domingo, 21 de fevereiro de 2016

Modelo de gestão da nova linha de crédito da China: Mais uma evidência da resiliência do Executivo?

Ao lermos num dos diários da nossa capital os anúncios de concursos públicos por previa qualificação referentes a projectos que serão financiados pela nova linha de crédito da China (LCC) ficamos impressionados pelas novas exigências que o Executivo através da Unidade Técnica de Negociação faz as empresas pré-qualificadas e que passamos a citar (1) necessidade de subcontratar empresas angolanas ‘para incorporação de conteúdo local no montante não inferior a 20%’, (2) ter a sua situação tributária bem como as (3) contribuições a segurança social regularizadas.  

A ideia de que o Executivo Angolano passou a tomar uma atitude mais acertada no relacionamento com a China não é nova (ver publicações de Lucy Corkin[1]) contudo, apesar dos pontos 2 e 3 acima apresentados serem de fácil comprovação ainda assim não se consegue saber de concreto o que se quer dizer por ‘incorporação de conteúdo local’. Afinal ela pode ser feita de várias formas: desde a contratação de mão-de-obra local até a aquisição de materiais de construção produzidos localmente.

Para se tirar o maior proveito e gerar efeitos multiplicativos desta LCC pensamos que o Executivo deveria dirigir esse processo priorizando a necessidade da aquisição de materiais de construção localmente produzidos, o que poderia ajudar a alavancar o sub-sector da indústria de produção de materiais de construção. Esse esforço poderia fazer com que no final das obras Angola tivesse uma indústria de produção de materiais de construção forte e com alguma capacidade produtiva de exportação para os países da região[2] e não só.

Priorizar a aquisição de materiais de construção localmente produzidos poderia também garantir o aumento da oferta de emprego para os jovens (muitos deles que hoje exigem um pouco mais do Executivo) bem como forçar as indústrias locais a investirem na expansão da sua capacidade produtiva (através da aquisição de novas máquinas e/ou a adopção de novas tecnologias de produção) afinal teriam demanda imediata para os seus produtos.

Dependendo da duração dos vários projectos o Executivos poderia canalizar recursos através, por exemplo, do programa Angola Investe[3]ou do BDA, para fomentar o surgimento de um outro sub-sector relacionado com a produção de matérias-primas para a indústria de produção de materiais de construção.

Apresentado desta forma fica claro que a incorporação de conteúdo local para esta LCC não pode ficar ao critério dos empreiteiros a seleccionar, sob pena de o Executivo repetir o erro cometido a quando das primeiras linhas de créditos que resultaram na construção das centralidades que tanto orgulham o Executivo mas que pouco efeito multiplicativo gerou. O Executivo Angolano tem com esta nova LCC a oportunidade de mostrar que aprendeu com os erros do passado e fazer com que em 2017 continue a ser (talvez) a opção certa!



[1] Corkin, Lucy (2011) “Strategic Partnership or Marriage of Convenience?” ANGOLA BRIEF January 2011 Volume 1 NO.1. http://www.cmi.no/publications/publication/?3938=china-and-angola-strategic-partnership-or-marriage [Last accessed 8 April 2013]; Corkin, L. (2012) “Angolan political elites’ management of Chinese credit lines” in Power, M. and Alves, A. C. (eds.) China and Angola: A Marriage of Convenience? Oxford: Pambazuka.
[2] Temos conhecimento que algum material de construção produzido localmente (no caso o cimento) tem sido já exportado para a Rep. Democrática do Congo por canais impróprios.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Por uma Política Industrial Selectiva (2): Exportação ou substituição da importação em tempo de crise

É dado assente que o nosso governo está atrasado no que toca ao processo de diversificação da nossa economia. Vale contudo reconhecer que apesar disso alguma coisa foi sendo feita ao longo dos últimos 13 anos, uma vez que só assim se pode justificar o crescimento, por exemplo, da indústria de bebidas, indústria de cimento, tintas apenas para mencionarmos os casos mais relevantes.

Neste blog temos estado a apresentar as várias razões para Angola, a exemplo do que fizeram países como a África do Sul e Etiópia, elaborar uma política industrial selectiva onde ficaria claro a possível localização geográfica de cada indústria, os apoios a dar bem como as metas de desempenho esperadas (número de empregos a gerar, volume de produção e receitas) e penalizações.

Em conversas com alguns colegas temos ouvido opiniões que sugerem que o país não deveria focalizar-se nas exportações sem antes satisfazer o mercado interno. Apesar de interessante essa opinião peca pelo seguinte: em período de crise as fontes de moeda externa são reduzidas. Como se sabe Angola, em termos de exportações, dependente essencialmente do petróleo e neste momento o mesmo não garante todas as nossas necessidades de moeda externa para aquisição de bens e serviços não produzidos localmente.

Pensar que os países precisam primeiro de satisfazerem a demanda interna para depois aventurarem-se nos mercados externos, processo que ocorreria por etapas (ou estágios seguindo a proposta de Walt Rostow[1]) apesar de apelativa, num mundo globalizado onde os país competem entre si por acesso a mercados, seria para Angola um desastre!

