resultados desejados? Alguma coisa não está correcta e este problema requer a devida atenção.

Não é surpresa que no País, segundo dados do I.N.E., 67% dos desempregados deixou de procurar emprego, apesar de hoje os jovens estarem melhor qualificados. Realmente é caso para o Executivo angolano refletir e interrogar-se, como foi feito e muito bem pelo Presidente João Lourenço em Abu Dhabi, “em que falhamos”?  




*Adaptado de:
   Wanda, F. (2018) ‘Angola está numa encruzilhada! Expansão, Edição 504, 21 Dez. http://www.expansao.co.ao/artigo/107645/angola-  esta-numa-encruzilhada-?seccao=7  

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

A diversificação Económica em Angola segundo o PRODESI


Fazendo uma análise crítica do Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição de Importações (PRODESI), vemos que para os proponentes deste programa, tendo em conta os produtos identificados como prioritários para a exportação[1], diversificar passa por exportar outros produtos para além do petróleo e diamante sem contudo, alterar a estrutura produtiva do país. Daí que pretendesse que Angola produza e exporte também banana, café, rochas ornamentais, madeira, o que é bom. Mas Angola precisa é de uma verdadeira transformação estrutural i.e. deixar de essencialmente exportar bens primários. Mais sobre as nossas reflexões sobre este tema pode ser encontrado aqui:

Wanda, F. (2018) ‘A diversificação da economia em Angola requer uma missão… e não uma solução!’ Expansão, Edição 498, 9 Nov. http://www.expansao.co.ao/artigo/104991/a-diversificacao-da-economia-em-angola-requer-uma-missao-e-nao-uma-solucao-?seccao=7

Wanda, F. (2018) ‘Então, o que o Executivo em Angola entende por diversificação?’ Expansão, Edição 496, 26 Out. http://www.expansao.co.ao/artigo/104875/entao-o-que-o-executivo-em-angola-entende-por-diversificacao-?seccao=7

Wanda, F. (2018) ‘A Industria Transformadora em Angola está Longe de ser o ‘Factor Decisivo’ Expansão, Edição 490, 14 Set.http://www.expansao.co.ao/artigo/102324/a-ind-stria-transformadora-em-angola-esta-longe-de-ser-o-factor-decisivo?seccao=7


[1] Ver pág. 35-39

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Faça algo diferente!*


Recentemente realizou-se na África do Sul mais uma cimeira dos países emergentes chamados, desde 2011, na sigla inglesa de BRICS - Brasil, Rússia, Índia, China e o país anfitrião a África do Sul. Muito se passou desde que em 2001 o Goldman Sachs[1] juntou um grupo de países, que na altura estavam a ter um crescimento assinalável, criando desta forma os BRICs (sem a África do Sul). Mais tarde estes convidaram para o grupo a África do Sul, o que conferiu de certa forma a sua legitimidade como porta-voz dos países em desenvolvimento e contrapeso dos países ricos.  

Para a cimeira de Joanesburgo Angola foi convidada também por ser o País que preside, de momento, o Órgão de Cooperação Política, Defesa e Segurança da SADC, fazendo-se representar pelo Chefe do Executivo o Presidente João Lourenço. Vale recordar que já em 2013 na cimeira de Durban, África do Sul, Angola esteve igualmente presente.

Nesta cimeira, João Lourenço assinalou dois aspectos de interesse sendo (1) a vontade de um dia Angola juntar-se ao grupo e (2) a sua crença “que na actual conjuntura da globalização e das tecnologias da informação e comunicação, os nossos países poderão saltar etapas, encurtando desta forma o caminho do progresso e do desenvolvimento”. Ora bem, é importante compreendermos que qualquer processo evolutivo obedece certas fases i.e. a natureza não salta etapas, todavia, a evidência empírica mostra que a globalização dá acesso a exemplos a seguir, cabe depois aos países empreenderem acções pragmáticas visando a sua rápida industrialização, materializando-se essa visão do Presidente João Lourenço num espaço de tempo reduzido.

