Na edição 457 do Expansão de 26 de Janeiro
ficamos a saber que a “Sonangol tinha na gaveta 350 contractos
de 5 mil milhões USD”, por acharmos tratar-se de uma situação anormal
especialmente num momento de crise e porque notamos que faltava no artigo um
esclarecimento sobre a razão desta situação, encetamos uma
breve pesquisa traduzida numa consulta da informação secundária disponível, cruzando com
informação recolhida através de um aturado trabalho de campo.
Deste exercício apuramos o
seguinte: a razão de fundo no surgimento de atrasos no processo de aprovação de projectos (na
linguagem do sector i.e. contractos), deveu-se a uma mudança interna efectuada
pela Direcção da Sonangol em 2014, que ditou a “marginalização das áreas técnicas i.e., Direcção de Exploração e Direcção de Produção”, assumindo a Direcção de Economia e
Concessões (DEC), a primazia e competências de tratar das questões de concessionária. Esta transição, em nosso
entender, terá pecado por não perceber que a
Sonangol é essencialmente uma
empresa de engenharia e não uma instituição financeira.
Existem dois termos
que ajudam a compreender as dinâmicas no sector petrolífero i.e., cost
oil (custos recuperáveis) e profit oil (receitas do petróleo). O cost oil
é
o custo que as operadoras
incorrem ao longo do processo, até a entrada em produção de um bloco
petrolífero. No Contrato de Partilha da Produção, estes custos são RECUPERÁVEIS. Por outras
palavras, todos os gastos que as operadoras incorrem para produzirem os barris
de petróleos, são reembolsados quando os blocos começam a produzir. Este
custo é dedutível do profit
oil (do ganho resultante da venda dos barris de petróleo). Sendo o cost
oil recuperável, dizem os especialistas, que é
tarefa principal da
concessionária, controlar tais custos por formas a assegurar um maior profit
oil para Angola. Ora bem, a mudança operada na Sonangol, colocou especialistas
das áreas de contabilidade, negociações, direito e ciências económicas a dialogar
com experimentados geólogos e geofísicos das
operadoras. A mudança que se operou no Conselho de Administração da Sonangol em
2016, terá sido a gota de água, uma vez que a
falta de experiência no sector e o contexto anteriormente descrito, terão contribuído para que os
projectos fossem ‘engavetados’, como assinalou o Expansão, até
que se
compreendesse a razão de ser de tais custos associados ao cost
oil. Como era de esperar, as operadoras olhando para o quadro fragilizado
na Sonangol, pressionaram o Executivo para que resolvesse este imbróglio a favor, como
veio a acontecer.
Olhando hoje para o
que nos foi apresentado como resposta a esta situação, através do Decreto
Presidencial nº 86/18 de 6 de
Abril, podemos inferir que o remédio poderá
ser pior que a doença, essencialmente,
por erro de diagnóstico. O ‘engavetar’
de projectos, não foi devido, por
exemplo, ao volume de trabalho causado pela necessidade dos operadores terem
que solicitar uma aprovação, quando o valor era superior a 250 mil
USD à concessionária. Da nossa análise, deduzimos que
o ‘engavetar’ dos projectos,
deveu-se (1) a inexperiência no sector por parte de quem liderava
a empresa na altura, e (2) a falta de comunicação interna entre as áreas técnicas (exploração e produção) e os
especialistas nas áreas de contabilidade, direito e ciências económicas da DEC na
Sonangol. Aliás, como assinalamos num outro texto[1], o Executivo
angolano e suas instituições apresentam um défice na comunicação com a sociedade.
O Decreto
Presidencial nº 86/18 de 6 de
Abril, trás consigo sérias implicações que em nosso
entender não terão sido devidamente acauteladas. Por exemplo, este decreto faz com que
a concessionária perca o controlo dos custos recuperáveis, pondo em
risco o profit oil para Angola. Vamos ilustrar: Para um projecto de
20.000.000 USD, o Operador pode dividir 20.000.000USD/ 20 (Projectos/ano) = USD
1.000.000 (autorizados sem a aprovação da concessionária). Se
considerarmos um total de 20 Blocos teremos: 20.000.000 USD x 20 Blocos =
400.000.000 USD/ano, custos sem o controlo do Executivo angolano através da concessionária, configurando
um acto potencialmente lesivo a economia do país. Por outras
palavras, sendo cost oil, estes 400.000.000 USD/ano, são recuperados na
produção, reduzindo o profit oil e o país perde.
Outro impacto,
prende-se com a incorporação do conteúdo local (não apenas das
empresas angolanas no sector, como também de mão de obra
nacional). Se por um lado reclamava-se que as Operadoras eram obrigadas a
contratar localmente serviços a peso de ouro e se questionava o
modelo de incorporação das empresas angolanas no sector,
analisando este Decreto Presidencial, notamos que ele permite a criação de um mercado de
bens e serviços fora do país, com custos recuperáveis na produção de Angola de
cerca de 2 Mil Milhões de Dólares/ano.
Vamos ilustrar:
Projecto de 100.000.000 USD, o Operador pode dividir em 20 projectos =>
obtendo um valor de USD 5.000.000 USD cada, que pode adjudicar sem autorização da concessionária. Se este exercício for feito em 20
blocos teremos: 100.000.000 USD x 20 Blocos = 2 Mil Milhões USD. Isso
significa que as Operadoras podem agora exportar bens e serviços no valor anual
de 2 Mil Milhões USD e depois recuperam estes mesmos custos na produção.
Enfim, esta breve
reflexão, indica-nos que este primeiro ano do novo Executivo, tem sido
marcado por uma liberalização ‘à grosso’, podendo vir a
revelar-se nefasta caso não se acautelem situações como a que
acabamos de analisar acima. Pelas razões discutidas neste texto, acreditamos
que o Decreto Presidencial nº 86/18 inserto no
DR. Nr. 43/18 de 2 de Abril de 2018, talvez venha a marcar dramáticamente o
primeiro mandato da Presidência de João Lourenço, a julgar pelo
buraco que abre na guarda do principal activo económico e financeiro
de que o país dispõe.
*Publicado inicialmente como: Wanda, F. (2018)
‘Quando o remédio é pior que a doença’ Expansão, Edição 488, 31 Ag. http://www.expansao.co.ao/artigo/101218/quando-o-remedio-e-pior-que-a-doenca?seccao=7
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