quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Em Angola não falta apenas médicos, falta antes pragmatismo!*

Ao lermos nos últimos dias, em jornais publicados em Luanda, que Angola tinha um médico para cada 4.400 habitantes não ficamos surpresos de todo. A debilidade dos serviços de saúde, em Angola, é tao grave que quase todos governantes vão para o exterior para fins de tratamento médico. Por este facto ter um impacto muito grande na economia[1], ficamos sim desapontados que apenas nos foi apresentado o problema e nada de concreto se falou sobre a solução. Em Julho de 2001 quando estávamos na Universidade de Arizona, Tucson EUA, estadia enquadrada na bolsa de investigação pós-graduada Hubert H. Humphrey Fellowship[2], tomamos contacto com um problema semelhante que havia no Estado de Arizona cuja solução pode servir de inspiração para o Executivo angolano.

O problema: O governo do Estado de Arizona apercebeu-se que muitas comunidades rurais, particularmente aquelas ligadas aos nativos americanos (vulgarmente conhecidos como índios) não tinham acesso a bons cuidados de saúde por falta de médicos, como o que a grande maioria dos angolanos vive hoje[3]. A formação de médicos (nas mais diversas especialidades) a nível das universidades existentes em Arizona era muito onerosa para as famílias, pelo que, após conclusão do curso estes jovens médicos buscavam estágios profissionais e posterior colocação nos grandes centros urbanos, por exemplo, de Tucson e Phoenix.

A solução: Ao invés de ‘importar’ mão-de-obra de outros estados, o governo do estado de Arizona decidiu subsidiar os programas de formação em medicina nas universidades existentes naquele estado. Isto fez com que as famílias deixassem de gastar tanto com a formação dos seus educandos e permitiu que mais jovens optassem, na universidade, pela formação em medicina agora muito mais barata. Em contrapartida, todos os beneficiados/participantes neste esquema de formação tinham que dedicar 2-3 anos de trabalho nas zonas rurais após formação. Neste período de tempo as autoridades nessas zonas eram encorajadas a criarem incentivos para estes jovens fixarem residência. Então criavam facilidades de acesso a habitação e enfatizavam a qualidade de vida, para quem quisesse constituir família, do que seria criar filhos longe dos ‘perigos’ dos grandes centros urbanos.

Para o caso de Angola, o Executivo embarcou num ambicioso projecto de construção de centralidades por quase todo o país. Este investimento, já realizado, poderia servir de meio de atracção de jovens médicos. Hoje, Angola tem várias universidades, entre públicas e privadas, que oferecem formação em ciências médicas[4]. Acreditamos que um programa idêntico poderia ser gizado e que poderia ser muito mais sustentável do que a solução habitual do Executivo que traduz-se na contratação de mão-de-obra estrangeira.  

Em Arizona o governo exigiu que as instituições participantes no esquema apresentassem resultados em termos de qualidade dos formandos, departamentos equipados, bibliotecas com acervo bibliográfico actualizado e corpo docente e administrativo regularmente em processos de superação profissional. As instituições que não atingissem os objectivos definidos eram excluídas do programa com impacto directo na sua reputação. Afinal nenhuma família mandaria o seu educando para se formar em medicina numa instituição que fosse afastada deste programa ou que não fizesse parte do programa, isso porque levantava-se logo dúvidas sobre a qualidade da formação oferecida. Como se pode perceber aqui, era do interesse das próprias instituições fazerem parte e tornarem-se competitivas aplicando da melhor forma os apoios recebidos. Esta experiência de Arizona mostra que até numa economia predominantemente capitalista o governo pode intervir para assegurar a disponibilidade de um bem socialmente maior que é a saúde dos seus cidadãos.

Para o caso de Angola a atribuição de bolsas internas, a nível da universidade, apenas resolve uma pequena parte do problema, não resolvendo o problema da qualidade da formação. Apresentamos aqui uma solução que em Arizona garantiu, de forma sustentável, a disponibilidade de serviços de saúde para as populações em zonas rurais[5]. Em Angola os recursos para um programa semelhante poderiam advir de uma reavaliação de todos aqueles programas que continuam a ter dotação na proposta de OGE 2018, sem que tenham apresentado resultados credíveis na governação passada. Podemos indicar, a título de exemplo, a dotação que o Ministério da Juventude e Desportos (60 milhões de Kwanzas) e o da Acção Social, Família e Promoção da Mulher (540.250.000 Kwanzas) têm para ‘Apoio Financeiro As Associações De Utilidade Pública’ sem que saibamos quem são elas e o que fazem.

Acreditamos que este caso vem mais uma vez ilustrar o que chamamos no nosso texto anterior[6] de “frequente desarticulação sectorial” i.e. aqui abordamos uma possível articulação entre os sectores da Saúde, Ensino Superior, Habitação, o que revela que o maior problema do Executivo angolano talvez não seja a falta de recursos mas antes, diríamos nós aqui, a falta de pragmatismo!



*Texto publicado inicialmente no jornal Expansão 2 Fev. 2018.



[1] Afecta a produtividade dos trabalhadores. Na proposta OGE 2018 o Ministério da Saúde prevê gastar 2.199 milhões de Kwanzas com evacuações médicas.
[2] A Embaixada Americana em Angola oferece todos os anos a bolsa de investigação pós-graduada Hubert H. Fellowship.
[3] Em Angola existe a falta de técnicos a vários níveis e em alguns casos falta de infraestruturas e equipamentos.
[4] Para além de outras instituições que oferecem formação a nível médio e básico.
[5] Em Angola este problema verificasse em zonas urbanas e rurais.
[6] Wanda, F. (2018) ‘Desarticulação na reabilitação da industria têxtil’, Expansão 19 Janeiro.  

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