sábado, 11 de junho de 2016

Ponto de Ordem: Será que a crise em Angola é “decorrente da quebra das receitas da exportação de petróleo”?

Parece ser já um padrão explicar todos os actuais males de Angola como resultado da “crise financeira devido a baixa de preço do petróleo”. Mas será que os problemas em Angola surgiram devido a crise ou porque Angola talvez tenha perdido o focos e não tenha feito o seu trabalho de casa?

Quando o preço de petróleo começou a subir até atingir níveis históricos a grande maioria dos nossos analistas e políticos estava animada com a perspectiva do país poder resolver os seus problemas sem depender de ajuda externa. O primeiro sinal de problema a vista surgiu em 2007 mas apesar disso tivemos especialistas a afirmarem que a crise não afectaria o país, até que em 2009 Angola assinou o Acordo Stand-by com o FMI e então o discurso mudou e começou-se a admitir a possibilidade de termos “alguns problemas”. No entanto o preço voltou a subir e por volta de 2012 pouco se falava da possível crise.

Sectores chaves de desenvolvimento como a indústria manufactureira e a agricultura não tiveram o desempenho esperado. O Ministério da Indústria, por exemplo, elaborou o seu Plano de Médio Prazo 2009-2013 que visava criar 70.374 empregos directos e 211.122 empregos indirectos, garantir que a indústria transformadora contribuísse 12% do PIB já em 2013. Contudo esse contributo não superou em média os 6% do PIB no período em referência. A agricultura nesse mesmo período teve um contributo médio de 9% do PIB[1].

A luz desses números e tendo em conta o que nos indica as 3 Regras do Desenvolvimento propostas por Kaldor (1967):

Regra 1: Todos os países se desenvolvem e atingem altos níveis de rendimento per capita através[2] da industrialização.

Regra 2: Na etapa inicial as indústrias nascentes desenvolvem-se através de uma certa protecção.

Regra 3: Quem dizer o contrário estará mentindo.

Fica evidente que a crise de hoje não se deve ao facto do preço do petróleo ter baixado mas sim ao facto de Angola não ter criado as alternativas necessárias.

Existe evidência que Angola poderia melhor usar as receitas petrolíferas, no momento em que o preço estava em alta, para acelerar o processo de industrialização sem criar constrangimento na sua balança de pagamentos (ver post de 19 de Fevereiro de 2016) i.e. industrializar sem ter a pressão de exportar por outras palavras focalizar-se na substituição das importações. Para sermos mais justos aos esforços encetados alguns sectores atingiram neste período a auto-suficiência (exemplo: a industria de bebidas) mas devido a uma enorme deficiência no que toca a produção energética ficou claro que não seria apenas com geradores que o plano do Ministério da Indústria poderia ser materializado, o país precisava de uma fonte de energia mais viável.

No que toca a agricultura, que deveria ser a base do processo de industrialização, foram feitos alguns investimentos em infra-estruturas com a criação dos perímetros irrigados. Agora é preciso sermos pragmáticos e cultivar neles o que o país mais precisa para reduzir a importação de alimentos, claro sem descurar a possibilidade de exportar algum excedente.

Socorrendo-nos, mais uma vez, da afirmação feita pelo Chefe do Executivo a quando da abertura da 4ª Sessão da Terceira Legislatura da Assembleia Nacional sobre este período de crise que Angola vive, onde ele indicou que neste período “(…) se conseguem os feitos mais audaciosos e esse é o caminho do progresso” pensamos que o ‘trabalho de casa’ já foi a muito indicado (ver post 1 de Março de 2015). Fazer algo audacioso, em nosso entender, nessa altura passa necessariamente por canalizar recursos para se acelerar a produtividade no sector agrário (e aumentar a produção) e aproveitarmos os actuais investimentos no sector energético para dinamizarmos a indústria transformadora, duas actividades que colocariam Angola no caminho para o desenvolvimento.

 




[1] Fonte do PIB: African Economic Oulook (2005-2007) for data from 2003 - 2006 and for 2007-2012 data from the Central Bank in Angola (Banco Nacional de Angola)
[2] Nosso ênfase

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