sexta-feira, 28 de setembro de 2018

A Natureza Não Salta Etapas!*


Neste espaço indicamos que o Executivo em Angola precisava fazer um sprint[1] para tentar recuperar o tempo perdido. Todavia, é importante relembrar que tal não significa que se deva saltar etapas. Na recente reunião da Comissão Económica do Conselho de Ministros abordou-se, dentre outros aspectos, o processo de graduação de Angola, pelas Nações Unidas, de país de rendimento baixo para país de rendimento médio. Apesar de estarmos conscientes que este processo representaria um enorme ganho político para o Executivo é imperioso não se esquecer que uma graduação prematura e insustentável poderia acarretar consequências sérias para o desenvolvimento harmonioso de Angola.

Existem benefícios atribuídos aos países de rendimento baixo como Angola[2], por exemplo, ao nível do acesso ao crédito concessional, i.e. com condições de reembolso mais favorável, cedido por instituições financeiras internacionais. Nesta fase em que o Executivo angolano parece apostado em fomentar as exportações não petrolíferas, podemos avançar aqui a possibilidade que a União Europeia dá aos países de rendimento baixo de exportarem, com isenções, para a zona Euro tudo excepto armas. Angola perderá este beneficio tão logo passe para país de média renda. Como país de renda baixa Angola faz parte do conjunto de países com a possibilidade de aceder ao mercado Norte-Americano em condições bastantes favoráveis, no âmbito do projecto AGOA – Africa Growth Opportunity Act. Apesar destes dois programas representarem uma excelente oportunidade para Angola dinamizar as suas exportações fora do petróleo, a verdade é que ao longo desses 16 anos de paz o Executivo não foi capaz de articular uma estratégia sustentável que permitisse o país tirar alguma vantagem.

A recente apresentação dos resultados do Inquérito de Indicadores Múltiplos e de Saúde (IIMS 2015-2016) pelo Instituto Nacional de Estatística (INE)[3] deveria servir para o Executivo angolano consciencializar-se de que Angola é verdadeiramente, ainda, um País de baixo rendimento2. Todavia, é importante esclarecer o que se quis dizer com o facto de parte da população (48%) em Angola vive em “pobreza multidimensional” conforme veiculado por um jornal. Hoje nos estudos sobre a pobreza extrema recomendasse a não utilizar como indicador principal o rendimento do indivíduo (ou do agregado familiar), ao invés adoptar-se vários indicadores, resultando numa visão multidimensional da pobreza. Isso porque os pesquisadores notaram que adoptando o rendimento como indicador principal, i.e. dizer que o indivíduo que vive com um valor inferior à 1 ou 2 dólares por dia i.e. está abaixo da linha da pobreza extrema, faz crer que quem tiver um rendimento superior a este valor está fora dessa condição. Daí a recomendação de olhar-se também para outros indicadores como acesso a água potável, mortalidade infantil, nutrição, ano de escolaridade, saneamento e medirmos o status da privação.

Dos resultados principais deste inquérito salta a vista o facto de 3 em cada 10 agregados familiares não terem instalações sanitárias (WCs) apropriadas. O que pode explicar a falta de sanidade do meio e as consequências para saúde pública. Notamos com bastante interesse que 82% de agregados familiares rurais possuem terra para agricultura. Pensamos que aqui é possível o Executivo desenvolver programas de ajuda a essas famílias por formas a tornarem mais produtivas essas terras. Tal ajuda iria contribuir para se reduzir a malnutrição crónica nos agregados familiares, um mal que afecta 38% das crianças menores de 5 anos em Angola.

Não deixa de ser preocupante notar que Angola apresenta uma alta taxa de fecundidade (6,2 filhos por mulher), o que pressupõe a necessidade de rapidamente se implementar uma política de controlo do crescimento da população. Isso para que se possa atender as necessidades presentes e futuras da população. A idade mediana da 1ª relação sexual (16,6 anos para as Mulheres e 16,7 Homens) e do 1º parto 19,5 (i.e. 3 anos depois da 1ª relação sexual) ilustram essa necessidade. Acreditamos que aos 16 anos um jovem adolescente em Angola não tenha acesso a toda a informação necessária para ter um sexo seguro, o que pode facilitar o risco da propagação de doenças sexualmente transmissíveis.

Enfim, se por um lado compreendemos que uma graduação de Angola de país de baixa renda para média daria ao Executivo chefiado pelo Presidente João Lourenço uma certa credibilidade e segurança, porém intentar tal graduação sem (1) tirar o máximo de proveito da condição de país de baixa renda e (2) melhorar os principais resultados apresentados no mais recente Inquérito de Indicadores Múltiplos e de Saúde, seria, em nosso entender desastroso. Pelo que, continuamos a defender que o Executivo deve tratar de fazer bem as coisas básicas i.e. alavancar o sector produtivo, e tudo o resto, graduação e possível entrada para o grupo de países emergentes, vai depois se encaixar. Afinal, a natureza não salta etapas! 


*Publicado inicialmente como: Wanda, F. (2018) ‘A Natureza Não Salta Etapas!’ Expansão, Edição 486, 17 Ag. http://www.expansao.co.ao/artigo/100080/a-natureza-nao-salta-etapas-?seccao=7


[1] Wanda, F. (2018) ‘África precisa de ‘correr’, já o Executivo em Angola tem que encetar um sprint! Expansão, Edição 468, 13 Abril.
[2] Excluindo o PIB petrolífero.
[3] Numa parceria com o Ministério da Saúde (MINSA) e o Ministério do Planeamento e do Desenvolvimento Territorial (MPDT).

