sábado, 9 de novembro de 2013

Poupar “pra quê”? Ou, poupar o quê?

Num programa da Radio LAC foi passada a ideia de que “o africano, em geral, e o angolano, em particular, não tem o hábito de fazer poupanças”.

Este tipo de pensamento leva-nos a esquecer em que condições o excedente de capital é gerado, acabando depois por se tornar numa poupança. Que é necessário que a população tenha o hábito de não gastar tudo o que ganha, ninguém contesta. Afinal, países como a Coreia do Sul desenvolveram-se também através da chamada “delayed consumption” – consumo retardado, imposto pelo governo coreano como forma de incentivar a poupança e desta forma garantir mais crédito à produção.  
Fiquei com a impressão que se estava na rádio a tratar de responder “poupar ‘pra quê’?” deixando de parte o “poupar ‘o quê’?” que em Angola é a questão mais pertinente. Temos que perceber de uma vez por todas que para o caso concreto de Angola, onde não sabendo quantos somos dizemos que temos 37% da população a viver abaixo da linha da pobreza (no caso a viver com menos de 4.793 Akz mês, cf. IBEP, 2009), fica difícil imaginar a grande maioria da população a ter uma vida condigna e ao mesmo tempo poupar, isto é, não consumir o seu rendimento (quando houver). Por outro lado, não se pode deixar de perceber que o governo em Angola não depende das poupanças que eventualmente a população venha a fazer para financiar o sector produtivo, uma vez que existem outras fontes importantes de receitas (petróleo e outros minerais) o que não tinha, por exemplo, a Coreia do Sul.

Se por um lado elevar os níveis salariais da população parece representar uma “missão impossível” nesta fase do desenvolvimento em Angola, justo será baixar, então, o custo de vida! Como fazer isso? Reduzindo o custo de tudo o que contribui para que o nível de vida seja bastante oneroso para o cidadão comum. Sabe-se que, por exemplo, numa cidade como Luanda (onde temos a grande maioria da população) uma boa parte dos rendimentos das pessoas (57%, IBEP, 2009) é gasto em bens alimentares, 10% com a renda de casa, 8% em serviços de utilidade doméstica perfazendo um total de 75% do rendimento. O que sobra, 25%, acaba por ser gasto em cuidados de saúde, educação e transporte (para citarmos os mais essenciais).
Para poder manter, por um longo período, um nível de salário baixo (em comparação com outras economias com o mesmo GDP per capita) teria o governo que assegurar que a população pudesse adquirir bens alimentares, ter acesso a um serviço de saúde, educação e transporte condignos e que fossem compatíveis com tal nível de salário. Agindo assim, estaria o governo a subsidiar, indirectamente, o processo de desenvolvimento em Angola, evitando igualmente perturbações sociais frequentes nessa fase (que se espera que seja) de transição.  

Por isso, dizer que o “angolano não tem hábito de poupar” é até certo ponto incorrecto, afinal apenas uma franja muito diminuta da população tem super-rendimentos. A grande maioria acaba mesmo por viver um dia de cada vez.
PS: A estratégia de “consumo retardado” empregue pela Coreia do Sul funcionou porque a produção estava virada a exportação, isto é, o consumo estava sendo gerado em países como os Estados Unidos e alguns países europeus. Nesta fase de crise em que verificasse uma redução no nível de consumo nessas economias tal estratégia fica limitada. Angola vai ter que combinar produção para exportação (onde for possível) com estímulos ao consumo interno (a China neste momento está a ser forçada a aumentar os salários para estimular o consumo interno).

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

De Karl Marx "Das Capital" à Angola dos Nossos Dias: O processo de “acumulação primitiva do capital”.

