segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Economia informal e a tributação das Micro, Pequenas e Médias Empresas

Segundo dados da Administração Geral Tributária (AGT) “o mercado angolano tem um nível de informalidade estimado na ordem dos 60% sendo este constituído por Nano, Micro e Pequenas Empresas”[1]. Esta constatação representa ao mesmo tempo um desafio e oportunidade no que ao alargamento da base tributária diz respeito.

Contudo, ao lermos um estudo do Gabinete da Contratação Pública do Ministério das Finanças (MINFIN)[2] de Abril 2015 obtivemos alguns dados interessantes a saber: das 9547 MPME certificadas pelo Instituto Nacional de Apoio às Micro, Pequenas e Médias Empresas (INAPEM) 46.6% estão localizadas em Luanda chegando a existir províncias com apenas 61 empresas certificadas (província do Zaire). Uma outra constatação interessante é o facto de 45.7% das MPME registadas dedicarem-se ao comércio a retalho e apenas 8.6% a indústria manufactureira. Este facto deveria preocupar os nossos fazedores de políticas uma vez que a teoria económica nos mostra que o sector do comércio a retalho tem menos possibilidade de contribuir directamente para a diversificação das exportações (e consequentemente a arrecadação de divisas). Sendo o comércio a retalho o foco da grande maioria das MPME em Angola a possibilidade delas directamente jogarem um papel preponderante na criação de empregos sustentáveis, como acontece em outras partes do mundo, parece-nos reduzida. 

No que tange ao acesso a serviço através da contratação pública, vê-se neste boletim que as MPME tiveram acesso (no período em analise) a apenas 6,3% de todas as cabimentações realizadas (correspondendo 1.247 de um total de 19.932). O interessante é constatar que as MPME cadastradas pelo MINFIN tiveram acesso apenas a 1,3% das cabimentações uma vez que os restantes 4,9% recaíram as MPME não cadastradas, o que não deixa de ser preocupante. Vale aqui realçar que o facto das MPME não cadastradas levarem vantagens no que toca ao acesso a cabimentações a nível da contratação pública, não significa que elas não estejam a contribuir com o pagamento de impostos. Contudo num país onde o estado, através da contratação pública, permite as MPME acesso a renda esta realidade levanta sérios desafios ao propósito da AGT de expandir a base tributaria uma vez que não nos parece haver um incentivo ao cadastramento das MPME junto do MINFIN, logo, poderá estar havendo um controlo deficiente.

Se quisermos reduzir os actuais 60% de nível de informalidade no mercado nacional, algumas medidas de política podemos depreender dessa nossa reflexão: (1) garantir que no processo de contratação pública o cadastramento sirva de incentivo as MPME, (2) criar incentivos para que o número de MPME no sector da indústria transformadora aumenta (dando apoio a projectos em sectores como a agro-indústria, a fabricação de vestuário e calçado) ou que as existentes (viradas ao comércio a retalho) evidenciem esforços para comercializarem cada vez mais produtos made in Angola.

Em suma, para que as MPME em Angola, como em outras partes, sejam o motor da economia, gerando empregos sustentáveis e contribuindo com os seus impostos, elas precisam actuar em sectores capazes de gerarem uma economia de escala (ex.: indústria transformadora) bem como ter acesso a renda (incluindo via contratação pública), duas das coisas que actualmente não se verificam, logo, justifica-se o actual grau de informalidade.



[1] Fonte: Website do MINFIN http://www.minfin.gv.ao/press/news_1447.htm acedido aos 7 de Dez 2015
[2] MINFIN Gabinete da Contratação Publica (Abril 2015) “Boletim Estatístico da Contratação Pública Angolana 2o Semestre de 2014

domingo, 13 de dezembro de 2015

Por uma Política Industrial Selectiva (1): O caso do acesso ao crédito

Ao ler um estudo feito pelo Banco Nacional de Angola (BNA) em 2013 sobre a situação creditícia em Angola[1] chamou-me a atenção a seguinte constatação de que “ [o] crédito apresenta uma elevada concentração em Luanda e no sector privado, sendo os empréstimos ao sector dos serviços o maior consumidor de crédito”[2], pelo que, restaria saber se este sector está a gerar empregos sustentáveis, receita (através dos impostos) e potencial para exportação (gerando divisas).

Neste blog chamamos a atenção em várias ocasiões (ver por exemplo post de 1 de Março 2015, 10 de Julho 2014) para a necessidade de se apostar no sector produtivo nacional. O facto de o nosso banco central (no caso o BNA) ter identificado o sector de serviços como o maior beneficiário de crédito em Angola serve como a mais forte evidência da necessidade de termos de uma política industrial selectiva, i.e. intervir para direccionar recursos a um determinado sector em detrimento de outro (e dentro deste sector apoiar determinados empreendedores em detrimento de outros). Vale recordar que a dificuldade no acesso ao financiamento representa um dos maiores entraves identificado por empreendedores em Angola no que toca ao ambiente de negócios[3].

