sábado, 13 de agosto de 2016

Sobre a necessidade de um tecto máximo da dívida pública em Angola: 60% do PIB faz a diferença?

Muito temos lido e ouvido sobre o aumento da dívida pública angolana e acima de tudo sobre a rigidez da lei angolana sobre o assunto. Neste post não vamos tratar de dizer se a lei está certa ou errada, se devemos ou não ‘violar’ a lei. Pelo contrário, vamos tratar de ver até que ponto essa definição do tecto máximo da dívida pública tem razão de ser. Não pretendemos esgotar o assunto com este post mas sim incentivar os nossos leitores a reflexão.

Em Angola a Lei nº 1/14 que define o regime jurídico de emissão e gestão da dívida pública directa e indirecta indica no seu artigo 3 alínea 3 que “[a] divida pública, interna e externa, de curto médio e longo prazo, não deve exceder 60% do Produto Interno Bruto”. Ok, mas por quê 60% e não 45% ou mesmo 80%?

Ensina-nos a sabedoria popular que ‘quem deve paga’! Desta forma manter a nossa dívida privada ou pública a um certo nível parece o mais sensato a fazer. Contudo e em nome da já aludida sensatez precisamos perceber a razão do tecto estabelecido. Para o caso do 60% do PIB, um caso mais sonante sobre este tecto de dívida pública é o chamado critério de Maastricht[1] que define este, como um dos cinco aspectos que os países devem cumprir para que possam aderir a união monetária europeia (a Zona Euro).

Olhando para a literatura, demos conta de um artigo (um paper) científico de 2010 que muito influenciou o debate sobre o tecto máximo da dívida pública, da autoria de Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff com o título Growth in Time of Debt [tradução directa: Crescimento em tempo de dívida][2]. Reinhart & Rogoff sugerem neste paper que quando a dívida atinge 60% do PIB “growth declines by about two percent; for higher levels, growth rates are roughly cut in half” [tradução directa: verifica-se um declínio do crescimento de 2%; e para níveis acima [dos 60%], as taxas de crescimento são cortadas pela metade]. Apresentado desta forma fica de certa forma justificada a escolha do legislador nacional em definir 60% do PIB como o tecto máximo da dívida pública em Angola.  

Para além disso fica igualmente claro que por cá, quando a Lei nº 1/14 foi elaborada, os nossos experts devem ter lido este paper de 2010 e tido em consideração muitas das implicações derivadas dele, como é o caso das medidas de austeridade aplicadas em momentos de crise (podemos citar o caso europeu mais mediático da Grécia e Portugal mas também no contexto africano e não só tais medidas vêem sendo aplicadas).

Contudo no mundo académico, esse tipo de conclusão está sujeito a um escrutínio rigoroso. Em 2013, no artigo “Does High Public Debt Consistently Stifle Economic Growth? A Critique of Reinhart and Rogoff” em que se propuseram reanalisar os resultados apresentados por Reinhart & Rogoff (2010), Thomas Herndon, Michael Ash e Robert Pollin todos da Universidade de Massachusetts nos EUA, assinalam que após correcção das omissões encontradas no estudo de Reinhart & Rogoff, os países na amostra que tinham uma dívida pública de 90% do PIB apresentavam um crescimento de 2.2%, desmistificando a ideia de que acima dos 60% do PIB o crescimento caí dramaticamente conforme sugerido por Reinhart & Rogoff e imposto no contexto Europeu pelo critério de Maastricht.   

Mais recentemente num artigo publicado pela revista do FMI Finance & Development Junho 2016, Jonathan D. Ostry, Prakash Loungani, e Davide Furceri assinalam que a teoria económica nos serve de muito pouco no que toca a um aconselhamento quanto ao nível ideal de endividamento público. Do nosso lado, temos advogado neste blog para que em caso de endividamento que os valores em causa sejam canalizados para a construção de infra-estruturas (exemplo: água e energia eléctrica) capazes de darem suporte ao sector manufactureiro e primário (agrário) pelas externalidades que esses dois sectores podem gerar, assegurando ao Estado o tão desejado fiscal space (i.e. amplitude fiscal que se traduz no aumento de contribuintes). Para a construção de infra-estruturas ligadas a saúde, educação e transportes públicos capazes de subsidiarem a actividade empresarial privada. Enfim, que a dívida socializada nos traga prosperidade!



[1] http://glossary.reuters.com/?title=Maastricht_Criteria
[2] http://www.nber.org/papers/w15639

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