A conhecida Lei de Say indica-nos
que ‘a oferta cria a sua própria demanda’. Todavia, a realidade prática muitas vezes apresenta-nos
situações onde podemos ver que a teoria não se ajusta a realidade (i.e. devido
as chamadas falhas de mercado). Tal parece ser o caso do sector da educação (com especial referência ao ensino superior) em
África, de um modo geral, onde registasse um nível de instrução superior ao
registado em períodos anteriores, nomeadamente após as independências, mas
ainda assim as taxas de desemprego continuam altas[1]. Para
o caso de Angola apesar do aumento do número de estudantes matriculados, de 13.
861 em 2002 para 286.000 em 2016 e registar-se um aumento de instituições de
ensino superior, o desemprego ainda é uma preocupação especialmente desde 2015,
período em que verificou-se um acentuado arrefecimento da economia. Este texto
vem complementar algumas das ideias apresentadas num outro texto[2], analisando
desta feita as razões da ausência de
demanda para a oferta de uma mão-de-obra cada vez mais instruída.
Hoje parece ser inegável que
em Angola assistimos uma situação de desemprego
persistente. Apesar do Relatório Sobre
Emprego publicado pelo INE em Setembro de 2017 indicar uma taxa de
desemprego de 20% entre a população com 15 – 64 anos, este mesmo relatório
também indica que o desemprego chega aos 38% entre os jovens dos 15 – 24 anos
altura em que muitos terminam o
ensino superior. Essa situação é agravada,
ainda mais, com o aumento anual da oferta
de graduados, por parte das instituições do ensino superior, sem que haja
uma alteração a nível da demanda.
De facto, o Boletim Estatístico do Ensino Superior
de 2016 indica, por um lado, que em 2015 foram colocados no mercado 12.395
graduados aumentando para 14.735 em 2016. Por outro lado, o Anuário de Estatísticas das Empresas do
INE referente ao período de 2013 – 2016, indica que das 152.359 empresas
registadas em 2016 estavam em actividade apenas 46.096 empresas. É importante notar
que dessas empresas em actividade 50.3%
pertencem ao sector do comércio, que
como se sabe em Angola é muito dependente da importação o que produz uma
pressão nas reservas internacionais líquidas. O sector da indústria
transformadora, aquele capaz de gerar uma economia de escala e facilitar
as interligações sectoriais, apesar
dos investimentos feitos a nível dos polos de desenvolvimento industriais,
ainda representa cerca de 5.5%. Estes dados ilustram bem a necessidade do Executivo adoptar políticas pragmáticas capazes de
inverterem este quadro.
O desemprego persistente acaba por ser, como nos sugere Delong (2012)
no longo prazo, um impedimento para a recuperação
económica de um País. Para o caso de Angola é frequente ouvirmos os
empregadores reclamarem da qualidade dos candidatos ao emprego. Um estudante
recém-graduado que não encontra
inserção no mercado de trabalho corre o risco,
a medida que o tempo passa, de ver as suas habilidades e competências
adquiridas ao longo do seu período de formação tonarem-se obsoletas sem que delas o País e o próprio indivíduo tenham tirado
proveito. Esta situação pode obrigar a um reinvestimento na formação deste
individuo ou, na ausência de incentivos, levar ao recrutamento de mão-de-obra
expatriada. Infelizmente, este problema não tem merecido a devida atenção do
Executivo.
O facto do sector da indústria transformadora, que comporta subsectores intensivos em mão de obra, representar
apenas 5.5% das empresas em actividade serve para ilustrar o nosso argumento de
que não se tem feito chegar recursos a aqueles segmentos e produtores que
poderiam rapidamente gerar um efeito
multiplicativo[3].
Como consequência, o fraco desempenho que
a economia angolana registou nos últimos dois anos[4],
dados recentes do INE indicam um desempenho negativo de -2,6% em 2016 e -2,1%
em 2017 i.e. duas recessões, não gerou
demanda suficiente para absorver a oferta de mão-de-obra graduada (i.e. com
licenciatura concluída) disponível no mercado, com o agravante do Executivo
apresentar soluções que, até prova em contrário, têm-se mostrado demasiado
complexas para serem implementadas nos prazos avançados. Esta realidade faz com
que, segundo o INE, 67% dos jovens desempregados
desistam de procurar empregos.
Para se quebrar este ciclo que
parece estar a tornar-se vicioso urge, por exemplo, compreender e resolver os
constrangimentos que impedem as empresas registadas de darem início a sua
actividade. No período em análise este número passou de 59.056 empresas em 2013
para 104.088 em 2016. Analisando particularmente o sector da indústria
transformadora notasse que em 2013 aguardavam início 3.568 empresas e em 2016
este número passou para 5.197 empresas caso que deveria merecer a devida
atenção dos órgãos competentes, a nível do Executivo, dada a especificidade
deste sector num processo de transformação estrutural.
Enfim, se por um lado é
importante que se aposte na formação da mão-de-obra em Angola, também não é
menos importante tratar de se criar condições para que haja demanda para a
oferta existente. O facto de mais de metade das empresas em actividade em 2016
pertencer ao sector do comércio mostra que o mercado, por si só, não vai
corrigir essa falha. Pelo que, o Executivo, no seu ‘novo’ papel de regulador e coordenador, deve corrigir este mal. Afinal, como indicamos num
outro texto[5], é
imperioso que o Chefe do Executivo compreenda que o sucesso de Angola não pode
estar dependente da flutuação ascendente do preço do petróleo nos mercados
internacionais mas sim, de objectivos realistas e atingíveis no espaço de tempo
definido.
*Publicado inicialmente no Jornal Expansão: Wanda, F. (2018)
‘Quando a oferta não cria a sua própria demanda’ Edição 476,
8 Junho. http://www.expansao.co.ao/artigo/96338/quando-a-oferta-nao-cria-a-sua-propria-demanda?seccao=7
[1] Wanda, F. (2017) “Se África Está no ‘Ponto de Inflexão’,
O Que Será da Juventude em Angola: Ameaça ou Força para o Desenvolvimento? –
Analise”, Novo Jornal (online).
[2] Wanda, F. (2018) ‘Emprego, juventude e desemprego: Será
2018 diferente?’ Expansão, Edição 454, 5 Janeiro.
[5]
Wanda,
F. (2018) ‘África precisa de ‘correr’, já o Executivo em Angola tem que encetar um sprint! Expansão, Edição 468, 13 Abril.
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