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Faça algo diferente!*


Recentemente realizou-se na África do Sul mais uma cimeira dos países emergentes chamados, desde 2011, na sigla inglesa de BRICS - Brasil, Rússia, Índia, China e o país anfitrião a África do Sul. Muito se passou desde que em 2001 o Goldman Sachs[1] juntou um grupo de países, que na altura estavam a ter um crescimento assinalável, criando desta forma os BRICs (sem a África do Sul). Mais tarde estes convidaram para o grupo a África do Sul, o que conferiu de certa forma a sua legitimidade como porta-voz dos países em desenvolvimento e contrapeso dos países ricos.  

Para a cimeira de Joanesburgo Angola foi convidada também por ser o País que preside, de momento, o Órgão de Cooperação Política, Defesa e Segurança da SADC, fazendo-se representar pelo Chefe do Executivo o Presidente João Lourenço. Vale recordar que já em 2013 na cimeira de Durban, África do Sul, Angola esteve igualmente presente.

Nesta cimeira, João Lourenço assinalou dois aspectos de interesse sendo (1) a vontade de um dia Angola juntar-se ao grupo e (2) a sua crença “que na actual conjuntura da globalização e das tecnologias da informação e comunicação, os nossos países poderão saltar etapas, encurtando desta forma o caminho do progresso e do desenvolvimento”. Ora bem, é importante compreendermos que qualquer processo evolutivo obedece certas fases i.e. a natureza não salta etapas, todavia, a evidência empírica mostra que a globalização dá acesso a exemplos a seguir, cabe depois aos países empreenderem acções pragmáticas visando a sua rápida industrialização, materializando-se essa visão do Presidente João Lourenço num espaço de tempo reduzido.

Não é por acaso que cada País dos BRICS possui um parque industrial e tecnológico expressivo para sua condição de País emergente. Tal só foi possível graças a intervenção selectiva do Estado. Por exemplo o Brasil para além de ter uma agro-indústria forte, criou a Embraer e com ela quebrou um segmento dominado pelas mais experientes e financeiramente mais bem dotadas Boeing e Airbus. A Índia no ramo automóvel tem marcas como a Mahindra comercializada em quase todo mundo incluindo Angola. A Rússia, herdeira do império Soviético, tem na indústria de defesa e aerospacial um sector tecnologicamente bem desenvolvido. A África do Sul é simplesmente a economia mais industrializada a sul do Saara. Angola só tem a ganhar se souber gerir melhor o seu relacionamento histórico com cada um deles.

Sobre a necessidade dos países africanos tirarem um melhor proveito desta aproximação com os BRICS, o ex-Economista Chefe do Banco Mundial o chinês Justin Lin, assinalou a alguns anos que devido a necessidade da China diminuir a sua dependência dos mercados externos dinamizando o consumo interno, haveria uma pressão para se aumentar os salários. Desta forma seriam libertados cerca de 80 milhões de empregos no sector da indústria manufactureira[2] que havendo condições poderiam deslocar-se para África.

Países como o Vietname e Mianmar, dada a proximidade e tendo criado políticas específicas, já estão a receber algumas dessas empresas. Através das nossas pesquisas[3] identificamos que um País africano que tem sabido tirar proveito desta situação é a Etiópia. Ao contrário do Executivo em Angola, que construiu pólos de desenvolvimento industrial i.e. Viana e Catumbela sem estarem devidamente infraestruturados e perímetros irrigados improdutivos, o Governo Etíope, através de um processo de ensaio e erro, tem estado a promover parques industriais de qualidade assinalável. O mais recente Hawassa é já considerado um exemplo, prevê gerar cerca de USD 1,000 milhões/ano em receitas e empregos para 60.000 jovens Etíopes[4]. Através de um processo selectivo de intervenção e uma dose de pragmatismo a Etiópia é hoje uma das economias que mais cresce no mundo. De 2005-2016 o seu PIB cresceu em média 10.5%.

Um outro País que está a trilhar o mesmo caminho é o Ruanda. De facto, no nosso mais recente trabalho de campo foi-nos facilitada uma visita a Zona Economica Especial de Kigali e podemos ver in loco os desenvolvimentos já alcançados.

Enfim, não basta o Chefe do Executivo mostrar vontade é necessário assegurar que ela seja transformada em políticas e traduzidas depois em acções concretas. Todavia, como temos assinalado nas nossas reflexões neste espaço, na ânsia de marcar uma nova etapa no desenvolvimento de Angola o Executivo denota uma certa crise existencial. Independentemente da estratégia a adoptar é imperioso que se compreenda que fazer mais do mesmo e ainda assim esperar um resultado diferente leva-nos a lugar nenhum!

*Publicado anteriormente: Wanda, F. (2018) ‘Faça algo diferente!’ Expansão, Edição 484, 3 Ag. http://www.expansao.co.ao/artigo/98959/faca-algo-diferente-?seccao=7.


[1] Goldman Sachs (2001) ‘Building Better Global Economic BRICs’. Global Economics Paper, Nov. 30.
[2] Citado pela Bloomberg (22/07/2014)
[3] F. Wanda, & C. Oya (2016) “Um Estudo sobre as Empresas Industriais e de Construção e as Dinâmicas de Emprego em África”, Revista Socioeconomicus Nº 3 (FEC-UAN).
[4] M. Schwikowski (2017) ‘Ethiopia: East Africa's new economic power’.