Na obra Das Capital Marx nos apresenta uma interpretação do processo histórico ocorrido na INGLATERRA que ditou a mudança do sistema de produção e acumulação de capital (i.e. riqueza). Marx nos explica como o chamado “enclosure movement”, processo que ditou a mudança no acesso a terra para agricultura resultou de facto na criação de uma nova classe de “agricultores sem terra”. Estes viram-se obrigados a procurar outras formas de subsistência nomeadamente emprego na então indústria nascente. De facto, na óptica de Marx, foi graças a existência desta classe de “agricultores sem terra”, traduzida em força de trabalho excedentária, que permitiu a ascendência do capital e como tal a criação do sistema da produção CAPITALista.

A este fenómeno ocorrido na INGLATERRA Marx chamou de “acumulação primitiva do capital” (ou poderíamos chamar de “expropriação”). O mesmo fenómeno ocorreu nos demais países europeus e depois em outras partes como na América do Norte, tendo-se finalmente espalhado pelo resto do mundo com o processo de colonização.

A “acumulação primitiva” representa assim o que aconteceu na Inglaterra, ou seja a génesis do sistema de produção capitalista. Contudo, esse fenómeno é recorrente. Para essa segunda vaga do mesmo fenómeno Harvey (2005:116) chama de “accumulation by dispossession” (acumulação por expropriação) Samir Amin chamou de “acumulação da acumulação primitiva do capital” mas como ele mesmo explicou, em Abril deste ano num seminário realizado em SOAS, Universidade de Londres, este termo era muito longo para ser bem aceite. Hoje para explicar esse mesmo fenómeno existe um termo muito mais bem aceite “ PRIVATIZAÇÃO”!

O processo de privatização acaba por criar o que o processo de acumulação primitiva do capital criou na INGLATERRA uma classe de indivíduos que perde uma fonte segura de renda e de reprodução social, ficando exposta as regras (muitas vezes selvagens) do mercado. Acho que estamos todos recordados de qual foi o resultado do processo de privatização ocorrida em Angola nos anos 90s. Vale perguntar: Aumentou ou não o desemprego? E o que aconteceu aos desempregados?

Partindo do princípio que após a independência de Angola quase tudo passou a ser um bem comum gerido pelo Estado em nome do povo [digo “quase tudo” porque mesmo depois da independência Angola não deixou de ter propriedade privada] logo, NAO seria correcto dizer que em Angola esteja a ocorrer uma “acumulação primitiva do capital” como Marx nos apresenta em Das Capital mas sim algo parecido com a “accumulation by dispossession”, isto é, uma privatização do bem comum.

PS: Poderíamos fazer uso do que nos ensina a economia neoclássica para justificar esse processo de privatização mas tal exercício representaria uma outra reflexão (i.e. um outro tema para um outro momento).

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Corrupção e Desenvolvimento: O Conceito de “Corrupção Produtiva” [Corruption and Development: The Concept of “Productive Corruption”]

Da revista The Economist de 13 de Julho, dei conta de uma breve peça informando que um tribunal na China aplicou uma sentença de morte a Liu Zhijun ex-Ministro dos Caminhos Ferroviários, por corrupção. Dizia a informação que Liu Zhijun terá recebido subornos avaliados em $10.5 milhões de dólares. Por achar um acto fora de comum, fiz uma rápida pesquisa e dei conta que esse, agora, ex-ministro foi a pessoa responsável pela modernização dos caminhos-de-ferro da China, supervisionando a construção da rede de comboios de alta velocidade que hoje a China orgulhosamente ostenta.

Até ai tudo bem, um ministro corrupto foi “apanhado”, julgado e condenado dentro da lei. Mas este assunto chamou a minha atenção, especialmente por estar ligado a um tema que tenho estado a debater com alguns colegas de um tempo a esta parte que é o que chamo de “Corrupção Produtiva”. O que é isso “Corrupção Produtiva”? Uma explicação simples seria a seguinte: Vamos assumir que existem duas formas de corrupção, uma que eu chamarei de “Corrupção parasitária” e a outra “Corrupção Produtiva”. A primeira, “Corrupção parasitária”, caracteriza um individuo com poder de decisão que uma vez recibo o suborno não mais se preocupa que o serviço/projecto sob sua responsabilidade seja executado com qualidade e dentro dos prazos predefinidos. A segunda, “Corrupção Produtiva”, o individuo com poder de decisão também recebe o suborno MAS certificasse que pelo menos o serviço/projecto sob sua responsabilidade seja executado com a qualidade exigida e dentro dos prazos.