Esta constatação do BNA mostra-nos que deixar que o mercado regule por si só o processo de alocação de recursos (no caso crédito) num país em transição, como Angola, parece ter impossibilitado que o sector productivo, aquele capaz de gerar empregos sustentáveis em especial para a juventude, tivesse os recursos financeiros de que necessita para se reerguer e transformar a economia.

Muitos poderão argumentar que esse resultado se deve a denominada Dutch disease (doença holandesa, ver post de 1 de Janeiro 2015) onde as receitas minerais, no caso de Angola receitas essencialmente petrolíferas, fizeram com que a moeda se fortalecesse tornando mais barata as importações.

Contudo, se partirmos da perspectiva segundo a qual, a presença de uma política industrial selectiva poderia permitir ao estado intervir no processo de alocação de crédito, priorizando o sector productivo nacional ao invés do sector de serviços. Outras medidas poderiam igualmente ser tomadas por formas a tornar viável os projectos de investimento que fossem apresentados, isto é, adopção de uma política industrial selectiva poderia mostrar a quem de direito que tal intervenção (i.e. alocação de crédito) não poderia ser viável sem o complemento de outras medidas como exemplo a necessidade de desvalorizar a moeda para tornar mais oneroso o processo de importação do produto acabado.

Ainda dentro de uma política industrial selectiva e no âmbito do que temos estado a reflectir neste blog[4] teria acesso ao crédito, dentro do sector productivo, apenas aquelas indústrias que se mostrassem viável de a médio prazo tornarem-se competitivas a nível regional e global, com forte potencial de crescimento no que toca a criação de empregos (necessários para as economias em transição), receitas e volume para exportação. Dentro dessas indústrias com este potencial de crescimento, teriam acesso ao crédito (com condições vantajosasapenas os empreendedores que assumissem o compromisso de atingirem metas predefinidas (metas de emprego, receitas fiscais e volume de exportação). Teria que haver uma componente de condicionalidade com cláusulas claras de penalização caso tais metas não fossem atingidas.

Em resumo, neste post tentamos ilustrar como países em transição, como o caso de Angola, poderiam alocar melhor o crédito disponível para a economia através da adopção de uma política industrial selectiva que permitisse revitalizar os sectores com maior possibilidade de a médio prazo proporcionarem economia de escala, empregos sustentáveis, receitas e volume para exportação. De resto, o estudo do BNA por si só nos mostra que o mercado tem estado a alocar recursos, talvez, para o sector menos desejado para uma economia em transição.  

 




[1] BNA (2013) “Estudo Sobre a Potenciação de Crédito Na Economia Angola”
[2] Ênfase é nosso
[3] Ver World Economic Forum (2014) The Global Competitiveness Report 2014–2015 (tradução: Relatório da Competitividade Global de 2014-15), p. 108.
[4] Ver post de 8 de Novembro 2015 onde explicamos que não é viável dar suporte equitativo a todas as industrias, sectores e regiões ao mesmo tempo

sábado, 12 de dezembro de 2015

Alguma coisa fazemos mal!

Neste espaço já tratamos de abordar a centralidade da indústria, no geral, e em particular da indústria manufactureira bem como apresentamos medidas que poderiam ser tomadas para dar suporte a indústria emergente (ver por exemplo os posts de 26 de Julho 2015, 1 de Março 2015).

Neste momento decorre a Expo-Indústria 2015 em Luanda no Polo Industrial de Viana. Apesar da reconhecida importância do evento dado que a feira ocorre num período especial para o país caracterizado pela baixa de preço do petróleo o que está a gerar níveis de crescimento muito baixos (menos de 5% para 2015 e 2016). Pelo que, seria esta uma sublime ocasião para promovermos o Made in Angola (i.e. a produção nacional), uma vez que neste tipo de evento as empresas aproveitam para exporem todo o seu potencial produtivo a novos e potenciais clientes bem como têm a possibilidade de verem como outras indústrias poderiam complementar o que fazem (poderiam identificar potenciais fornecedores, estabelecer parcerias).

Contudo, vale realçar que participam nesta Expo menos de 100 indústrias do nosso país. Isso em nosso entender deveria ser visto, por quem de direito, como um sinal de que algo fazemos mal!  

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Angola e a Zona de Comércio Livre da SADC (2)

Quando abordamos inicialmente este tema no nosso post de 4 de Agosto de 2014, sugerimos que a “liberalização do comércio entre dois países (ou mais) gera benefícios mútuos quando os mesmos se encontram em igual estágio de desenvolvimento, de contrário ganha mais o que estiver mais desenvolvido”. Neste post vamos usar o ultimo relatório sobre a competitividade das economias africanas (relatório de 2015) para melhor ilustrarmos alguns dos argumentos apresentados anteriormente.

