Hoje é comum descrever-se o Estado em geral e muito particularmente o
sector público como um ‘peso morto’. Olhando particularmente para o caso de
Angola, salta a vista os 25 mil novos funcionários públicos admitidos em 2017[1] em tempo de crise. Na
ânsia de mostrar uma mudança de paradigma o Executivo Angolano anunciou que o
Estado iria “limitar-se à promoção do
crescimento da economia” [2] sem
que todavia, indicasse o que o Estado, em Angola, passaria a fazer de concreto. Isso porque, como
analisamos num outro texto[3], essa mudança de papel do
Estado pode ser muito mais desafiante e
como tal difícil de ser implementada pelo actual Executivo. Neste texto vamos
analisar como o papel histórico do Estado no processo de promoção da inovação
tem sido negligenciado no actual debate sobre o papel do Estado.
No último fórum sobre a Governação em África realizado na cidade de Kigali,
Ruanda sob a égide da Fundação Mo Ibrahim, a Professora Mariana Mazzucato[4] nos recordou, por exemplo,
que foi a ambição do Estado Americano de querer chegar à Lua (e neste processo
suplantar os Soviéticos) que permitiu a inovação em vários sectores com ramificações lucrativas para o sector
privado. A ideia do sector público ser uma estrutura velha e amorfa e o privado ser visto como dinâmico apesar de ser
dominante, diz-nos a Professora Mazzucato, é historicamente errada por mascarar o facto de ter sido o sector
público que financiou as grandes
descobertas científicas que catapultaram o desenvolvimento a nível global.
Como explica a Professora Mazzucato poucas pessoas sabem e fazem referência
hoje ao facto de que a gigante Apple, empresa criadora do telemóvel iPhone e que poderá atingir um valor em
bolsa de USD1.000 milhões (i.e. segundo o jornal Expansão de 15 de Junho seria dez vezes o PIB de Angola) foi
inicialmente financiada pelo Estado Americano. Hoje, muitos experts acreditam que ao Estado deve estar
reservado essencialmente o papel de resolver
as falhas de mercado.
Sobre a reforma do sector público em Africa, por exemplo, o Professor
Joseph Ayee[5]
escreve que contrariamente ao que era defendido pelas instituições financeiras
internacionais como o Banco Mundial e o FMI, não é o tamanho do Estado que importa mas sim o que o Estado é ou
não capaz de fazer com a eficiência e eficácia desejada. Isto significa que se
o excesso de ‘gordura’ tornar o
sector público numa estrutura amorfa, então devemos reduzir até torna-la numa
estrutura mais funcional. Todavia, fique
claro que os dados empíricos não indicam uma relação de causa- efeito (i.e.
redução do tamanho do sector publico leva necessariamente ao aumento da
eficiência e eficácia) já que uma redução do Estado pode não levar a uma
melhoria da qualidade dos serviços prestados. Ao reduzir-se os custos, através
da redução dos salários pela redução de pessoal pode-se, como consequência desta acção, elevar o custo indirecto para o
cidadão, derivado da má qualidade do serviço prestado como parece ser o caso do
Assento do Nascimento na 1ª
Conservatória de Luanda, conforme apresentado num outro texto[6].
Nesta nova fase do desenvolvimento de Angola que se busca a diversificação
da economia e o aumento das exportações, acreditamos que o Estado deve ser,
acima de tudo, um promotor da inovação
na economia. Para que tal seja possível é necessário que o Estado reveja a missão das suas instituições, uma vez
que qualquer processo de inovação envolve experimentação
e consequentemente riscos. Isto é necessário especialmente num contexto de
desenvolvimento tardio que
caracteriza Angola e muitos países africanos. Por incrível que pareça a palavra
‘inovação’ aparece apenas duas (2)
vezes no documento de apresentação do PRODESI (um documento de 67 páginas) de
Janeiro de 2018, ao passo que a palavra ‘desenvolvimento’ aparece 32 vezes.
Desta breve constatação podemos inferir o tipo de desenvolvimento que se
pretende alcançar em Angola.
Todavia, uma das lições que se
pode tirar da necessidade do Estado ser um agente da inovação na economia é o
facto de a inovação estar associada ao
crescimento da indústria transformadora. Isso porque é através da criação
de capacidades produtivas locais que
se promove a inovação e o surgimento de novos empregos. Neste ponto voltamos
mais uma vez a fazer recurso ao que nos indica a Economista Norte-americana
Alice Amsden[7], i.e.,
que os investidores locais contribuam substancialmente para criação de competências e melhoramento das tecnologias de produção através de uma aposta na Investigação e Desenvolvimento, factores importantes para produção de produtos de valor
acrescentado.
Enfim, pensar no sector
público como um ‘peso morto’ não é apenas historicamente errado como também
exonera o Estado das suas responsabilidades no que a promoção e difusão da
inovação (a todos os níveis e sectores) diz respeito. Pelo que, é valido desejar
que a reforma do Estado que o Executivo angolano pretende
levar acabo, para além de contribuir para a melhoria da qualidade do serviço
prestado ao cidadão conforme defendemos6, sirva também para incutir um espírito
inovador no sector público angolano.
*Publicado inicialmente no Jornal Expansão
edição 478, 22 Junho 2018. http://www.expansao.co.ao/artigo/97491/o-estado-como-agente-promotor-da-inovacao-?seccao=7
[5] Ayee, J. (2008) Reforming
the African Public Sector: Retrospect and Prospects. CODESRIA Green Book.
[6]Wanda, F. (2018) ‘Na
prestação de serviços públicos, a percepção dos cidadãos é a realidade do
Estado!’ Expansão, Edição 472, 11 Maio.
[7]Amsden,
A. (2007) ‘Nationality of Firm Ownership in Developing Countries: Who Should
‘Crowd Out’ Whom in Imperfect Market?’ In
Momigliano Lecture 2007. pp. 287–310.
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