quarta-feira, 7 de março de 2018

Não importa a cor do gato, o que importa é se ele sabe caçar ratos!*


Do actual debate sobre a estratégia de saída da crise, fica-se com a impressão de que o Executivo angolano pretende levar acabo reformas sem reformistas. A confusão é tal que alguns experts pedem a vinda do FMI (e das suas medidas neoliberais). Outros dizem que o problema está na ausência de ‘adeptos’ da escola neoclássica na actual equipa económica. Pois bem, hoje vamos ilustrar que mais do que ancorar as suas políticas de desenvolvimento numa ideologia específica, o Executivo ganharia mais se elas fossem simplesmente pragmáticas i.e. capazes de produzirem os resultados desejados. 

A economia neoclássica é um método e não uma ideologia. Trata-se de uma visão de como os mercados funcionam, baseando-se num estudo sobre como o conceito da ‘mão invisível’ de Adam Smith gera uma alocação eficiente de recursos. Dependendo dos pressupostos de como um mercado livre, desregulado pode gerar um resultado socialmente benefício, os modelos neoclássicos podem justificar o planeamento centralizado (Oskar Lange[1]), intervenção do estado para gerir as políticas macroeconómicas, especialmente aquelas ligadas a demanda agregada (Keynes) ou políticas voltadas a liberalização dos mercados (Milton Friedman). Para o caso de Angola, parece ser consensual que o país não precisa de planeamento centralizado. Todavia, mantem-se a controvérsia sobre a eficácia (ou não) de uma política económica mais intervencionista. Isto faz com que políticos e experts adoptem uma mentalidade de grupo i.e. “expressão unânime da vontade do grupo à qual o indivíduo contribui por maneiras das quais ele não se dá conta, influenciando-o, desagradavelmente sempre que ele pensa ou se comporta de um modo que varie de acordo com os pressupostos básicos”[2].

Esta mentalidade de grupo tornasse mais exacerbada na ausência de uma clara distinção entre cargos políticos e cargos técnicos. Por exemplo, o cargo de Ministro é normalmente um cargo político i.e. dificilmente um partido que vence uma eleição convidaria um não partidário, que talvez não se revisse no seu programa de governo, a ocupar esta posição. Todavia, um cargo de Secretário de Estado e/ou de Director Nacional deveria ser, como acontece em outros países, um cargo técnico em que o acesso é por mérito. Infelizmente nos países em desenvolvimento predomina a ideia de que o vencedor (de um processo eleitoral) deve ficar com tudo mesmo que, na sua ‘côr’ partidária, não tenha os melhores técnicos para determinadas posições.

Num contexto de desenvolvimento na presença de países já desenvolvidos, a história do desenvolvimento económico de países como os EUA, Coreia do Sul, Taiwan, Singapura, até mesmo o curto processo de industrialização de Angola no período colonial, nos mostra que contrariamente ao que nos sugerem hoje, alguns experts e políticos, o Estado não foi um mero “regulador e incentivador” [3], teve sim um papel preponderante. Isto porque o papel do Estado numa economia já desenvolvida difere do papel do Estado num contexto onde se está a criar uma economia capitalista virada ao mercado, que caracteriza Angola e outros países em África. É preciso termos em conta que a mentalidade de grupo, em Angola, tem manchado a qualidade das intervenções do Estado.

Como resultado, o Executivo denota graves problemas que traduzem-se, por exemplo, (1) na elaboração de planos irrealistas (feito por pessoas que não têm depois que lidar com as consequências i.e. consultores externos), (2) incapacidade de disciplinar aqueles “grupos económicos angolanos conscientes e fortes”[4], que seriam a “garantia da nossa independência”4 e (3) falta de disciplina i.e. ausência de uma componente de condicionalidade com cláusulas explícitas de penalização para os governantes e gestores públicos, em caso de incumprimento das metas definidas. Só assim compreendesse, por exemplo, ausência de um balanço do PND 2012-2017; que o controlo da banca por angolanos não traduz-se na participação directa destes em projectos no sector primário e secundário da economia; que algumas empresas públicas falharam a meta de terem “as contas homologadas sem reservas” em 2017 definida pelo PCA do ISEP, ver Expansão 21 de Julho 2015. 

Este último facto parece justificar a medida neoliberal do Executivo, via Plano Intercalar, que prevê o redimensionamento e possível privatização do património empresarial público. Apresentado desta forma ficasse com a impressão, incorrecta, de que a existência de um sector empresarial público é nocivo a economia. Todavia, como explicar que em Singapura, país que ocupa o 3º lugar no Índice de Competitividade Global 2017 – 2018, 90% das terras do país são propriedade do Estado; 85% das casas são propriedade do Estado; e 22% do PIB é produzido por empresas públicas[5]! Taiwan apostou nas pequenas e médias empresas e deu certo. A Coreia do Sul apostou nos grandes conglomerados, chamados Chaebols, e … também deu certo.

Estes exemplos mostram que não existe uma única ‘receita’ para se alcançar, de forma sustentável, altos índices de desenvolvimento i.e. liberalização do mercado versus activismo do Estado; pequenas e médias empresas versus conglomerados. Existem estudos que mostram que na Coreia do Sul apesar da corrupção e outros males no início, houve incentivos (i.e. oportunidade para o enriquecimento) e disciplina (i.e. cobrança de resultados e penalizações) por parte da liderança do país. À luz dos últimos acontecimentos, acreditamos que em Angola poderá ter havido muito incentivo e pouca disciplina i.e. na linguagem popular ‘muito pão e pouco pau!”  Pelo que, o Executivo em Angola mais do que abraçar uma ideologia, pensamos nós, precisa de adoptar um modelo próprio capaz de gerar incentivos e disciplina. Afinal, como argumentava o arquitecto do ‘milagre’ chinês Deng Xiaoping ‘não importa se o gato é preto ou branco, desde que cace os ratos. Isto sim é pragmatismo no seu melhor!   

*Uma versão anterior foi publicada pelo jornal Expansão: http://www.expansao.co.ao/artigo/91874/nao-importa-a-cor-do-gato-o-que-importa-e-se-ele-sabe-cacar-ratos-?seccao=5

[1] Lange, O. ‘On the Economic Theory of Socialism: Part One’. The Review of Economic Studies, Vol. 4, No. 1 (Oct., 1936), pp. 53-71.
[2] Bion, W. R. Experiências com Grupos. São Paulo: Imago Ed., 1975, pág. 57.
[3] Wanda, F. (2017) 'Solução da crise económica angolana? Disciplina, disciplina, disciplina!- Convidado', Expansão, Edição 421, 12 Maio.
[4] Mensagem à Nação do Pres. José Eduardo Dos Santos, por ocasião do 40º Aniversário da Independência Nacional, 11 Nov. 2015.
[5] Economista Ha-Joo Chang  numa entrevista no jornal El País, Jan. 2018.


Sem comentários:

Enviar um comentário