Do actual debate sobre a estratégia de
saída da crise, fica-se com a impressão de que o Executivo angolano pretende
levar acabo reformas sem reformistas. A confusão é tal que alguns experts pedem a vinda do FMI (e das suas
medidas neoliberais). Outros dizem que o problema está na ausência de ‘adeptos’ da escola neoclássica na actual equipa
económica. Pois bem, hoje vamos ilustrar que mais do que ancorar as suas políticas
de desenvolvimento numa ideologia específica, o Executivo ganharia mais se elas
fossem simplesmente pragmáticas i.e.
capazes de produzirem os resultados desejados.
A economia
neoclássica é um método e não uma ideologia. Trata-se de uma visão de como
os mercados funcionam, baseando-se num estudo sobre como o conceito da ‘mão
invisível’ de Adam Smith gera uma alocação eficiente de recursos. Dependendo
dos pressupostos de como um mercado
livre, desregulado pode gerar um resultado socialmente benefício, os modelos
neoclássicos podem justificar o planeamento centralizado (Oskar Lange[1]),
intervenção do estado para gerir as políticas macroeconómicas, especialmente
aquelas ligadas a demanda agregada (Keynes) ou políticas voltadas a
liberalização dos mercados (Milton Friedman). Para o caso de Angola, parece ser
consensual que o país não precisa de planeamento centralizado. Todavia,
mantem-se a controvérsia sobre a eficácia (ou não) de uma política económica
mais intervencionista. Isto faz com que políticos
e experts adoptem uma mentalidade de grupo i.e. “expressão unânime
da vontade do grupo à qual o indivíduo contribui por maneiras das quais ele não
se dá conta, influenciando-o, desagradavelmente sempre que ele pensa ou se
comporta de um modo que varie de acordo com os pressupostos básicos”[2].
Esta mentalidade
de grupo tornasse mais exacerbada na ausência de uma clara distinção entre
cargos políticos e cargos técnicos. Por exemplo, o cargo de Ministro é normalmente
um cargo político i.e. dificilmente um
partido que vence uma eleição convidaria um não partidário, que talvez não se
revisse no seu programa de governo, a ocupar esta posição. Todavia, um cargo de
Secretário de Estado e/ou de Director Nacional deveria ser, como acontece em
outros países, um cargo técnico em que o acesso é por mérito. Infelizmente nos países em desenvolvimento predomina a
ideia de que o vencedor (de um processo eleitoral) deve ficar com tudo mesmo
que, na sua ‘côr’ partidária, não tenha os melhores técnicos para determinadas
posições.
Num contexto de desenvolvimento na presença de países já
desenvolvidos, a história do desenvolvimento económico de países como os
EUA, Coreia do Sul, Taiwan, Singapura, até mesmo o curto processo de
industrialização de Angola no período colonial, nos mostra que contrariamente
ao que nos sugerem hoje, alguns experts
e políticos, o Estado não foi um mero
“regulador e incentivador” [3],
teve sim um papel preponderante. Isto porque o papel do Estado numa economia já desenvolvida difere do papel do Estado num contexto onde se está a criar uma economia capitalista virada
ao mercado, que caracteriza Angola e outros países em África. É preciso termos
em conta que a mentalidade de grupo,
em Angola, tem manchado a qualidade das intervenções do Estado.
Como resultado, o Executivo denota graves problemas que traduzem-se, por
exemplo, (1) na elaboração de planos
irrealistas (feito por pessoas que não têm depois que lidar com as
consequências i.e. consultores externos), (2) incapacidade de disciplinar aqueles “grupos económicos
angolanos conscientes e fortes”[4], que seriam a “garantia da nossa
independência”4 e (3) falta de disciplina i.e. ausência de uma
componente de condicionalidade com cláusulas explícitas de penalização para os governantes
e gestores públicos, em caso de incumprimento das metas definidas. Só assim
compreendesse, por exemplo, ausência
de um balanço do PND 2012-2017; que o controlo
da banca por angolanos não traduz-se
na participação directa destes em
projectos no sector primário e secundário da economia; que algumas empresas
públicas falharam a meta de terem “as contas homologadas sem reservas” em 2017
definida pelo PCA do ISEP, ver Expansão
21 de Julho 2015.
Este último facto parece justificar a medida
neoliberal do Executivo, via Plano Intercalar, que prevê o redimensionamento e
possível privatização do património empresarial público. Apresentado desta forma
ficasse com a impressão, incorrecta, de que a existência de um sector
empresarial público é nocivo a economia. Todavia, como explicar que em Singapura, país que ocupa o 3º lugar no Índice
de Competitividade Global 2017 – 2018, 90% das terras do país são propriedade do
Estado; 85% das casas são propriedade do Estado; e 22% do PIB é produzido por
empresas públicas[5]!
Taiwan apostou nas pequenas e médias
empresas e deu certo. A Coreia do Sul apostou nos grandes conglomerados, chamados Chaebols,
e … também deu certo.
Estes exemplos mostram que não existe uma única ‘receita’ para se
alcançar, de forma sustentável, altos índices de desenvolvimento i.e.
liberalização do mercado versus activismo do Estado; pequenas e médias empresas
versus conglomerados. Existem estudos que mostram que na Coreia do Sul apesar
da corrupção e outros males no início, houve incentivos (i.e. oportunidade para o enriquecimento) e disciplina (i.e. cobrança de resultados
e penalizações) por parte da liderança do país. À luz dos últimos acontecimentos,
acreditamos que em Angola poderá ter havido muito incentivo e pouca disciplina
i.e. na linguagem popular ‘muito pão e pouco pau!” Pelo que, o Executivo em Angola mais do que
abraçar uma ideologia, pensamos nós, precisa de adoptar um modelo próprio capaz de gerar incentivos
e disciplina. Afinal, como argumentava
o arquitecto do ‘milagre’ chinês Deng Xiaoping ‘não importa se o gato é preto ou branco, desde que cace os ratos’. Isto sim é pragmatismo no seu melhor!
*Uma versão anterior foi publicada pelo jornal Expansão: http://www.expansao.co.ao/artigo/91874/nao-importa-a-cor-do-gato-o-que-importa-e-se-ele-sabe-cacar-ratos-?seccao=5
[1] Lange, O. ‘On
the Economic Theory of Socialism: Part One’. The Review of Economic Studies, Vol. 4,
No. 1 (Oct., 1936), pp. 53-71.
[2] Bion, W. R. Experiências
com Grupos. São Paulo: Imago Ed., 1975, pág. 57.
[3] Wanda, F. (2017) 'Solução da crise económica angolana?
Disciplina, disciplina, disciplina!-
Convidado', Expansão, Edição 421, 12 Maio.
[4]
Mensagem à Nação do Pres. José
Eduardo Dos Santos, por ocasião do 40º Aniversário da Independência Nacional,
11 Nov. 2015.
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