terça-feira, 29 de julho de 2014

O desenvolvimento Chinês e oportunidade para a criação de uma indústria manufactureira africana.

Justin Lin, ex-Economista Chefe do Banco Mundial e actualmente professor de economia na Universidade de Peking (que por sinal já tive o prazer de ouvi-lo numa apresentação sobre transformação estructural) é citado pela Bloomberg (22/07/2014) como tendo sugerido que na China cerca de 80 milhões de empregos no sector da indústria manufatureira poderão ser exportados para outros paises e avança mesmo que os paises africanos poderiam tirar aproveito dessa oportunidade.

Ok parece ser uma idéia interessante, mas será que isso é algo que os paises africanos gostariam mesmo de aproveitar? Se sim, o que poderão estes paises fazer para serem os beneficiados?

Vamos lá primeiro tratar de perceber por que razão a China está a “exportar” esses empregos. Uma resposta simple é devido ao aumento de salarios na China. Sim, os chineses já deram conta que em períodos de crise depender excessivamente das exportações é prejudicial, logo, a política agora é criar um mercado de consumo interno. Sendo esta a principal razão, uma vez que em termos de infraestructuras a grande maioria dos paises africanos têm sérios problemas e necessita de avultados investimentos a curto, médio e longo prazo (para os mais atentos essa necessidade foi uma das razões evocadas pelos BRICS a quando da recente criação do seu banco de desenvolvimento), os paises que desejarem atrair para si tais empresas deverão ser capazes de garantir BAIXOS salarios para as suas populações.

Então, será que isso significa que paises como Angola onde os trabalhadores lutam para verem melhoradas as suas condições sociais através, por exemplo, de um salario mais justo (e que realmente chegue até ao final do mês), estão impossibilitados de beneficiarem dessa grande oportunidade?

Sabendo que 37% da nossa população está a viver com menos de 4.793 Akz mês (cf. IBEP, 2009) adoptar uma política que procura manter barata a mão de obra por si só parece, em nosso entender, a menos apropriada. Afinal, depois de quase 30 anos de guerra é justo que o povo deseje, agora, gozar um pouco dos benefícios da paz através de um salário condigno. Contudo, em jeito de meio termo, poder-se-ia adoptar outras medidas que servissem de incentivo as empresas estrangeiras (neste caso empresas chinesas, mas poderiamos estender tais medidas a outras) que quisessem deslocar as suas operações para Angola. Conforme indiquei no post anterior,  24 de Julho, 2013,  e que volto aqui a mencionar, o governo poderia: garantir a população acesso a uma assistência médica básica com alguma qualidade, educação, habitação e a um sistema de transporte público condigno, através de uma boa aplicação das receitas provenientes do petróleo e de outros minerais.

Outras medidas que também já foram sugeridas (ver post de 9 de Agosto de 2013) têm haver com a criação de Zonas Economicas Especiais (ZEE) que no  caso de Angola já é um projecto em curso mas que está a precisar de reajustes conforme mencionei no post de 10 de Julho 2014. Nessas zonas as empresas estrangeiras poderiam desenvolver as suas actividades com um custo operacional mais aceitável.

Vale recordar que alguns paises asiáticos como o Vietname e Mianmar já estão a receber algumas dessas empresas (devido aos baixos salarios). Em África parece que apenas temos o caso da Etiopia que sendo o segundo país mais populoso a sul do Saara parece estar a tirar proveito deste factor. Paises como Angola que pelas razões já assinaladas não poderiam competir com salários baixos podem sim, uma vez criadas às condições acima mencionadas, tratar de divulga-las da forma mais eficaz e eficiente possível para tirarem também proveito desta soberana oportunidade.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

“O governo vai criar 1 milhão de empregos”

Fonte: Angop http://www.portalangop.co.ao/angola/pt_pt/noticias/politica/2014/6/30/Angola-Governo-cria-mais-milhao-emprego-ate-2017-Ministro-Chikoti,bed85c73-fb59-4514-b9fc-efd01b765278.html


E lá vamos nós de novo. Apresentar desafios/projectos gigantescos parece ser rotina nos dias de hoje. Antes foi“1 milhão de casas” que depois notou-se ser uma missão impossível no tempo dado. Parece que não aprendemos e voltamos agora a falar em 1 milhão de empregos até 2017! Ok, vamos lá dissecar isso: Será que já conseguimos dizer quantos empregos o país está a ser capaz de criar por ano? Em que sectores serão criados esses empregos? Que tipo de emprego será criado? Estes empregos vão ajudar a reduzir o desemprego no país em quantos porcentos? Já agora, saibam que é difícil obter dados sobre a taxa de desemprego em Angola.

