domingo, 24 de setembro de 2017

Para quando as metas concretas (por empresa) e disciplina no sector empresarial público em Angola?

Essa foi a pergunta feita por nós quando explicamos na edição 421 de 12 de Maio do jornal Expansão que ‘disciplina’ era o que o sector público angolano necessitava. Assim sendo, não foi nossa surpresa ler na edição 439 de 15 de Setembro do Expansão que de um universo de 75 empresas públicas, 51 apresentaram as contas (das restantes 24 não se tem notícias) e ainda assim destas 51 empresas apenas 11, 21%, tiveram as contas aprovadas sem reservas. Notem que isso acontece apesar de no dia 21 de Julho 2015, o Expansão ter noticiado[1] que o ISEP, na pessoa do seu PCA, informou que “as empresas públicas deverão chegar até ao ano de 2017 com as contas homologadas sem reservas.” Existe prova maior de indisciplina?

Deste exercício subentendesse que existe uma desproporcional correlação de forças entre a instituição que deve controlar o sector empresarial público i.e. o ISEP e a gestão das empresas publicas angolanas i.e. o Conselho de Administração dessas empresas. Até agora tudo indica, pelos resultados divulgados, que a gestão do ISEP não tem o mesmo capital político i.e. apoio da superestrutura governativa, de que parecem gozar os gestores dessas empresas públicas que teimam em não prestar contas da sua gestão. Será que este quadro vai mudar quando o presidente eleito for empossado? A ver vamos!

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Desvalorização do Kwanza condição para a retoma do crescimento económico em Angola?

Temos acompanhado com alguma atenção o debate em torno da necessidade de se desvalorizar o Kwanza, como forma de reduzir-se a pressão sobre as reservas internacionais líquidas (RIL), e assegurar a retoma do crescimento económico em Angola. Contudo, não podemos deixar de assinalar que nesta conversa está-se a perder de vista o facto de que hoje em Angola o acesso a moeda externa é fortemente controlado pelo Banco Nacional de Angola nas vestes de banco central e isso tem outras implicações.

Partimos do princípio que compreendemos, para o caso de Angola, que um Kwanza forte pode ser bom (a curto prazo) para os consumidores que têm as suas poupanças em moeda nacional mas que, a longo prazo, acaba por desencorajar a produção nacional, fazendo acentuar ainda mais a dependência dos recursos financeiros provenientes da venda de recursos naturais para sustentar a importação de produtos acabados. Esta situação num contexto em que as RIL de Angola registam uma queda progressiva desde 2013 não seria viável. Uma solução, muitas vezes proposta, passa por desvalorizar a moeda nacional, por formas a tornar mais competitiva a produção nacional e desta forma incentivar a exportação, e por essa via enfraquecer o poder de importação de produtos acabados.

O problema desta solução, no actual contexto angolano, não é apenas o processo eleitoral em curso e o custo político que uma medida de desvalorização da moeda acarreta. Existe a necessidade de compreendermos que em Angola existe uma forte restrição no acesso a moeda externa e isso faz com que contrariamente ao que nos indicam os manuais i.e. desvalorização da moeda (A) à dificulta acesso a divisas (B) à redução das importações (C) àincentiva a produção local de bens e serviços (D) de onde se depreende que B (dificultar acesso a divisas) é necessário para D (incentivar a produção local de bens e serviços) ter lugar, podemos afirmar que já existe B (dificuldade de acesso a divisas) sem A[1] (desvalorização da moeda). Tal posição está visível no OGE de 2016 Revisto onde se explica, na página 16, que “ [e]m 2013, a importação de alimentos cifrou-se em USD 450 milhões, USD 465 milhões, em 2014; em 2015, a importação de alimentos caiu severamente cerca de 27,%, passando para USD 338 milhões.” Pelo que, propor A (desvalorização da moeda) como solução para D (incentivar a produção local de bens e serviços), em nosso entender, pode não ser a melhor opção.

