Ao lermos nos últimos dias, em jornais publicados em
Luanda, que Angola tinha um médico para cada 4.400 habitantes não ficamos
surpresos de todo. A debilidade dos serviços de saúde, em Angola, é tao grave que quase todos governantes
vão para o exterior para fins de tratamento médico. Por este facto ter um
impacto muito grande na economia[1], ficamos
sim desapontados que apenas nos foi apresentado o problema e nada de concreto
se falou sobre a solução. Em Julho de 2001 quando estávamos na Universidade de
Arizona, Tucson EUA, estadia enquadrada na bolsa de investigação pós-graduada Hubert H. Humphrey Fellowship[2], tomamos
contacto com um problema semelhante que havia no Estado de Arizona cuja solução
pode servir de inspiração para o Executivo angolano.
O
problema: O governo do Estado de Arizona apercebeu-se que muitas comunidades
rurais, particularmente aquelas ligadas aos nativos americanos (vulgarmente
conhecidos como índios) não tinham acesso a bons cuidados de saúde por falta de
médicos, como o que a grande maioria dos angolanos vive hoje[3]. A
formação de médicos (nas mais diversas especialidades) a nível das
universidades existentes em Arizona era muito onerosa para as famílias, pelo
que, após conclusão do curso estes jovens médicos buscavam estágios
profissionais e posterior colocação nos grandes centros urbanos, por exemplo,
de Tucson e Phoenix.
A
solução: Ao invés de ‘importar’ mão-de-obra de outros estados, o governo do estado
de Arizona decidiu subsidiar os programas de formação em medicina nas
universidades existentes naquele estado. Isto fez com que as famílias deixassem
de gastar tanto com a formação dos seus educandos e permitiu que mais jovens
optassem, na universidade, pela formação em medicina agora muito mais barata.
Em contrapartida, todos os
beneficiados/participantes neste esquema de formação tinham que dedicar 2-3 anos de trabalho nas zonas rurais
após formação. Neste período de tempo as autoridades nessas zonas eram
encorajadas a criarem incentivos para estes jovens fixarem residência. Então
criavam facilidades de acesso a habitação e enfatizavam a qualidade de vida,
para quem quisesse constituir família, do que seria criar filhos longe dos
‘perigos’ dos grandes centros urbanos.
Para o caso de Angola, o Executivo embarcou num ambicioso
projecto de construção de centralidades por quase todo o país. Este
investimento, já realizado, poderia servir de meio de atracção de jovens
médicos. Hoje, Angola tem várias universidades, entre públicas e privadas, que
oferecem formação em ciências médicas[4].
Acreditamos que um programa idêntico poderia ser gizado e que poderia ser muito
mais sustentável do que a solução habitual do Executivo que traduz-se na contratação
de mão-de-obra estrangeira.
Em Arizona o governo exigiu que as instituições participantes no esquema apresentassem resultados em
termos de qualidade dos formandos, departamentos equipados, bibliotecas com acervo bibliográfico
actualizado e corpo docente e administrativo regularmente em processos de superação profissional. As instituições
que não atingissem os objectivos definidos eram excluídas do programa com impacto directo na sua reputação. Afinal nenhuma família
mandaria o seu educando para se formar em medicina numa instituição que fosse
afastada deste programa ou que não
fizesse parte do programa, isso porque levantava-se logo dúvidas sobre a
qualidade da formação oferecida. Como se pode perceber aqui, era do interesse das próprias instituições
fazerem parte e tornarem-se competitivas aplicando da melhor forma os apoios recebidos.
Esta experiência de Arizona mostra que até numa economia predominantemente capitalista o governo pode intervir
para assegurar a disponibilidade de um bem socialmente maior que é a saúde dos
seus cidadãos.
Para o caso de Angola a atribuição de bolsas internas, a
nível da universidade, apenas resolve uma pequena parte do problema, não
resolvendo o problema da qualidade da formação. Apresentamos aqui uma solução
que em Arizona garantiu, de forma sustentável, a disponibilidade de serviços de
saúde para as populações em zonas rurais[5]. Em
Angola os recursos para um programa semelhante poderiam advir de uma reavaliação de todos aqueles programas
que continuam a ter dotação na proposta de OGE 2018, sem que tenham apresentado
resultados credíveis na governação
passada. Podemos indicar, a título de exemplo, a dotação que o Ministério da
Juventude e Desportos (60 milhões de Kwanzas) e o da Acção Social, Família e
Promoção da Mulher (540.250.000 Kwanzas) têm para ‘Apoio Financeiro As Associações De Utilidade Pública’ sem que
saibamos quem são elas e o que fazem.
Acreditamos que este caso vem mais uma vez ilustrar o que
chamamos no nosso texto anterior[6] de
“frequente desarticulação sectorial” i.e. aqui abordamos uma possível articulação
entre os sectores da Saúde, Ensino Superior, Habitação, o que revela que o
maior problema do Executivo angolano talvez não seja a falta de recursos mas antes,
diríamos nós aqui, a falta de pragmatismo!
*Texto publicado inicialmente no jornal Expansão 2 Fev. 2018.
[1] Afecta a produtividade dos trabalhadores. Na proposta OGE
2018 o Ministério da Saúde prevê gastar 2.199 milhões de Kwanzas com evacuações
médicas.
[2] A Embaixada Americana em Angola oferece todos os anos a
bolsa de investigação pós-graduada Hubert
H. Fellowship.
[3] Em Angola existe a falta de técnicos a vários níveis e em
alguns casos falta de infraestruturas e equipamentos.
[6]
Wanda, F. (2018)
‘Desarticulação na reabilitação da industria têxtil’, Expansão 19 Janeiro.
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