Algum tempo atrás (ver post de 24 de Julho, 2013) expliquei neste fórum (e em algumas conferências internacionais) que criar emprego por criar, no caso relacionado com a desregulação do mercado do trabalho, através da flexibilização da Lei Geral do Trabalho em Angola, não ajudaria muito a população angolana no geral e em particular a juventude e nem tao pouco criaria a tão desejada estabilidade no emprego. Precisávamos identificar o tipo de empregos a criar, uma vez que poderíamos estar a criar empregos precários, isto é, empregos que não oferecessem nenhuma estabilidade laboral e muito menos garantia de melhoria das condições sociais dos potenciais beneficiários.

Sim, o executivo até poderia ficar pelos 100,000 empregos, dar-nos-íamos por satisfeitos, desde que fossem sustentáveis a longo prazo e que proporcionassem condições sociais condignas aos beneficiários.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

“A agricultura é a base e a indústria o factor decisivo”


Alguns de nós crescemos a ouvir o slogan “A agricultura é a base e a indústria o factor decisivo”. Tendo sido recentemente realizada a cimeira de chefes de estado / governo africanos em que este assunto foi um dos temas principais, urge reflectirmos um pouco sobre o mesmo tendo como pano de fundo a nossa realidade angolana.

Começamos por relembrar o que nos disse uma vez Jonathan Di John (Professor na SOAS, Universidade de Londres) que a história do desenvolvimento dos agora países desenvolvidos nos ensina que os mesmos atingiram este estágio por duas vias: 1º houve um aumento da productividade agrícola – uma espécie de revolução agrária, e 2º desenvolveram a indústria transformadora. Caso ainda haja dúvidas podemos citar o caso mais recente dos países asiáticos em que destacamos a Coreia do Sul e Taiwan, China e mais recentemente o Vietname (como exemplo de país que nos dias de hoje está a enveredar pelo mesmo caminho).

A luz desses exemplos urge perguntar “Porque razão, passados mais de 10 anos de paz a nossa luz no fundo do túnel parece um tanto quanto pálida?” Tentei buscar possíveis respostas para justificar a nossa letargia, a saber: 1º tivemos e ainda estamos a resolver os problemas das minas terrestre fruto do longo conflito armado; 2º estamos a criar infraestruturas de apoio como estradas, pontes e canais de irrigação; 3º já criamos alguns institutos agrários – para termos os nossos recursos humanos devidamente qualificados. No que toca a indústria estamos a criar as Zonas Económicas Especiais (ZEE).

Apesar de ter conseguido arranjar “desculpas”, pessoalmente não estou de todo convencido que se tudo isso estiver arrumado, a situação vai ser diferente pelo seguinte: Não existe um relatório actualizado que nos possa informar o que está sendo feito com os terrenos já desminados. Sei que Angola utiliza apenas 5,7% dos hectares disponíveis (de um total que acredito incluir os que ainda estejam minados, ver o meu post de 21 de Julho de 2013 neste blog). No que toca a infraestruturas, a grande questão que se têm colocado é a qualidade das mesmas (e a sua durabilidade), o que deixa-nos algumas reservas se tivermos em conta o custo VS benefício dessas obras. Estamos todos conscientes da ausência de um plano bem estruturado com vista a garantir aos recém-formados (nos institutos criados) uma rápida inserção no mercado de trabalho. Por último tomamos conhecimento, recentemente, que a administração de ZEE (Luanda-Bengo) estava a procurar atrair parceiros (investidores nacionais e estrangeiros) para os detentores de espaços (i.e. terrenos) naquela área. Apesar de uma notícia bastante interessante, não deixamos de ficar incrédulos uma vez que sabiamos que as pessoas interessadas só poderiam ter acesso a esses terrenos (que serão infraestruturados) caso tivessem UM PROJECTO INDUSTRIAL.

Como se pode compreender desta constatação, para que o nosso grande slogan “A agricultura é a base e a indústria o factor decisivo” tome corpo vai ser preciso algo mais do que remover minas terrestre, construir pontes e dar formação. Vamos ter que mudar de mentalidade, sair da chamada mentalidade “rent-seeking” (i.e. busca de rendimento fácil e/ou facilitado) para uma mais produtiva e empreendedora dando acesso a recursos e bens, a quem deles venha realmente a fazer uso multiplicador (gerando empregos, riqueza e pagando impostos).