sábado, 14 de fevereiro de 2015

Os Caminhos da Transformação Estrutural em Angola: A Indústria Manufactureira (1)

Na nossa reflexão anterior analisamos como o estado poderia criar um cluster agro-industrial com serviços complementares e apresentamos a zona do Dombe Grande, província de Benguela como exemplo (partindo do problema reportado pelos agricultores locais). Tentamos ilustrar que o aumento de produtividade no sector agrário foi a base para o rápido desenvolvimento de muitos dos países desenvolvidos que conhecemos hoje (ex.: EUA, Reino Unido) e ainda continua a ser necessário para países que procuram atingir altos níveis de desenvolvimento, como é o caso de Angola hoje. No post de hoje vamos começar a reflectir sobre o sector industrial manufactureiro.

Fala-se tanto em “take-offs” (i.e. arranque) mas o facto é que Angola ainda está por desenvolver uma indústria manufactureira que seja intensiva em mão de obra (exemplo: indústria têxtil e a respectiva produção de vestuário). De facto muitos dos países que hoje são tecnologicamente fortes, começaram por desenvolver, numa primeira fase, uma indústria que absorvesse a sua mão-de-obra e posteriormente através do chamado technological upgrade (desenvolvimento tecnológico) foram desenvolvendo outros sectores de capital intensivo. Como exemplo de países que seguiram esta via podemos citar a Coreia do Sul que desenvolveu posteriormente uma indústria de construção naval, automóvel e telecomunicações e hoje produz a escala global. A China já tem uma indústria de telecomunicações forte (ex.: ZTE, Huawei). Hoje devido ao aumento salarial que se verifica no mercado chinês, a China está a “exportar” a sua indústria de vestuários para países como o Camboja e Vietnam (veja o post de 29 Julho 2014[1] sobre como países africanos poderiam beneficiar).

Para o caso de Angola o interessante é que, até certo ponto, já se desenvolveu um sector de capital intensivo que é a indústria petrolífera (apesar da fraca ligação, que ainda persiste, com outros sectores da economia local). Inicialmente este desenvolvimento foi a custa do capital estrangeiro mas hoje verifica-se um processo de incorporação do capital nacional (se este processo está ou não sendo feito da melhor forma e com os “melhores actores”, não é objecto da nossa reflexão hoje mas poderemos reflectir sobre isso num próximo post).

O mais difícil como, por exemplo, Jonathan Di John (2009) nos mostra para o caso da Venezuela, é passar de uma indústria de mão-de-obra intensiva para uma de capital intensivo uma vez que o arranjo político muda. Se assim for, então podemos partir do princípio que o processo inverso, isto é, tendo (até certo ponto) já desenvolvida uma indústria de capital intensivo, desenvolver uma de mão-de-obra intensiva deveria ser muito mais fácil!

Então por que razão Angola foi incapaz, até ao momento, de fazer essa transição? Sabemos que a Africa Têxtil em Benguela foi recentemente reabilitada. Mas, será que temos produção de algodão suficiente para garantir que este projecto não dependa da importação e a consequente saída de divisas? Como se pode ver, continuamos a pecar no básico!

Em nosso entender, e com base na nossa pesquisa, não está acontecendo o seguinte: coordenação dos investimentos. Notem que no post de 1 de Janeiro 2015[2] mencionei o facto de que a indústria manufactureira que se está a desenvolver em Angola está virada essencialmente a dois sectores: construção e bebidas. Com a agravante de actualmente terem poucas ligações com outros sectores da economia, o que não ajuda a absorver o que Karl Marx uma vez chamou de “reserve army of labour” i.e. mão-de-obra desempregada no país.

Uma possível solução ao problema acima apresentado seria a elaboração de uma política industrial selectiva[3], atenção não se deve confundir com, por exemplo, o “Programa Executivo do Sector da Industria Transformadora para o Período 2009-2012” cujo resultado parece não estar disponível. Uma política industrial para além da articulação que exigi com outras políticas (monetária, de comércio, etc.) permite essencialmente identificar o que vai ser feito, quando podemos mesmo acrescentar por quem (i.e. empreendedores nacionais sérios, investidores estrangeiros ou uma combinação de ambos). Esse documento, política industrial, países como a Coreia do Sul e Taiwan elaboraram e foi a fonte do seu sucesso e hoje a África do Sul também decidiu elaborar e está neste momento em execução enquanto Angola continua por fazer.

 



[1] http://fernandes-wanda.blogspot.com/2014/07/o-desenvolvimento-chines-e-oportunidade.html
[2] http://fernandes-wanda.blogspot.com/2015/01/desvalorizacao-da-moeda-mais.html
[3] A política industrial deve ser selectiva uma vez que não existe recursos para dar suporte a todas indústrias, pelo que devemos dar apoio a aquelas que se apresentam mais promissoras na geração de empregos e na capacidade de expansão para o mercado externo (através da exportação dos seus produtos) gerando divisas.  

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