Não é por acaso que cada País dos BRICS possui um parque industrial e tecnológico expressivo para sua condição de País emergente. Tal só foi possível graças a intervenção selectiva do Estado. Por exemplo o Brasil para além de ter uma agro-indústria forte, criou a Embraer e com ela quebrou um segmento dominado pelas mais experientes e financeiramente mais bem dotadas Boeing e Airbus. A Índia no ramo automóvel tem marcas como a Mahindra comercializada em quase todo mundo incluindo Angola. A Rússia, herdeira do império Soviético, tem na indústria de defesa e aerospacial um sector tecnologicamente bem desenvolvido. A África do Sul é simplesmente a economia mais industrializada a sul do Saara. Angola só tem a ganhar se souber gerir melhor o seu relacionamento histórico com cada um deles.

Sobre a necessidade dos países africanos tirarem um melhor proveito desta aproximação com os BRICS, o ex-Economista Chefe do Banco Mundial o chinês Justin Lin, assinalou a alguns anos que devido a necessidade da China diminuir a sua dependência dos mercados externos dinamizando o consumo interno, haveria uma pressão para se aumentar os salários. Desta forma seriam libertados cerca de 80 milhões de empregos no sector da indústria manufactureira[2] que havendo condições poderiam deslocar-se para África.

Países como o Vietname e Mianmar, dada a proximidade e tendo criado políticas específicas, já estão a receber algumas dessas empresas. Através das nossas pesquisas[3] identificamos que um País africano que tem sabido tirar proveito desta situação é a Etiópia. Ao contrário do Executivo em Angola, que construiu pólos de desenvolvimento industrial i.e. Viana e Catumbela sem estarem devidamente infraestruturados e perímetros irrigados improdutivos, o Governo Etíope, através de um processo de ensaio e erro, tem estado a promover parques industriais de qualidade assinalável. O mais recente Hawassa é já considerado um exemplo, prevê gerar cerca de USD 1,000 milhões/ano em receitas e empregos para 60.000 jovens Etíopes[4]. Através de um processo selectivo de intervenção e uma dose de pragmatismo a Etiópia é hoje uma das economias que mais cresce no mundo. De 2005-2016 o seu PIB cresceu em média 10.5%.

Um outro País que está a trilhar o mesmo caminho é o Ruanda. De facto, no nosso mais recente trabalho de campo foi-nos facilitada uma visita a Zona Economica Especial de Kigali e podemos ver in loco os desenvolvimentos já alcançados.

Enfim, não basta o Chefe do Executivo mostrar vontade é necessário assegurar que ela seja transformada em políticas e traduzidas depois em acções concretas. Todavia, como temos assinalado nas nossas reflexões neste espaço, na ânsia de marcar uma nova etapa no desenvolvimento de Angola o Executivo denota uma certa crise existencial. Independentemente da estratégia a adoptar é imperioso que se compreenda que fazer mais do mesmo e ainda assim esperar um resultado diferente leva-nos a lugar nenhum!

*Publicado anteriormente: Wanda, F. (2018) ‘Faça algo diferente!’ Expansão, Edição 484, 3 Ag. http://www.expansao.co.ao/artigo/98959/faca-algo-diferente-?seccao=7.


[1] Goldman Sachs (2001) ‘Building Better Global Economic BRICs’. Global Economics Paper, Nov. 30.
[2] Citado pela Bloomberg (22/07/2014)
[3] F. Wanda, & C. Oya (2016) “Um Estudo sobre as Empresas Industriais e de Construção e as Dinâmicas de Emprego em África”, Revista Socioeconomicus Nº 3 (FEC-UAN).
[4] M. Schwikowski (2017) ‘Ethiopia: East Africa's new economic power’.

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Descentralização? Sim! Mas, com autonomia financeira sustentável!*


Recentemente fomos convidados a reflectir sobre os desafios da autonomia financeira que as futuras autarquias deverão gozar, por formas a poderem corresponder as expectativas. Todavia, o actual debate parece ter sido sequestrado pelos políticos e centrasse muito no processo eleitoral. Um aspecto que parece ‘esquecido’ e que precisa ser tido em conta é a sustentabilidade desta mesma autonomia.

Em Moçambique[1], por exemplo, as autarquias criadas em 1997 eram inicialmente financiadas por três vias (1) receitas provenientes de serviços prestados e licenças atribuídas; (2) transferências fiscais do Governo Central (1,5 por cento das receitas totais); (3) contratação de créditos com limitação[2]. Ainda assim as autarquias tiveram dificuldades de gerarem as suas receitas, em função do aumento da população e consequente aumento da demanda por serviços, ficando estas muito dependentes das transferências fiscais.