Esse caso ilustra, mais uma vez, que a corrupção está quase sempre presente quando os países estão em fase de transição. No caso da China, um país emergente, durante o mandato do Liu Zhijun o país não deixou de modernizar e expandir a sua rede de transporte ferroviário (se bem que não podemos abordar a questão da qualidade e dos prazos, mas existe indícios de haver alguma qualidade, afinal os Jogos Olímpicos de 2008 foram em Beijing), podemos argumentar que ele terá cometido o que eu chamaria de “Corrupção Produtiva”.

Moral da estória: Se tiver que haver corrupção em Angola, que ao menos seja uma “Corrupção Produtiva”, MAS quem for apanhado que receba o tratamento Chinês! 

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

“Luanda classificada mais uma vez a cidade mais cara do mundo”: Publicidade gratuita ou mais um desafio ao desenvolvimento económico de Angola? [Luanda ranked, once again, as the most expensive city in the world: ‘Cheap’ publicity or another challenge for the economic development of Angola]

Retirado do site da Voz da América (por sinal de um debate na Radio LAC)


O facto de Luanda ter sido classificada mais uma vez a cidade mais cara do mundo para expatriados pode servir de publicidade para a cidade, defendeu a jurista Lurdes Caposso.”
 

Fiquei chocado ao ler que alguém ousa pensar que “publicidade gratuita” é algo necessariamente benéfico, porque vejamos: Quando uma empresa investe em marketing publicitário não é para perder dinheiro, a empresa espera sempre obter um retorno maior do que o investimento feito, até porque hoje em dia falasse de marketing a vários níveis: pessoal, institucional e até político!
Quem tem acesso a TV por satélite tem visto publicidade de países como Angola, India, Malásia e outros países na CNN (e em outros canais) como forma de chamarem a atenção de potenciais “clientes” (quer turistas ou investidores) sobre as potencialidades/benefícios que esses países oferecem. A publicidade é uma forma que as organizações têm de gerarem demanda dos seus produtos e/ou serviços.  
Se assim for, urge compreender que mensagem esta “publicidade gratuita” está a passar para os potenciais “clientes” da província de Luanda (turistas e até mesmo pessoas interessadas em fazer/abrir um negócio em Luanda), reflectindo sobre o seguinte:
  • Por que razão, um jovem turista de rendimento médio iria querer visitar Luanda quando até lhe ficaria mais barato ir a Nova Iorque, Londres ou Paris?
 
  • Por que razão um empresário iria querer abrir ou mesmo transferir o seu negócio para Luanda, quando tudo indica que nesta cidade os custos operacionais seriam muito mais elevados?
São essas, a nosso ver, as perguntas que os governantes de Luanda (e não só), deveriam tratar de dar resposta. Que fique claro: o que conta para o crescimento económico de um país é o GASTO feito pelo turista (durante uma visita) e o INVESTIMENTO do empreendedor (nacional ou estrangeiro), o resto é especulação barata!
Quando começarmos a medir o desempenho dos governadores de províncias pelo número de turistas (domésticos e estrangeiros) que a província atrai por mês e ano, pelo número (e volume) de investimento privado (doméstico e estrangeiro) que a província atrai, vamos perceber que este tipo de publicidade tem um custo para a província em primeira mão e para o país no geral. Afinal, neste tipo de estudo não dizem que numa outra província do mesmo país as coisas são muito mais baratas.
PS.: Ao que Para o caso de Luanda e num contexto onde o acesso a serviços básicos/infra-estrutura básica para se abrir um negócio é bastante oneroso, a criação de parques industriais pode ser uma alternativa viável, pelo seguinte:
1.      Num único espaço físico reduzido o governo põe a disposição dos empreendedores todas as condições (infra-estruturas básica e de telecomunicações), o que permite a estes terem um custo de produção baixo tornando os seus produtos muito mais acessíveis ao consumidor local e competitivos no mercado externo.
O desafio, em nosso entender, é assegurar que esses espaços infra-estruturados sejam atribuídos a pessoas empreendedoras que venham de facto a investir neles e não a pessoas, que somente ocupam tais espaços para depois subalugarem ou revenderem (com lucros fabulosos) a quem realmente esteja interessado em instalar uma unidade produtiva (vale aqui recordar o ditado popular “pão e pau” quem receber um espaço deve estar proibido de subalugar sob pena de vir a perder tal privilégio). Este, a nosso ver, será o próximo desafio do governo, isto é, ser capaz de manter distante dos futuros parques industriais potenciais oportunistas.
 
