segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Angola e Portugal: O que nos dizem os números desta relação*

Apesar de Angola e Portugal manterem uma relação histórica, muitas são as vezes que ouvimos os políticos, tanto de lá como de cá, a darem indicações que um pode muito bem passar sem o outro. Neste espaço vamos hoje reflectir sobre os números desta relação tendo como pano de fundo a primeira visita oficial do Presidente João Lourenço à Portugal.    

No discurso proferido durante a cerimónia de investidura, João Lourenço indicou que “Angola dará primazia a importantes parceiros, tais como os Estados Unidos da América, a República Popular da China, a Federação Russa, a República Federativa do Brasil, a Índia, o Japão, a Alemanha, a Espanha, a França, a Itália, o Reino Unido, a Coreia do Sul” excluindo desta lista Portugal por razões já conhecidas. Apesar de este mau estar político ainda assim, as relações económicas de uma forma geral não deixaram de ser significativas como abaixo descrevemos.

Segundo dados do Banco Nacional de Angola no período de 2003 à 2014 Portugal foi o principal país de procedência das importações angolanas. Em 2003 as importações foram estimadas em USD 816.2 milhões e em 2014 atingiram a cifra mais alta USD 4.374.8 milhões. O relatório consultado indica que em 2015 Portugal foi superado pela China porém recuperou esta posição em 2016 e manteve em 2017. No que toca aos investimentos, dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento indicam que entre 2001 e 2012 Portugal foi o principal destino dos investimentos directos de angolanos.

No nosso mais recente estudo[1] sobre as tendências do investimento directo privado estrangeiro em Angola assinalamos que de 2003-2013 Portugal foi o país que mais teve projectos de investimentos aprovados pela antiga ANIP. De facto, os nossos dados actualizados indicam que até 2014 haviam sido aprovados 1.449 projectos de Portugal contra, por exemplo, 294 da China. Estes números indicam que contrariamente a atenção mediática dada, por exemplo, a presença chinesa em África e muito particularmente em Angola, o investimento directo privado chinês em Angola não é tão expressivo como o de Portugal.

O INE-Portugal[2] indica que no período entre 2011-2014 Angola foi o 4º maior país de destino das exportações portuguesas, passando para o 6º em 2015 e o 8º em 2016. Portugal está igualmente a importar cada vez menos petróleo de Angola. De facto, em 2015 Angola foi apenas o 9º fornecedor e em 2016 o 12º fornecedor. Esta queda deveria representar para o Executivo angolano uma oportunidade que precisa ser melhor aproveitada.

Apesar de ter havido uma redução no saldo das trocas comerciais entre 2015 e 2016, Portugal manteve em 2016, segundos os dados do INE-Portugal, um excedente comercial de 692 milhões de Euros. Angola continuava a ser o principal mercado (em termos do grau de exposição das empresas face aos principais mercados), para muitas empresas portuguesas. Por exemplo, em 2016 38.9% das empresas que exportaram para Angola fizeram-no exclusivamente para este mercado. Estas empresas exportaram essencialmente máquinas e aparelhos, produtos químicos e alimentares. Das 5.811 empresas cuja cifra de exportação em 2016 ficou estimada em 1. 461 milhões de Euros, 2.258 empresas com cifra estimada em 448 milhões de Euros exportaram exclusivamente para o mercado nacional.

Com a nova Lei do Investimento Privado e caso se proceda a infra-estruturação dos pólos industriais em funcionamento no país bem como se dinamize a Zona Económica Especial, o Executivo poderá negociar com algumas dessas 2.258 empresas que já produzem e exportam exclusivamente para o mercado nacional, a deslocação das suas operações para Angola. Acreditamos serem estes três aspectos, i.e. (1) necessidade de Portugal aumentar a compra de petróleo a partir de Angola e (2) em contrapartida Angola manter o nível de compras, aos quais juntamos (3) a necessidade do Executivo gizar um plano estruturado visando facilitar a deslocação de empresas, que deveriam merecer uma atenção primordial nesse relançar das relações entre Angola e Portugal.

Enfim, na parceria Angola e Portugal, entendemos que compete a parte angolana criar condições que permitam investimentos que possam depois gerar empregos, incorporar o conteúdo local e facilitar a transferência de conhecimentos e tecnologia. Porém, o Executivo precisa antes de tudo analisar e compreender os números desta relação.




[1] Wanda, Fernandes (2017) “Understanding Post-War Foreign Direct Investment in Angola: South-South led or the West Still Rules?” J. of Southern African Studies, 43 (5).
[2] INE Portugal Estatística do Comércio Internacional 2016.

Inicialmente publicado como:

 Wanda, F. (2018) ‘Angola e Portugal: O que nos dizem os números desta relação’ Expansão, Edição 500, 23 Nov.  http://www.expansao.co.ao/artigo/106130/angola-e-portugal-o-que-nos-dizem-os-n-meros-desta-relacao?seccao=7