A ideia de descentralizar para assegurar uma melhoria na condição de vida das populações, para o caso de África, veio como uma exigência das organizações financeiras internacionais, i.e., como condição para estes países acederem a ajuda internacional para o desenvolvimento. Com o fracasso do pacote de reformas introduzidas através dos chamados programas de ajustamentos estruturais[3], criou-se uma ‘Agenda para Boa Governação’[4] i.e. medidas que uma vez implementadas poderiam então garantir o desenvolvimento dos países. Ao Estado ficou reservado, no âmbito desta agenda, o papel de assegurar o funcionamento dos mercados, a participação da sociedade civil, prestação de contas bem como proteger o direito a propriedade.

Sem dúvidas a descentralização do poder traz grandes benefícios. Ela melhora a identificação das necessidades das populações, facilita a oferta de bens e serviços, a capacidade de executar e controlar, favorece a democratização e promove a transparência. Todavia, é imperioso que isso seja feito de forma sustentável. 

No contexto angolano discute-se mais se a implementação das autarquias deverá ser de forma gradual ou global e perde-se de vista a necessidade desta descentralização e consequente autonomia financeira ser sustentável a longo prazo. Vale realçar que a eleição apenas resolve o ‘problema do cágado na árvore’, i.e., o futuro autarca não poderá alegar que foi colocado naquela posição, ficando implícita a ideia de não prestar contas a população local. Porém, fica por se discutir, por exemplo, a necessidade de quadros qualificados para elaborarem (e gerirem) orçamentos que vão de encontro as aspirações dessas populações. Neste aspecto Angola pode beneficiar das experiências do Brasil e Moçambique, onde optou-se pela elaboração de orçamentos participativos.

Em Angola pensa-se financiar as autarquias através das receitas provenientes do Imposto Predial Urbano, Sisa e taxa de circulação bem como derramas. Olhando para a sustentabilidade dessa autonomia financeira o município do Lobito, pelas fontes de financiamento indicadas, está melhor que, por exemplo, o Cubal. As transferências fiscais do Executivo podem jogar um papel preponderante sendo maior para o Cubal do que para o Lobito. Porém, com o aumento da população segue o aumento da demanda por serviços. Conhecendo a forma de cobrança do IPU e que o aumento das receitas da taxa de circulação implica um aumento de veículos em circulação, prejudicial para o ambiente, aumentar essas receitas pressupõe um aumento da renda da população.

Esta possibilidade é, contudo, contrariada pelo fraco crescimento médio do PIB de 3,0% cf. PDN 2018-2022. Tendo em conta a redução significativa da actividade empresarial (o INE indica que estavam em actividade apenas 46.096 empresas em 2016) podemos prever sérias dificuldades para as futuras autarquias. O petróleo tem ainda um peso considerável nas receitas fiscais do Estado, porém, o preço não depende do Executivo. Nestas condições fica difícil assegurar a melhoria das condições de vida das populações.   

Enfim, ao avançar com a criação das autarquias o Executivo mostra vontade de querer promover uma maior participação da população na gestão pública, o que fortalece o processo democrático em Angola. Todavia, ao apresentar uma estratégia incapaz de gerar um crescimento médio do PIB acima dos 7%, para os próximos 5 anos, o Executivo arrisca-se a tornar financeiramente insustentável o processo de descentralização que se propõe.

*Inicialmente publicado no Jornal Expansão, Edição 482 de 20 de Julho 2018


[1]Nguenha, E. (2009) ‘A Primeira Reforma Fiscal Autárquica em Moçambique’, IDeIAS Boletim nº 16, 24 Junho.
[2]Crédito de curto prazo para atender situações de tesouraria devendo ser reembolsado no exercício fiscal em que é contraído.
[3]Cf. Wanda (2017) ‘Solução para recuperação da economia? Repatriar o capital de angolanos no estrangeiro já – Convidado’, Expansão, Edição 440.
[4]World Bank, World Development Report: The State in a Changing World (Oxford: OUP, 1997), pp. 19-38.