Desvalorizar o Kwanza nesse contexto poderia ter um efeito adverso naquelas indústrias que precisam de (1) renovar os equipamentos, (2) assistência técnica especializada temporária num contexto de renovação de equipamentos, (3) por tempo determinado importar matéria-prima localmente indisponível. Esta posição (1 e 2) é sustentada pelo Anuário de Estatística de Comércio Externo-2016 do INE que nos indica que a importação de máquinas e aparelhos representa 24,71% da estrutura de importação de Angola (a maior fatia). Como nos explica David Ricardo na sua obra On the Principles of Political Economy and Taxation (pág. 271) o país que não investe em maquinaria, i.e. tecnologia, acaba por exportar capital para os países que assim procedem uma vez que a produção local de bens e serviços deixa de ser competitiva.  

Numa outra comunicação[2] indicamos que a intervenção do banco central i.e. o BNA, neste cenário, deveria ser no sentido de “capitalizar preferencialmente o sector produtivo”, através da identificação (por meio de uma politica industrial selectiva gizada pelos órgãos competentes do Executivo) “daquelas indústrias que se mostrassem viáveis de a médio prazo tornarem-se competitivas a nível regional e global, com forte potencial de crescimento no que toca a criação de empregos (necessários para as economias em transição), receitas e volume para exportação” trazendo divisas para economia. Tal medida acoplada a uma política de incentivo ao repatriamento dos dividendos dos investimentos angolanos no exterior (em 2015 passou a fasquia dos 20.000 milhões de dólares norte-americanos, quando neste momento as RILs de Angola situam-se a volta dos 18.026 milhões de dólares norte-americanos) contribuiria para que as empresas fizessem “o fluxo financeiro das divisas para a economia” conforme desejo expresso pelo senhor Governador do BNA numa entrevista.

Contudo, se olharmos para os dados do Anuário de Estatística de Comércio Externo-2016 notamos que os combustíveis representam 92,97% das exportações e que contrariamente ao que nos apresenta as Linhas Mestras para a Definição de uma Estratégia para a Saída da Crise Derivada da Queda do Preço do Petróleo No Mercado Internacional os produtos identificados como exportáveis a curto prazo continuam a espera de melhores dias.

Apresentado desta forma podemos ver que não se está a fazer chegar recursos a aqueles sectores e produtores que poderiam rapidamente gerar um efeito multiplicativo essencialmente por via do aumento da demanda intersectorial[3]. De facto, um estudo feito pelo BNA em 2013, Estudo do Desenvolvimento Equilibrado da Função de Crédito na Economia Angolana, mostra-nos que deixar que o mercado regule por si só o processo de alocação de recursos (no caso crédito) num país em transição, como Angola, parece ter impossibilitado que o sector produtivo, aquele capaz de gerar empregos sustentáveis em especial para a juventude, tivesse os recursos financeiros de que necessita para se reerguer e transformar a economia. Ao invés disso, o BNA, através deste estudo, identifica o sector de serviços seguido do comércio como os maiores beneficiários de crédito em Angola. Pelo que, mais do que priorizar uma desvalorização da moeda para retoma do crescimento económico, Angola, através do BNA e do seu Governador, precisa sim de rever o actual processo de alocação de divisas. Acreditamos que continua ainda válida a questão colocada anteriormente2 i.e. “terá o BNA e o seu Governador a capacidade de monitorizar e assegurar que as divisas disponibilizadas sejam canalizadas para o sector produtivo e não usadas na aquisição de propriedades e bens de luxo no exterior?” a resposta até ao momento, infelizmente, não é positiva.

* Versão anterior foi publicada no Novo Jornal online e esta disponível aqui:




[1] Se tivermos em conta as variações da taxa de câmbio BNA podemos dizer que tem havido uma desvalorização tímida (2013 taxa média Kz/USD 97.619 Dez.; 2014 taxa média Kz/USD 103.069 Dez.; 2015 taxa média Kz/USD 135.315 Dez.; 2016 taxa média Kz/USD 165.903 Dez.) contudo é assinalável a grande discrepância com relação ao mercado informal.
[2] Wanda, F. (2017) 'Papel do BNA em tempo de crise - Convidado', Expansão, Edição 419 28 Abril.
[3] Que poderia, por exemplo, contribuir para substituir a necessidade de importação de matéria-prima apresentada no para. 3.