 

quarta-feira, 24 de julho de 2013

"Ante-Projecto de Revisão da Lei Geral do Trabalho" versus “Estabilidade no Emprego”

Quando tomamos conhecimento que existia um Ante-Projecto de Revisão da Lei Geral do Trabalho em Angola, ficamos curiosos e ao mesmo tempo apreensivos, afinal fazia alguns meses que tínhamos terminado um artigo sobre este assunto1.

Um dos desafios que identificamos na altura foi que Angola teria que implementar reformas se realmente quisesse atrair (como parece ser plano do nosso governo, se tivermos em conta o que é divulgado na imprensa) empresas de países europeus em crise (a saber Espanha, Itália e Portugal) e com os quais Angola já tem um relacionamento comercial assinalável. Contudo, também elucidamos no referido trabalho que em caso de reforma, tal reforma não deveria comprometer as aspirações, legítimas, da juventude de ter um emprego seguro e acima de tudo decente.

Apesar de termos lido algum tempo atrás num jornal privado “Revisão da Lei Geral do Trabalho Garante Estabilidade no Emprego”, chamou-nos a atenção duas alterações que estão a ser propostas agora, que no nosso entender, inviabilizariam a tão desejada “Estabilidade no Emprego” conforme fora noticiado, pelo seguinte:

No artigo 16º Duração do contrato por tempo determinado, do Ante-Projecto lesse:

1. O contrato de trabalho por tempo determinado pode ser sucessivamente renovado até um período máximo de cinco anos.


2. Nas micro, pequenas e médias empresas, o contrato por tempo determinado pode ser sucessivamente renovado até ao limite de dez anos.

Urge reflectirmos se um trabalhador perder o seu emprego (neste caso legalmente, sem direito a indeminização) após 5 ou 10 anos de trabalho contínuo traduz-se em estabilidade?

Por outro lado, no artigo 72º ponto 4 existe uma omissão, no nosso entender, importante pelo seguinte:

Na presente lei

4. “Nos 30 dias seguintes à mudança de empregador, os trabalhadores podem despedir-se, tendo direito à indemnização por despedimento indirecto se provarem que da mudança podem resultar prejuízos para a relação jurídico-laboral [meu ênfase].”

No presente Ante-projecto de Lei existe uma omissão:
4. “Nos 22 dias úteis seguintes à mudança de empregador, os trabalhadores têm direito de rescindir o contrato de trabalho com aviso prévio.”
A nosso ver essa omissão prejudicaria o trabalhador.

Se por um lado, compreendemos a necessidade de se reformar a lei para que Angola se torne mais competitiva (e seja capaz de atrair mais investimento estrangeiro), por outro lado entendemos que essa necessidade de atrair investidores estrangeiros não deveria fragilizar a relação jurídico-laboral do trabalhador angolano. Se tivermos em conta tanto as potênciais fontes alternativas de receitas bem como a densidade populacional de Angola, poderemos perceber que cheap labour (mão de obra barata) não é a nossa vantagem comparativa.