domingo, 8 de julho de 2018

Quando a oferta não cria a sua própria demanda*


A conhecida Lei de Say indica-nos que ‘a oferta cria a sua própria demanda’. Todavia, a realidade prática muitas vezes apresenta-nos situações onde podemos ver que a teoria não se ajusta a realidade (i.e. devido as chamadas falhas de mercado). Tal parece ser o caso do sector da educação (com especial referência ao ensino superior) em África, de um modo geral, onde registasse um nível de instrução superior ao registado em períodos anteriores, nomeadamente após as independências, mas ainda assim as taxas de desemprego continuam altas[1]. Para o caso de Angola apesar do aumento do número de estudantes matriculados, de 13. 861 em 2002 para 286.000 em 2016 e registar-se um aumento de instituições de ensino superior, o desemprego ainda é uma preocupação especialmente desde 2015, período em que verificou-se um acentuado arrefecimento da economia. Este texto vem complementar algumas das ideias apresentadas num outro texto[2], analisando desta feita as razões da ausência de demanda para a oferta de uma mão-de-obra cada vez mais instruída.

Hoje parece ser inegável que em Angola assistimos uma situação de desemprego persistente. Apesar do Relatório Sobre Emprego publicado pelo INE em Setembro de 2017 indicar uma taxa de desemprego de 20% entre a população com 15 – 64 anos, este mesmo relatório também indica que o desemprego chega aos 38% entre os jovens dos 15 – 24 anos altura em que muitos terminam o ensino superior. Essa situação é agravada, ainda mais, com o aumento anual da oferta de graduados, por parte das instituições do ensino superior, sem que haja uma alteração a nível da demanda.

De facto, o Boletim Estatístico do Ensino Superior de 2016 indica, por um lado, que em 2015 foram colocados no mercado 12.395 graduados aumentando para 14.735 em 2016. Por outro lado, o Anuário de Estatísticas das Empresas do INE referente ao período de 2013 – 2016, indica que das 152.359 empresas registadas em 2016 estavam em actividade apenas 46.096 empresas. É importante notar que dessas empresas em actividade 50.3% pertencem ao sector do comércio, que como se sabe em Angola é muito dependente da importação o que produz uma pressão nas reservas internacionais líquidas. O sector da indústria transformadora, aquele capaz de gerar uma economia de escala e facilitar as interligações sectoriais, apesar dos investimentos feitos a nível dos polos de desenvolvimento industriais, ainda representa cerca de 5.5%. Estes dados ilustram bem a necessidade do Executivo adoptar políticas pragmáticas capazes de inverterem este quadro.

O desemprego persistente acaba por ser, como nos sugere Delong (2012) no longo prazo, um impedimento para a recuperação económica de um País. Para o caso de Angola é frequente ouvirmos os empregadores reclamarem da qualidade dos candidatos ao emprego. Um estudante recém-graduado que não encontra inserção no mercado de trabalho corre o risco, a medida que o tempo passa, de ver as suas habilidades e competências adquiridas ao longo do seu período de formação tonarem-se obsoletas sem que delas o País e o próprio indivíduo tenham tirado proveito. Esta situação pode obrigar a um reinvestimento na formação deste individuo ou, na ausência de incentivos, levar ao recrutamento de mão-de-obra expatriada. Infelizmente, este problema não tem merecido a devida atenção do Executivo.

O facto do sector da indústria transformadora, que comporta subsectores intensivos em mão de obra, representar apenas 5.5% das empresas em actividade serve para ilustrar o nosso argumento de que não se tem feito chegar recursos a aqueles segmentos e produtores que poderiam rapidamente gerar um efeito multiplicativo[3]. Como consequência, o fraco desempenho que a economia angolana registou nos últimos dois anos[4], dados recentes do INE indicam um desempenho negativo de -2,6% em 2016 e -2,1% em 2017 i.e. duas recessões, não gerou demanda suficiente para absorver a oferta de mão-de-obra graduada (i.e. com licenciatura concluída) disponível no mercado, com o agravante do Executivo apresentar soluções que, até prova em contrário, têm-se mostrado demasiado complexas para serem implementadas nos prazos avançados. Esta realidade faz com que, segundo o INE, 67% dos jovens desempregados desistam de procurar empregos.