A história do desenvolvimento económico dos países da américa-latina quando comparada com a dos países asiáticos nos mostra que o erro dos latino-americanos foi de não terem mudado para uma industrialização virada a exportação quando o processo de industrialização para a substituição das importações começou a dar sinais de exaustão. Por que razão isso aconteceu?

Isso aconteceu devido a problemas na balança de pagamentos, uma vez que todo o processo de industrialização requer a aquisição de tecnologia e isso precisa ser financiado. Assim sendo, pensamos que não identificar e apostar em sectores (e produtos) capazes de gerarem demanda nos mercados externos a partida é receita perfeita para Angola replicar a experiência latino-americana.

Países ricos em recursos naturais como Angola tiveram a vantagem de focalizar-se apenas no processo de industrialização para a substituição das importações, quando os preços das matérias-primas (no caso de Angola o petróleo) estavam em alta nos mercados externos e não havia problemas na balança de pagamentos. Em tempo de crise essa vantagem desaparece, há pouca disponibilidade de moeda externa (neste momento isso é uma realidade em Angola) e como tal existe a real necessidade de se identificar e apostar em sectores (produtos e produtores) capazes de gerarem um efeito multiplicativo dos poucos recursos que lhes sejam disponibilizados (gerando empregos, volumes e receitas). Esse facto obriga necessariamente a exportação de um outro produto que tenha condições de ser comercializado nos mercados externos mesmo que internamente a demanda não esteja ainda satisfeita.

 



[1] Ver a obra The Stages of Economic Growth: A Non-Communist Manifesto

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Porquê é que nos EUA não existe uma fábrica de automóvel em cada um dos estados?

Essa foi a pergunta que um antigo professor fez-me quando mostrei-lhe uma brochura da Rede Nacional de Pólos Industriais, como uma evidência de que em Angola o estado parece já estar apostado (agora com a crise, mais do que nunca) na industrialização do país e consequentemente na diversificação da economia capaz de reduzir a sua dependência nas receitas provenientes da venda do petróleo.

Pois bem neste post vamos tratar de reflectir sobre essa mesma pergunta tendo como pano de fundo o projecto governamental de construção de cerca de 22 pólos industriais, por vermos que continuamos a cometer o erro de não ver e aprender com o que de melhor fizeram e fazem os outros países.

Ao concentrar a indústria automóvel americana em Detroit foi possível a América (e aos americanos) criar sinergias entre elas, partilhar experiências e reduzir os custos de produção neste sector. O mesmo aconteceu com o chamado Silicon Valley no estado da Califórnia onde está concentrado o sector das tecnologias de informações ou Wall Street em Nova Iorque onde está concentrado o sector financeiro.   

Para o caso de Angola se a rede de pólos industriais visa proporcionar condições em termos de infra-estruturas básicas (ex: água e luz) para que as industrias (apesar de não sabermos quais[1]) possam produzir a um custo competitivo, permitindo-lhes pensar na expansão para mercados exteriores, vale perguntar se a localização geográfica de cada um desses investimentos vai de facto permitir atingir esse objectivo (diversificar a produção e fontes de receitas).

Os factos indicam que nos dois primeiros pólos do país, Viana e Catumbela, contrariamente ao que se esperava temos pouca actividade industrial. Para o caso de Viana apenas existem 150 indústrias de manufactura num universo de 500 empresas, significa dizer que 70% do espaço criado (e infra-estruturado) não está a ser usado para criar a dinâmica necessária para a transformação estrutural da nossa economia (ver por exemplo o post de 1 de Março 2015). Ao invés poderá estar a ser usado para o armazenamento (e respectiva comercialização) de produto importado.

Então voltamos ao que já havíamos dito no post de 2 de Janeiro de 2016, quando identificamos a necessidade de haver um certo pragmatismo como o desafio numero 1 para Angola em 2016. Aliás, pragmatismo foi o que levou os chineses a atingirem o nível de desenvolvimento que hoje lhes é reconhecido ao mesmo tempo que parece estar a permitir os vietnamitas fazerem o mesmo.

O que se via na China e vê-se hoje no Vietname mostra que a criação de pólos industriais estava e está associada a uma estratégia de servir o mercado interno e externo. Se para o caso de Angola quisermos atingir os mercados externos (tanto a nível regional como para além do mercado da SADC), não vai ser suficiente identificar os produtos com mais possibilidades de atingirem esse propósito. Vai ser preciso ter em atenção no momento da criação do pólo industrial os pontos de saída (como portos e zonas fronteiriças terrestres, acesso ao caminho de ferro) para não tornar oneroso o processo de exportação.

Enfim, a criatividade que se espera nesta altura de crise não tem nada a ver com a construção primeiro de pólos industriais para depois esperar que alguma indústria se desloque, mas sim com a criação de projectos bem estruturados que considerem a partida (1) quais as industriais a instalar (tendo em atenção o seu potencial em termos de receitas, empregos e ligação com outros sectores da economia) e o (2) que fazer com a produção (focos no mercado interno, externo ou ambos?) devido as implicações no que toca aos já mencionados pontos de saída para exportação.