A teoria da Vantagem Comparativa proposta por David Ricardo nos sugere que os países deveriam se especializar naquilo que sabem bem-fazer. Contudo, nesta reflexão vamos nos basear nos indicadores apresentados pelo World Economic Forum no seu Índice de Competitividade Global, para vermos o actual posicionamento da economia angolana quando comparada com outras da região austral.

Segundo o Índice de Competitividade Africana de 2015 a economia angolana é uma economia em transição, estando precisamente entre o estágio 1 – factor driven e o estágio 2 – efficiency-driven. Por outras palavras a economia angolana esta numa fase de transição em que procura deixar de depender dos recursos naturais e busca desenvolver processos produtivos mais eficientes e dar uma maior qualidade aos seus produtos.

A zona de comércio livre (doravante ZCL) da SADC visa integrar as economias da região austral permitindo uma livre circulação de produtos e serviços. Vale abrir um parêntesis para dizer que no que toca a livre circulação de pessoas essa questão, em nosso entender, parece não estar ainda bem definida. Para que haja livre circulação de produtos e serviços pensamos nós ser necessário primeiro a sua produção. Assim sendo, países que estejam no estágio 1 de desenvolvimento (dependentes dos seus recursos naturais) terão mais dificuldades do que aqueles que estão a procurar desenvolver processos produtivos mais eficientes (e produtos com maior qualidade). Essa dificuldade torna-se mais evidente num período em que o preço dos recursos naturais estiver em baixa devido a fraca demanda ou excesso na oferta.

Para o caso de Angola, neste momento o país procura desenvolver o seu processo produtivo (industrialização e parece que a partir de 2016 uma maior aposta na agricultura). Uma comparação entre o Índice de Competitividade das duas maiores económicas da região, Angola e África do Sul, podemos ver, abaixo, que Angola é menos competitiva em quase todos os requisitos havendo um ligeiro equilíbrio nos seguintes requisitos: Saúde e Educação Primaria e Eficiência do Mercado de Trabalho. Angola acaba por ter uma ligeira vantagem no Ambiente Macroeconómico. De resto, em factores como Infra-estrutura e Desenvolvimento do Mercado Financeiro dois factores que em muito contribuem para o surgimento de investimento privado (nacional e estrangeiro) o gap (diferença) entre os dois países é significativo.
 
Havendo um livre comércio entre essas duas economias podemos deduzir que a economia sul-africana estaria em melhores condições de suplantar a angolana, produzindo de forma mais eficiente produtos de maior qualidade. Angola precisaria de algum tempo para reduzir esse gap.
Comparando o Índice de Competitividade entre Angola e Moçambique, abaixo, apesar da ligeira vantagem de Moçambique podemos ver que existe um maior equilíbrio entre essas duas economias. O gap maior está na Eficiência do Mercado (de bens e serviços) onde Moçambique está muito melhor. Isso significa que um livre comércio entre elas poderia ainda permitir que ambas continuassem a desenvolver os seus processos produtivos visando produzir produtos de maior qualidade. 
 
Colocando as 3 economias numa ZCL, podemos ver que a economia sul-africana por ser a mais competitiva (ver imagem abaixo) deverá, em princípio, ser capaz de produzir bens e serviços de uma maneira mais eficiente e com maior qualidade, o que poderia fazer com que as outras duas economias (Angola e Moçambique) tivessem maiores dificuldades de darem continuidade do desenvolvimento dos seus processos produtivos uma vez que os consumidores nesses países poderiam ter já a sua disposição produtos com maior qualidade comparados com os de produção local que estariam ainda numa fase incipiente.
 
 
Visto desta forma, acreditamos nós, que sendo a integração na ZCL da SADC algo inevitável atendendo aos compromissos assumidos (a entrada segundo a Ministra do Comércio está prevista para 2017[1]), parece-nos evidente que Angola precisa entre 2016-17 aumentar o seu índice de competitividade por formas a estar o mais próximo possível da maior economia da região.

Se tivermos em conta que o gap verificasse em áreas que requerem grandes investimentos (exemplo: infra-estrutura, ensino superior, desenvolvimento tecnológico) e atendendo ao facto de Angola estar a passar por uma crise económico-financeira devido a redução da receita fiscal proveniente do petróleo, temos sérias dúvidas quanto a possibilidade de Angola reduzir essa diferença de produtividade nos próximos 1- 2 anos.

Essa constatação leva-nos a concluir que Angola (e os angolanos) poderá vir a ser adversamente incorporada na zona de comércio livre da SADC em 2017 a não ser que se façam ajustes na actual política de desenvolvimento adoptando algumas das medidas de temos estado a analisar em várias ocasiões neste blog (ex.: focos na industria manufactureira e no aumento de produtividade do sector agrário, exigir daqueles que tem sido os maiores beneficiários da actual política de desenvolvimento resultados no que toca a criação de empregos e volume para exportação).



[1] Fonte: http://www.voaportugues.com/content/angola-zona-comercio-livre-africa-austral/2937703.html