A
gestão moderna aconselha as organizações a adopção de uma gestão por objectivo
a todos os níveis. Os objectivos, neste contexto, devem ser específicos, mensuráveis, atingíveis, realista/virados ao resultado, com tempo de execução definido.
Apresentado desta forma, os objectivos servem de incentivo na busca incessante
do melhoramento contínuo do produto ou serviço prestado. Contudo, no sector
público em Angola existe um outro tipo de cultura visível e bem enraizado, i.e.
a gestão por consultoria.
Da
actual polémica entorno da SONANGOL chamou-nos a atenção os gastos com
consultoria externa incorridos pelas sucessivas administrações, tendo no
período de 2014 à 2017 totalizado 539.2 milhões de dólares americanos. Ficamos
especialmente impressionados com o facto destes gastos terem tido lugar numa
empresa que tem, a muitos anos, um programa de bolsas de estudo, através do
qual formaram-se muitos quadros em várias áreas do saber. Como justificar esta
duplicação de esforço, especialmente em tempo de crise?
Um
outro exemplo de gastos com consultoria é-nos dado pelo Programa de Apoio à
Produção Diversificação de Exportações e Substituição de Importações (PRODESI)
apresentado como a luz no fundo do túnel da diversificação económica em Angola.
Na página 46 do documento indicasse que cada Ministério deverá disponibilizar
pessoal para ‘liderarem na execução dos programas das fileiras’ e se prevê que
a nível da Unidade Técnica, apesar dos recursos do Ministério da Economia e
Planeamento, sejam contratados consultores para apoiarem a sua coordenação. Lesse também no documento
que a nível da execução se faça
recurso a consultores. Então, a quem deveremos
atribuir o mérito do PRODESI[1]?
Nos
nossos trabalhos de campo em Angola temos constatado que muitos dos técnicos colocados
nos vários ministérios sabem o que deve ser feito. Contudo lamentam, quase
sempre, a falta de visão e oportunidade por parte da chefia. Estes quadros
reclamam pelo constante recurso a consultoria externa (incluindo a
estrangeira), que muitas vezes apenas vem repetir aquilo que os especialistas
internos já haviam assinalado. Estamos conscientes, que poderá haver sempre a
necessidade de se contratar especialistas mais experientes para projectos
específicos e mais exigentes. Mas o que se verifica no sector público em Angola é um recurso quase que patológico, dado ao
exagero, que não permite a criação de capacidades a nível das instituições
nacionais. Neste ponto salta a vista a notícia sobre a SONANGOL, pelo que, não
ficamos surpresos quando lemos a constatação do antigo PCA da SONANGOL “Deixamos
de aprender a ‘saber fazer’ e aprendemos a ‘contratar/subcontratar’”.
A
quando da polémica sobre o suposto interesse do Executivo angolano em contratar
4.000 professores de Cabo Verde, ouvimos vozes contra mas também ouvimos
aqueles que defendiam que era necessário reconhecer a falta de qualidade do
ensino em Angola. Independentemente das motivações vale, ainda assim, perguntar:
Não faria mais sentido o Executivo contratar 10, 20 até mesmo 100 formadores
experientes para darem formação e ajudarem a melhorar a qualidade do ensino ao
invés de contratar 4.000 professores para fazerem o trabalho completo? Qual das
opções seria mais sustentável?
Analisando
o Resumo Geral da Despesa Orçamentada por
Natureza Económica do OGE verificasse que entre 2013 e 2017 foi orçamentado,
para Serviços de Estudo, Auditoria e Consultoria, em média 90.788 milhões de Kz
(414 milhões de USD[2]) ano e foram gastos, entre 2013 e
2015 (até onde existem dados disponíveis), 100.950 milhões de Kz (460 milhões
de USD2). Apesar do actual Chefe do Executivo, João Lourenço,
ter dito no seu último discurso sobre o Estado da Nação que estava apostado em
“investir na qualificação e dignificação dos funcionários públicos, através de
um investimento sério na sua capacitação e motivação profissional” existem 74.542.440.814
Kz (340 milhões de USD2) orçamentados
no OGE 2018. Como se pode ver o fetiche
da consultoria é muito mais preocupante do que parece.
Mas o
impacto poderia ser maximizado se parte deste valor fosse disponibilizado, por
exemplo, em forma de fundos para a investigação aplicada a nível das
universidades em Angola. Desta forma estas instituições teriam a oportunidade de
desenvolverem investigação visando dar
respostas a questões pertinentes, assegurando um efeito multiplicativo na
economia. Mesmo que estas instituições requisitassem especialistas estrangeiros
para alguns dos projectos haveria sempre uma componente de transmissão de
conhecimento/formação de capacidades internas. Havendo necessidade de executar
o mesmo trabalho uma segunda vez poder-se-ia prescindir desse gasto ou ao menos
reduzir.
Nas
nossas pesquisas[3]sobre
a história do desenvolvimento económico de países como a Singapura, Coreia do
Sul identificamos que houve uma preocupação com a formação de quadros mas muito
mais ainda com a necessidade de se dar a esses quadros oportunidades de
aplicarem no país os seus conhecimentos. Estes países foram capazes de
ultrapassar a ‘mentalidade de grupo’[4] introduzindo um sistema de
recrutamento, para as principais instituições públicas, com base na
meritocracia. Desta forma foram recrutados para o Economic Development Board
na Singapura e o Economic Planning Board na Coreia do Sul, os melhores e mais experientes quadros existentes nestes
países e nas suas diásporas. A lição que se tira destes exemplos é que não se
promove a transformação estrutural de um país com base na consultoria externa.
Claro que terá havido recurso a consultores estrangeiros, mas não nos níveis
que verificamos em Angola.
Num outro
texto4 indicamos que o Executivo precisava ser pragmático na
busca de soluções, sem perder de vista a sustentabilidade das mesmas. O recurso
exagerado a consultoria inibe a criação de capacidades internas, pelo que, ao
actual Executivo vale perguntar: Quando as instituições de um país deixam de
‘saber fazer’ o que delas se espera, a quem devemos atribuir a
responsabilidade?
*Texto inicialmente publicado no jornal Expansão 16 Março.
[1]Lendo a secção V ‘Recursos e Orçamentação do Programa’ deduz-se
que este programa será executado essencialmente por consultores.
[2] @ USD 1=219 Kz câmbio
na banca comercial actualizado 13 Março, fonte: http://www.kinguilahoje.com/#services
[3]Wanda, F. (2016) ‘Africa
Quest for Economic Diversification: Opportunities for Singapore Businesses in
Angola’. Report FEC-UAN, Luanda.
[4]Wanda, F. (2018) ‘Não importa a
cor do gato, o que importa é se ele sabe caçar ratos!
Expansão, Edição 460, 16 Fevereiro.
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