domingo, 1 de outubro de 2017

Os desafios do próximo governo em Angola

Lemos no jornal Expansão, edição 440, que o próximo Governo poderá ser mais reduzido do que o cessante, passando dos actuais 33 para 28 ministérios, número que acabou por ser actualizado para 31 ministérios na edição 441. Apesar de saudarmos tal medida ainda assim pensamos ser excessivo o que demonstra a dificuldade que o Chefe do Executivo vai ter em tomar medidas que possam ser impopulares a nível da cúpula do MPLA. Manter a coesão e consequentemente a estabilidade no seio do partido dominante em Angola será seguramente um dos grandes desafios do novo presidente João Lourenço especialmente num contexto em que existe um outro líder a nível partidário. 

Independentemente das prioridades a estabelecer pela futura equipa económica o certo é que Angola precisa retomar o crescimento económico, desta feita de forma sustentável, uma vez que a economia vem abrandando desde 2014, quando o PIB foi de 4.8%, tendo atingindo 0.1% em 2016. Pelo que, pensamos que com vista a se assegurar uma certa estabilidade macroeconómica o Executivo, a nível do OGE, deverá manter as Despesas (D) inferiores as Receitas (R) ou no mínimo D = R. Este objectivo passaria por uma melhoraria da qualidade da despesa através, por exemplo, da aplicação cabal da Lei da Contratação Pública (Lei nº 20/10 de 7 de Setembro) o que poderia alavancar algumas das Micro, Pequenas e Médias Empresas, certificadas pelo INAPEM, que poderiam proporcionar à juventude oportunidades de emprego no sector formal da economia.

Mobilizar os recursos financeiros necessários para a desejada retomada do crescimento económico, num contexto em que a principal commodity de exportação de Angola está em crise nos mercados internacionais apresenta-se como um outro desafio importante. Sabemos que na sua entrevista a agência espanhola EFF, ver edição 437 do Expansão, o agora presidente João Lourenço mostrou uma preferência para o investimento directo estrangeiro (IDE) ao passo que neste espaço, edição 440 do Expansão, alertamos sobre o risco de uma total dependência no IDE e ilustramos a necessidade de se encorajar o repatriamento do capital de angolanos através, por exemplo, da protecção legal do direito de propriedade vital para captação de IDE

Para o processo de retoma da economia, existem muitos exemplos de países em outras regiões do mundo, por exemplo no Sudeste asiático podemos citar a Coreia do Sul e Taiwan, mas também temos, hoje, em África uma das economias que mais cresce no mundo i.e. a Etiópia. O que todos esses países têm em comum é que o caminho para o desenvolvimento sustentável começou com um aumento considerável da produtividade no sector agrícola. Num outro fórum[1] indicamos que Angola precisa produzir grande parte dos alimentos que consome. Hoje sabemos que não é sustentável continuar a gastar cerca de 314.914 milhões de Kwanzas (1.898 milhões de dólares americanos)[2] na importação de alimentos.

Existem investimentos em canais de irrigação bem como desagravou-se (via pauta aduaneira) a importação de maquinaria para o sector produtivo (que inclui a agricultura). Contudo, também sabemos que, por exemplo, muitas das terras irrigadas na zona da Quiminha ou mesmo do canal de irrigação do Kikuxi não estão a ter o uso esperado e como tal não estão a contribuir para auto-suficiência alimentar nos produtos mais importados[3], esse mal precisa ser corrigido. Um aumento de produtividade no sector agrícola pode fazer surgir a jusante o subsector da indústria de produção de equipamento e maquinaria agrícola e montante forneceria matéria-prima para a indústria alimentar satisfazendo assim a demanda intersectorial

É preciso fazer funcionar os dois primeiros pólos industriais do país Viana e Catumbela que contrariamente ao que se esperava registam muito pouca actividade industrial. Para o caso de Viana, em 2015, existiam 150 indústrias transformadoras num universo de 500 empresas, significa dizer que 70% dos espaços criados não estavam a ser usados para criar a dinâmica necessária para a transformação estrutural da nossa economia. A utilização correcta desses dois espaços poderia ajudar na redução do custo de produção e, eventualmente na busca de parcerias internacionais, através do IDE, com vista a dinamizar e diversificar as exportações, almejar captar, por exemplo, parte dos cerca de 80 milhões de empregos no sector da indústria transformadora que a China está a fazer deslocar para outros países[4].

Todas essas acções exigem uma melhor coordenação do desenvolvimento nacional, dados estatísticos fiáveis e atempados para facilitarem a definição de metas concretas da diversificação da produção nacional e tomada de decisões. A aposta em sectores intensivos em mão de obra como os acima indicados, agricultura e indústria transformadora, permitiria que o crescimento nesta nova fase gerasse empregos, para a juventude, bem como que os serviços e produtos feitos em Angola pudessem, através de um programa de melhoria contínua da qualidade, a nível interno aumentar o conteúdo local no sector petrolífero e nos projectos de obras públicas e por via da diplomacia económica, expandir-se para outros mercados.

Enfim, para que o novo Executivo possa fazer face aos desafios identificados, acreditamos que vai ser preciso adoptar um posicionamento mais pragmático e flexível. Duas qualidades que segundo as nossas pesquisas[5] estão na base do sucesso das economias emergentes.




[1] Wanda, F. (2017) “A Politica Cambial na Óptica do PR: O que ficou por ser dito? – Analise”, Novo Jornal (online) disponível online: http://www.novojornal.co.ao/artigo/77162/a-politica-cambial-na-optica-do-pr-o-que-ficou-por-ser-dito-analise?seccao=NJ_Eco
[2] Combinando a importação de produtos agrícolas e alimentares cf. Quadro 5 - Exportação e Importação por Grupo de Produtos, Anuário de Estatística de Comércio Externo-2016 do INE. 1 USD = 165.903 Kz, câmbio médio anual do BNA em 2016.  
[3] Com base nos dados do Conselho Nacional de Carregadores.
[4] Segundo Justin Lin, ex-Economista Chefe do Banco Mundial citado pela Bloomberg (22/07/2014).

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