Para se quebrar este ciclo que parece estar a tornar-se vicioso urge, por exemplo, compreender e resolver os constrangimentos que impedem as empresas registadas de darem início a sua actividade. No período em análise este número passou de 59.056 empresas em 2013 para 104.088 em 2016. Analisando particularmente o sector da indústria transformadora notasse que em 2013 aguardavam início 3.568 empresas e em 2016 este número passou para 5.197 empresas caso que deveria merecer a devida atenção dos órgãos competentes, a nível do Executivo, dada a especificidade deste sector num processo de transformação estrutural.

Enfim, se por um lado é importante que se aposte na formação da mão-de-obra em Angola, também não é menos importante tratar de se criar condições para que haja demanda para a oferta existente. O facto de mais de metade das empresas em actividade em 2016 pertencer ao sector do comércio mostra que o mercado, por si só, não vai corrigir essa falha. Pelo que, o Executivo, no seu ‘novo’ papel de regulador e coordenador, deve corrigir este mal. Afinal, como indicamos num outro texto[5], é imperioso que o Chefe do Executivo compreenda que o sucesso de Angola não pode estar dependente da flutuação ascendente do preço do petróleo nos mercados internacionais mas sim, de objectivos realistas e atingíveis no espaço de tempo definido.

*Publicado inicialmente no Jornal Expansão: Wanda, F. (2018) ‘Quando a oferta não cria a sua própria demanda’ Edição 476, 8 Junho. http://www.expansao.co.ao/artigo/96338/quando-a-oferta-nao-cria-a-sua-propria-demanda?seccao=7


[1] Wanda, F. (2017) “Se África Está no ‘Ponto de Inflexão’, O Que Será da Juventude em Angola: Ameaça ou Força para o Desenvolvimento? – Analise”, Novo Jornal (online).
[2] Wanda, F. (2018) ‘Emprego, juventude e desemprego: Será 2018 diferente?’ Expansão, Edição 454, 5 Janeiro.
[3] Wanda, F. (2017) 'Papel do BNA em tempo de crise - Convidado', Expansão, Edição 419 28 Abril.
[4] Podendo continuar até 2021.
[5] Wanda, F. (2018) ‘África precisa de ‘correr’, já o Executivo em Angola tem que encetar um sprint! Expansão, Edição 468, 13 Abril.

quinta-feira, 7 de junho de 2018

Que Papel para o Estado*


A quando do lançamento do Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição de Importações foi anunciada a saída do Estado do sector produtivo. De facto ao lermos este programa vemos que o Estado vai passar a “assumir um papel regulador e coordenador”, mas não nos é dito as razões pelas quais as unidades produtivas criadas não foram capazes de atingir um nível de produtividade aceitável. Assim sendo, urge reflectir sobre o papel que se deseja para o Estado nesta fase do desenvolvimento de Angola.

No período pós-guerra o modelo de intervenção facilitou a criação de empresas e institutos públicos cujo resultado não se reflectiu num aumento da produtividade mas sim, num custo acrescido ao erário público já que estas instituições foram dotadas de conselhos de administração relativamente extensos, sem que se possa hoje aferir o seu desempenho. Quando começou-se a estruturar o sistema económico nacional e criar-se ‘grupos económicos angolanos conscientes e fortes’ visando garantir a ‘nossa independência’, como defendeu o ex-presidente José Eduardo dos Santos em 2015, muitos destes grupos acabaram por não implementar os projectos para os quais lhes fora alocado e disponibilizado recursos. Todavia, faltou ao Executivo capacidade para disciplinar, através de uma componente de condicionalidade com cláusulas explícitas de penalização os promotores em caso de incumprimento das metas definidas. Essa inacção faz-nos pensar que tais intervenções, em alguns sectores, visaram apenas criar condições para acumulação primitiva, de alguns eleitos, quando poderiam marcar o início de um processo de transformação estrutural.    