Em jeito de meio-termo: O governo poderia avançar com incentivos fiscais, até que seja capaz de criar a chamada safety net social (garantia de estabilidade social) tal como o subsídio de desemprego, até que possa garantir acesso a assistência médica, educação e ao transporte público condigno, fazendo uso das receitas provenientes do petróleo e de outros minerais. Vale relembrar que a estabilidade no emprego gera estabilidade social que por sua vez serve de base para qualquer projecto de desenvolvimento económico sério. A questão que deverá merecer a nossa atenção é a seguinte:

Devemos primeiro

a) Reformar a lei? Ou

b) Criar mecanismos que garantam a estabilidade social? 

 

(1) Wanda, Fernandes (2013) “Emprego, Juventude, Desemprego: Que solução nos Oferece o Programa de Governo do MPLA 2012-2017”. SOAS, University of London. [Submetido a Revista Cientifica da FE-UAN]

domingo, 21 de julho de 2013

"Angola: Opções para a prosperidade" - 7 anos depois: Quo vadis?

Resumo

Em 2006, o Professor Paul Collier apresentou o que na sua óptica seriam as 5 opções que poderiam levar Angola a prosperidade. Passados 7 anos, decidimos fazer uma constatação da realidade e notamos que os aspectos macroeconómicos sugeridos estão de certa forma resolvidos. Apesar disso, ainda não se constata uma melhoria da condição social de todos os angolanos.

Abstract

In 2006, Professor Paul Collier presented what he believed to be 5 options that Angola should take for prosperity. After 7 years, we have decided to do a reality check, and noticed that the required macroeconomics changes were, somehow, achieved; however there is still a lot to be done in other to improve the social conditions of the Angolan people.

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Quando Angola completou 31 anos de independência em 2006, o Professor Paul Collier teve a inusitada ideia de escrever um ensaio sobre as nossas opções para alcançarmos um desenvolvimento sustentável e que estivesse ao alcance de todos os angolanos independentemente da sua, raça, origem étnica e condição social. Na sua conjuntura, Collier (2006) apresenta-nos 5 pontos (ver figura 1 abaixo) que no seu entender podem fazer a diferença entre o sucesso ou o fracasso nesta fase de reconstrução nacional.

Passados 7 anos e tendo em conta que faltam 12 anos (dentro do programa de longo prazo do Governo de Angola, Angola 2025) parece-nos pertinente, saber se o que foi "profetizado" materializou-se ou esta em vias de ser materializado e deste exercício, termos uma ideia do que Angola poderá vir a ser nos próximos 12 anos. O que se segue é o que poderíamos chamar de um exercício de constatação e auto-avaliação. Vale aqui recordar que a proposta apresentada por Collier (2006) não era vinculativa pelo que, o Governo de Angola não estava (nem está) obrigado a considerar tais recomendações. Isso por si só representa uma das grandes limitações do nosso exercício. Contudo, a pertinência reside em sabermos se estando disponíveis algumas recomendações fruto de dois bons exemplos (um de sucesso, a Malásia e outro menos bem sucedido, a Nigéria) para que sentido está o país mais inclinado 7 anos depois. Vamos partir do princípio de que seriamos capazes, enquanto país, de aprender com as experiências de desenvolvimento (ou ausência de desenvolvimento) de outros países, tendo em conta que nenhum país desenvolve-se ao acaso.
 
1. Corrigir as discrepâncias macroeconómicas;
2. Estabelecer 3 sistemas de gastos públicos;
3. Conter a possibilidade de surgimento do proteccionismo político;
4. Gerir as (possíveis) divisões pós-conflito;
5. Fazer crescer a Economia não petrolífera.
Fig. 1 As cinco (5) recomendações do Professor Paul Collier, adaptado de Collier (2006)2
 

1. Corrigir as discrepâncias macroeconómicas
Neste capítulo o Professor Collier sugeria que fossem executadas 3 tarefas a saber: Obter um superavit fiscal, Elaborar um programa de investimento a médio-prazo e Baixar a inflação.

