Muito temos lido e ouvido sobre o aumento da dívida pública angolana
e acima de tudo sobre a rigidez da lei angolana sobre o assunto. Neste post não vamos tratar de dizer se a lei está certa ou errada, se devemos
ou não ‘violar’ a lei. Pelo contrário, vamos tratar de ver até que ponto essa
definição do tecto máximo da dívida pública tem razão de ser. Não pretendemos
esgotar o assunto com este post mas
sim incentivar os nossos leitores a reflexão.
Em Angola a Lei nº 1/14 que define o regime jurídico de emissão e
gestão da dívida pública directa e indirecta indica no seu artigo 3 alínea 3 que
“[a] divida pública, interna e externa, de curto médio e longo prazo, não deve exceder
60% do Produto Interno Bruto”. Ok, mas por quê 60% e não 45% ou mesmo 80%?
Ensina-nos a sabedoria popular que ‘quem deve paga’! Desta forma
manter a nossa dívida privada ou pública a um certo nível parece o mais sensato
a fazer. Contudo e em nome da já aludida sensatez precisamos perceber a razão do
tecto estabelecido. Para o caso do 60% do PIB, um caso mais sonante sobre este
tecto de dívida pública é o chamado critério
de Maastricht[1]
que define este, como um dos cinco aspectos que os países devem cumprir para
que possam aderir a união monetária europeia (a Zona Euro).
Olhando para a literatura, demos conta de um artigo (um paper) científico de 2010 que muito
influenciou o debate sobre o tecto máximo da dívida pública, da autoria de
Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff com o título Growth in Time of Debt [tradução directa: Crescimento em tempo de dívida][2]. Reinhart & Rogoff sugerem neste paper que quando a dívida atinge 60% do
PIB “growth declines by about two percent; for higher
levels, growth rates are roughly cut in half” [tradução directa: verifica-se
um declínio do crescimento de 2%; e para níveis acima [dos 60%], as taxas de
crescimento são cortadas pela metade]. Apresentado desta forma fica de certa
forma justificada a escolha do legislador nacional em definir 60% do PIB como o
tecto máximo da dívida
pública em Angola.
Para além disso fica
igualmente claro que por cá, quando a Lei nº 1/14 foi elaborada, os
nossos experts devem ter lido este paper
de 2010 e tido em consideração
muitas das implicações derivadas dele, como é o caso das medidas de austeridade
aplicadas em momentos de crise (podemos citar o caso europeu mais mediático da
Grécia e Portugal mas também no contexto africano e não só tais medidas vêem
sendo aplicadas).
Contudo no mundo académico, esse tipo de conclusão está sujeito
a um escrutínio rigoroso. Em 2013, no artigo “Does High
Public Debt Consistently Stifle Economic Growth? A Critique of Reinhart and
Rogoff” em que se propuseram
reanalisar os resultados apresentados por Reinhart & Rogoff (2010), Thomas
Herndon, Michael Ash e Robert Pollin todos da Universidade de Massachusetts nos
EUA, assinalam que após correcção das omissões encontradas no estudo de Reinhart
& Rogoff, os países na amostra que tinham uma dívida pública de 90% do PIB apresentavam um crescimento
de 2.2%, desmistificando a ideia de que acima dos 60% do PIB o crescimento
caí dramaticamente conforme sugerido por Reinhart & Rogoff e imposto no
contexto Europeu pelo critério de
Maastricht.
Mais recentemente num artigo publicado pela revista do FMI Finance & Development Junho 2016, Jonathan
D. Ostry, Prakash Loungani, e Davide Furceri assinalam que a teoria económica nos serve de muito
pouco no que toca a um aconselhamento quanto ao nível ideal de endividamento público. Do nosso lado, temos advogado neste blog para que em caso de
endividamento que os valores em causa sejam canalizados para a construção de
infra-estruturas (exemplo: água e energia eléctrica) capazes de darem suporte
ao sector manufactureiro e primário (agrário) pelas externalidades que esses
dois sectores podem gerar, assegurando ao Estado o tão desejado fiscal space (i.e. amplitude fiscal que se
traduz no aumento de contribuintes). Para a construção de infra-estruturas
ligadas a saúde, educação e transportes públicos capazes de subsidiarem a
actividade empresarial privada. Enfim, que a dívida socializada nos traga
prosperidade!
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