Recentemente
fomos convidados a reflectir sobre os desafios da autonomia financeira que as
futuras autarquias deverão gozar, por formas a poderem corresponder as
expectativas. Todavia, o actual debate parece ter sido sequestrado pelos
políticos e centrasse muito no processo eleitoral. Um aspecto que parece ‘esquecido’
e que precisa ser tido em conta é a sustentabilidade desta mesma
autonomia.
Em Moçambique[1], por exemplo, as autarquias
criadas em 1997 eram inicialmente financiadas por três vias (1) receitas
provenientes de serviços prestados e licenças atribuídas; (2) transferências
fiscais do Governo Central (1,5 por cento das receitas totais); (3) contratação
de créditos com limitação[2]. Ainda assim as autarquias
tiveram dificuldades de gerarem as suas receitas, em função do aumento da
população e consequente aumento da demanda por serviços, ficando estas muito
dependentes das transferências fiscais.
A
ideia de descentralizar para assegurar uma melhoria na condição de vida das
populações, para o caso de África, veio como uma exigência das
organizações financeiras internacionais, i.e., como condição para estes países
acederem a ajuda internacional para o desenvolvimento. Com o fracasso do pacote
de reformas introduzidas através dos chamados programas de ajustamentos
estruturais[3],
criou-se uma ‘Agenda para Boa Governação’[4] i.e. medidas que uma vez
implementadas poderiam então garantir o desenvolvimento dos países. Ao Estado
ficou reservado, no âmbito desta agenda, o papel de assegurar o funcionamento
dos mercados, a participação da sociedade civil, prestação de contas bem como
proteger o direito a propriedade.
Sem dúvidas
a descentralização do poder traz grandes benefícios. Ela melhora a
identificação das necessidades das populações, facilita a oferta de bens e
serviços, a capacidade de executar e controlar, favorece a democratização e
promove a transparência. Todavia, é imperioso que isso seja feito de forma sustentável.
No
contexto angolano discute-se mais se a implementação das autarquias deverá ser
de forma gradual ou global e perde-se de vista a necessidade desta
descentralização e consequente autonomia financeira ser sustentável a longo
prazo. Vale realçar que a eleição apenas resolve o ‘problema do cágado
na árvore’, i.e., o futuro autarca não poderá alegar que foi colocado
naquela posição, ficando
implícita a ideia de não prestar contas a população local. Porém, fica por se discutir, por exemplo, a necessidade
de quadros qualificados para elaborarem (e gerirem) orçamentos que vão de
encontro as aspirações dessas populações. Neste aspecto Angola pode beneficiar
das experiências do Brasil e Moçambique, onde optou-se pela elaboração de
orçamentos participativos.
Em
Angola pensa-se financiar as autarquias através das receitas
provenientes do Imposto Predial Urbano, Sisa e taxa de circulação bem como
derramas. Olhando para a sustentabilidade dessa autonomia financeira o
município do Lobito, pelas fontes de financiamento indicadas, está melhor que,
por exemplo, o Cubal. As transferências fiscais do Executivo podem jogar um
papel preponderante sendo maior para o Cubal do que para o Lobito. Porém, com o
aumento da população segue o aumento da demanda por serviços. Conhecendo a
forma de cobrança do IPU e que o aumento das receitas da taxa de circulação
implica um aumento de veículos em circulação, prejudicial para o ambiente, aumentar
essas receitas pressupõe um aumento da renda da população.
Esta
possibilidade é, contudo, contrariada pelo fraco crescimento médio do
PIB de 3,0% cf. PDN 2018-2022. Tendo em conta a redução significativa da
actividade empresarial (o INE indica que estavam em actividade apenas 46.096
empresas em 2016) podemos prever sérias dificuldades para as futuras autarquias.
O petróleo tem ainda um peso considerável nas receitas fiscais do Estado,
porém, o preço não depende do Executivo. Nestas condições fica difícil assegurar
a melhoria das condições de vida das populações.
Enfim,
ao avançar com a criação das autarquias o Executivo mostra vontade de
querer promover uma maior participação da população na gestão pública, o que fortalece
o processo democrático em Angola. Todavia, ao apresentar uma estratégia incapaz
de gerar um crescimento médio do PIB acima dos 7%, para os próximos 5 anos, o
Executivo arrisca-se a tornar financeiramente insustentável o processo de descentralização
que se propõe.
*Inicialmente publicado no Jornal Expansão, Edição 482 de 20 de Julho 2018
[1]Nguenha, E. (2009) ‘A Primeira Reforma Fiscal Autárquica em Moçambique’, IDeIAS Boletim nº 16, 24 Junho.
[2]Crédito
de curto prazo para atender situações de tesouraria devendo ser reembolsado no
exercício fiscal em que é contraído.
[3]Cf. Wanda (2017) ‘Solução para recuperação da economia? Repatriar o capital de angolanos no
estrangeiro já – Convidado’, Expansão, Edição 440.
[4]World
Bank, World Development Report: The State
in a Changing World (Oxford: OUP, 1997), pp. 19-38.
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