Concordamos que o Estado não pode chamar para si a responsabilidade de produzir todos os bens e serviços de que a sociedade necessita. Por exemplo, produzir uniformes e botas ou mesmo os alimentos para o exército, conforme defendeu um Ministro de Estado[1],é algo que pode muito bem ser eficientemente coordenado com o sector privado. Contudo, a função de agente regulador e coordenador não é menos exigente. Pelo contrário, os estudos desenvolvidos pelo Prof. Mushtaq Khan[2] da SOAS, Universidade de Londres mostram que essa função exige muito mais capacidade de disciplinar e competência por parte do Estado, duas qualidades que o Executivo precisa melhorar. Pelo que, nada nos garante sucesso nessa mudança de papel. Por outro lado, se a razão desta mudança é por questões ideológicas, i.e. procurar adoptar uma ideologia mais neoliberal (i.e. pró-mercado), como compreender, por exemplo, a resistência na aplicação de um imposto pesado, visando desencorajar a ocupação improdutiva de terrenos?

Nas nossas reflexões temos enfatizado que o papel do Estado deve ser qualitativamente diferente a medida que os países vão progredindo. Se tivermos em conta que a mentalidade de grupo[3], em Angola, tem manchado a qualidade das intervenções do Estado, a pergunta que urge fazer-se à luz desta decisão do Executivo é o que passará o Estado a fazer de concreto ao “limitar-se à promoção do crescimento da economia”[4]? Uma intervenção do Estado como ‘regulador’ é susceptível de criar rendas (i.e. um fluxo de receita muito acima do esperado em condições normais). A disputa pela captura dessas rendas pode comprometer a qualidade da intervenção, especialmente num contexto de consolidação do empresariado nacional.  Para coordenar o tipo de desarticulação sectorial que identificamos[5] em Angola, o Executivo precisa de ter uma visão clara e realista do que deseja alcançar a médio e longo prazo. Atenção que não estamos a falar do PND e Angola 2025, mas sim de programas menos ambiciosos e mais exequíveis. A elaboração destes programas exige subsídios, à partida, dos principais intervenientes.

Todavia, o problema de Angola não é apenas uma questão de Economia, i.e. alocação de recursos, mas sim de Economia Política, i.e. perceber como o poder político tem estado a influenciar a distribuição de renda entre os diferentes intervenientes e/ou a bloquear a penalização dos menos eficientes (mais corruptos). A ‘promoção do crescimento da economia’ como apresentado pelo Executivo5 exige muito mais do que se possa pensar. Tudo começa com a disponibilidade de dados fiáveis para que se saiba o momento oportuno para intervir, os sectores a intervencionar, de preferência aqueles com a possibilidade de expansão para os mercados externos e maior retorno, passando pela disponibilidade de quadros competentes capazes de executar essa mesma intervenção com o mínimo de corrupção, para sermos realistas.  

Neste novo papel os departamentos ministeriais precisam ter uma missão clara e possuírem os recursos necessários (humanos e materiais), o que não se compadece, em tempo de crise, com uma excessiva dependência em consultoria externa. Os dados empíricos mostram que o Estado joga um papel preponderante na facilitação da aprendizagem de novas técnicas de produção e aquisição de tecnologias. Isto implica conceder benefícios aos empreendedores. Apesar do PRODESI (pág. 8) indicar que desta vez haverá uma contrapartida para se aceder/manter tais benefícios, todavia, o documento não nos indica como o Executivo se propõe executar as exigências identificadas. O Estado vai também precisar de adoptar ‘políticas de Robin Hood’ i.e. tirar dos ricos para dar aos pobres. Contudo, vale questionar se tendo sido o Estado o criador dos novos ricos, estará agora capaz de nivelar o campo de jogo? Parece-nos que o Executivo enfrenta uma crise existencial. 

Publicado anterior como: 
  Wanda, F. (2018) ‘Que Papel para o Estado’. Expansão, Edição 470, 27 April. http://www.expansao.co.ao/artigo/94807/que-papel-para-o-estado?seccao=7




[2] Exemplo: Khan, M. H. (2012) “Governance and Growth Challenges for Africa”.
[3] Wanda, F. (2018) ‘Não importa a cor do gato, o que importa é se ele sabe caçar ratos! Expansão, Edição 460, 16 Fevereiro.
[4]ANGOP( 12 Fev. 2018) ’Estado retira-se da actividade empresarial’.
[5] Wanda, F. (2018) ‘Desarticulação na reabilitação da industria têxtil’, Expansão 19 Janeiro.