Para a primeira tarefa, acredito que o Governo foi capaz de atingir um resultado positivo nos últimos 6 anos a excepção de 20093 consequência da crise económica mundial, quando se pensava estarmos imunes. A segunda tarefa de certa forma também foi executada com sucesso. O Governo de Angola tem um programa de investimento público, existe igualmente o programa de desenvolvimento de longo prazo Angola 2025. Contudo, poderíamos questionar a pertinência de alguns investimentos programados, os valores alocados bem como a qualidade dos mesmos (após execução). Por último, que actualmente a inflação em Angola esteja abaixo dos 10%.

Quanto a independência do Governador do Banco Nacional de Angola, a Lei n.º 16/10 de 15 de Julho Lei do Banco Nacional de Angola define no seu Artigo 50 que o mesmo tem um mandato de 5 anos e que só pode ser exonerado com base no Artigo 77 ponto 2 alíneas a, b da mesma lei. Contudo, muitos deverão concordar que ainda estamos longe de ter um Banco Central livre de pressões e influências do poder político.

Assim sendo, quero acreditar que neste capítulo poderíamos dar ao Governo um sinal de aprovação.

2. Estabelecer 3 sistemas de gastos públicos
Podemos assinalar que nos últimos 6 anos houve um significante aumento das despesas públicas (i.e. investimento público). Faziam parte das recomendações a criação dos seguintes sistemas: Estabelecer um sistema de licitação e avaliação de obras, Aumentar o gasto social e a sua prestação de contas e Fazer uma distribuição directa das receitas do petróleo através de programas sociais.

É dado adquirido que o acesso a informação é deficiente, especialmente informação ligada ao financiamento de muitos dos projectos em execução (particularmente em Luanda). Contudo, foi aprovada a Lei n. 20/10 - Lei da Contratação Pública, que no seu Artigo 2 (Âmbito de aplicação) define que essa lei é essencialmente "aplicável à contratação de empreitadas de obras públicas, à locação e aquisição de bens móveis e imóveis e à aquisição de serviços por parte de uma entidade pública contratante". Resta agora velar pela sua aplicação prática.

Actualmente o Indicador de Desenvolvimento Mundial do Banco Mundial4 classifica Angola como um país de renda média alta. Isso significa que muitos dos que advogam para implementação de um programa social como o cash transfer (transferência de dinheiro directamente as famílias mais necessitadas) talvez não estejam tao errados assim, uma vez que pesquisas mostram que quando bem implementado este programa ajuda a reduzir a pobreza, não distorce o mercado e dá, aos beneficiários, a possibilidade de utilizarem os valores da forma mais conveniente (cf. Standing, 2011)5.
É preciso reconhecer que 36.6% da população angolana (de acordo com o IBEP 2008-2009)6 é pobre e que para essas famílias um programa de microcrédito talvez não seja a política mais apropriada. Resumindo, devemos reconhecer que progredimos muito pouco.

3. Conter a possibilidade de surgimento do proteccionismo politico
Em países em transição e com grandes receitas de recursos minerais, corre-se o risco de se fazer um aproveitamento político dessas receitas (cf. Collier, 2006). Neste ponto foi-nos proposto executar as seguintes acções: Estabelecer formas de fiscalização, Limitar o financiamento de campanhas políticas, Tornar o cidadão mais bem informado.

Para a primeira tarefa, temos a Assembleia Nacional com os seus Deputados eleitos, cabendo agora aos eleitores exigirem que ela assuma o seu papel de órgão fiscalizador das acções do Executivo. Urge igualmente exigir a isenção dos tribunais. Em termos de gastos com campanhas políticas ainda temos muito que fazer para se corrigir as disparidades verificadas nas últimas eleições. Precisa-se igualmente de se ter uma imprensa mais livre de influências partidárias. O acesso a informação apesar de ser um direito constitucionalmente consagrado (ver Artigo 40 da Lei Constitucional), a sua materialização ainda reveste-se de certos constrangimentos. Em suma, neste ponto Angola ainda tem muitas oportunidades de melhorias.

4. Gerir as (possíveis) divisões pós-conflito
Por formas a se evitar a possibilidade do ressurgimento de um novo conflito (fruto de divisões sociais), Collier (2006) apresenta-nos as seguintes opções: Crescimento mais alargado, Priorizar as despesas de caracter social, Reduzir significativamente as despesas de caracter militar.

O crescimento alargado passaria essencialmente pela diversificação da nossa economia. Infelizmente Angola continua excessivamente dependente das receitas provenientes dos recursos minerais, em particular do petróleo (ver o Orçamento Nacional de 2013)7.

No que toca ao incremento de investimento no sector social, temos que reconhecer que foi feito um esforço gigantesco, com a construção de mais escolas, postos de saúde e outras infra-estruturas sociais e acesso a serviços básicos como água e luz. Contudo, o fornecimento desses serviços básicos (água e luz) ainda é bastante deficiente.

Por último, apesar da ausência de conflito armado na maior parte do território angolano, devemos reconhecer que ainda temos uma situação pendente na província de Cabinda bem como temos presenciado momentos de instabilidade além-fronteiras, o que de certa forma nos afecta enquanto país. Contudo, esperava-se uma redução gradual das despesas de caracter militar o que não tem acontecido.

Neste capítulo podemos ver que Angola ainda não apresenta melhorias, dai a necessidade de se reflectir sobre as reais causas de tão fraco desempenho neste ponto.

5. Fazer crescer a Economia não petrolífera
Collier (2006) propõe-nos as seguintes medidas: Desregular e remover os impostos a economia não petrolífera, Permitir o crescimento do sector Agrário. Para a primeira proposta, apesar de ter como razão de ser a possibilidade de se captar um número maior de investimento privado, a ser adoptada acreditamos que deveria ser uma medida com tempo determinado visando promover o aumento da produtividade.

Ao apresentar um Orçamento Geral de Estado dependente (excessivamente) das receitas provenientes do petróleo e de outros minerais, Angola mostra que um dos grandes riscos que os países exportadores de matérias-primas (commodities) minerais estão sujeitos é o desinvestimento na agricultura (dos 57.590.000 hectares disponíveis para o efeito, o país está a utilizar apenas 5,7%)8. Apesar de existir um programa de desenvolvimento agrário acoplado ao Mega Cluster Alimentação e Agro-indústria, conforme nos mostra o Programa Angola 2025, os ganhos recentes neste sector ainda não retiraram Angola da lista dos países em risco de deficit alimentar9.
Apesar de nos ter sido apresentado, por Collier (2006), como um ponto moderadamente fácil de ser implementado, Angola ainda tem um longo caminho a percorrer.

Em jeito de conclusão, podemos ver que alguma coisa já foi feita nos últimos 7 anos, especialmente no que toca aos aspectos macroeconómicos, o que é bastante positivo. Contudo, isso por si só não basta, é preciso políticas que visem assegurar aos cidadãos uma melhoria das suas condições sociais. Há indícios de existir alguma vontade politica, afinal já existe um programa de desenvolvimento a longo prazo "Angola 2025" e actualmente existe o "Plano Nacional de Desenvolvimento 2013 -2017". Angola, enquanto país, ainda tem pela frente 23 anos, dentro do horizonte temporal apresentado por Collier (2006) e 12 anos se tivermos em conta o programa "Angola 2025", para corrigirmos as debilidades identificadas nesta reflexão. Queremos acreditar que na nossa próxima revisão, possamos todos ter a certeza que estamos no caminho certo, rumo ao tão almejado desenvolvimento sustentável.

A ser assim, seria a primeira vez que um país da Africa Subsariana pudesse, contra todas as espectativas, surpreender pela positiva fazendo o que foi feito em outras partes do mundo (exemplo Ásia) mas muito raramente em África, i.e. reerguer-se de uma situação de pós-conflito para uma situação de prosperidade plena. As oportunidades que tiveram países como a Coreia do Sul e Taiwan, não são as mesmas que países como Angola têm hoje. A luz desta realidade e dos dois exemplos que nos foram dados, Nigéria e Malásia hoje, urge percebermos que amanhã, Angola, poderá não ter desculpas pelo seu fracasso.
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1 Este trabalho foi feito durante a minha estadia na School of Oriental and African Studies, Universidade de Londres como Chevening Scholar 2012-13.
2 Estas recomendações podem ser encontradas em Collier, P. (2006). "Angola: Options for Prosperity". Disponível através do endereço: http://users.ox.ac.uk/~econpco/research/pdfs/Angola-OptionsforProsperity.pdf
3 Para mais informação consulte o Relatório Angola Economic Outlook 2012, disponível: www.africaneconomicoutlook.org
4 Os dados podem ser acedidos através do endereço electrónico: http://data.worldbank.org/country/angola
5 G. Standing (2011). ‘How cash transfers promote work and economic security’, in J.K. Sundaram and A. Chowdhury (eds.), Poor Poverty: The Impoverishment of Analysis, Measurement and Policies. London and New York, Bloomsbury Academic, pp.197-221
6 Instituto Nacional de Estatística (2011). Inquérito Integrado sobre o Bem-Estar da População: Relatório Analítico – Vol. I, Luanda: INE, p. 129.
7 Contudo, Wanda (2013b) mostra que apesar desta concentração a economia esta a diversificar-se. 
8 Fonte: FAO http://www.countrystat.org/home.aspx?c=AGO&p=ke
9 Veja por exemplo, Wilson, Katy (2012) One Billion Hungry: Can we feed the world? Facts and Figure. Disponivel através do endereço: http://www.canwefeedtheworld.org/ acedido 12 Fev. 2013.

Bloom and Sachs (1998) paper and Angola’s loss of Economic Diversification

Came across a paper by Bloom and Sachs (1998), after having had the pleasure to see Sachs delivering a talk on former US Pres. Kennedy at LSE Ideas last Monday 15 July.
Well, I needed to read the paper as part of me setting up my literature review for my current research project on economic diversification in Angola. But, what caught my attention, and made me write about that, was not really anything more than the fact that researchers are often trying to explain why Africa (particularly its sub-Saharan part) is by all means (and measures) always lagging behind (with particular emphasis to economic development).
I really found their arguments interesting while at the same time annoying. They argue that geography seems to "conspire" against Africans making them less productive and prone to all sorts of malaise. Sure, they (as usual) provide all sort of evidence to support this main idea.
Some days ago, I read a book edited by Oya and Santamaria (2007) and found an interesting and curious observation that Oya makes on Bloom and Sachs (1998) paper, which he built from H-J Chang, that maybe (to escape this "geography curse") African countries should military invade those countries far from the tropics and eventually change their fate! This was just one more example of how Africa (and Africans) seem to be very often misrepresented, and how its problems tend to be looked at, by some researchers, without taking into account historical processes.
As I progress with my research on Angola, I see a country whose economy used to be diversified (I was surprised to find out that Angola was once the 4th world producer of coffee! So we had to have some agricultural knowledge and expertise to be there), oil was only found around the 50s and it was mainly during the war followed the independence from Portugal in 1975 that it took the prominence it has today. Would anyone call that "Dutch disease" or "resources curse" effect? I wonder how one would expect people to farm while bullets are being shot at them and when young people were being dragged to the front lines to fight, instead of being given chance to be educated and farm the land.