A quando do lançamento do Programa de Apoio
à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição de Importações foi
anunciada a saída do Estado do sector produtivo. De facto ao lermos este
programa vemos que o Estado vai passar a “assumir um papel regulador e coordenador”,
mas não nos é dito as razões pelas quais as unidades produtivas criadas não
foram capazes de atingir um nível de produtividade aceitável. Assim sendo, urge
reflectir sobre o papel que se deseja para o Estado nesta fase do
desenvolvimento de Angola.
No período pós-guerra o
modelo de intervenção facilitou a criação de empresas e institutos públicos
cujo resultado não se reflectiu num aumento da produtividade mas sim, num custo
acrescido ao erário público já que estas instituições foram dotadas de conselhos
de administração relativamente extensos, sem que se possa hoje aferir o seu
desempenho. Quando começou-se a estruturar o sistema económico nacional e criar-se ‘grupos económicos angolanos conscientes
e fortes’ visando garantir a ‘nossa independência’, como defendeu o ex-presidente
José Eduardo dos Santos em 2015, muitos destes grupos acabaram por não implementar os projectos para os
quais lhes fora alocado e disponibilizado recursos. Todavia, faltou ao
Executivo capacidade para disciplinar,
através de uma componente de
condicionalidade com cláusulas explícitas de penalização os promotores em caso
de incumprimento das metas definidas. Essa inacção faz-nos pensar que tais
intervenções, em alguns sectores, visaram apenas criar condições para acumulação primitiva, de alguns
eleitos, quando poderiam marcar o
início de um processo de transformação estrutural.
Concordamos que o Estado não
pode chamar para si a responsabilidade de produzir todos os bens e serviços de
que a sociedade necessita. Por exemplo, produzir uniformes e botas ou mesmo os
alimentos para o exército, conforme defendeu um Ministro de Estado[1],é
algo que pode muito bem ser eficientemente coordenado com o sector privado. Contudo,
a função de agente regulador e coordenador não é menos exigente. Pelo
contrário, os estudos desenvolvidos pelo Prof. Mushtaq Khan[2] da
SOAS, Universidade de Londres mostram que essa função exige muito mais capacidade de disciplinar e competência por parte do Estado, duas
qualidades que o Executivo precisa melhorar. Pelo que, nada nos garante sucesso
nessa mudança de papel. Por outro lado, se a razão
desta mudança é por questões ideológicas,
i.e. procurar adoptar uma ideologia mais neoliberal
(i.e. pró-mercado), como compreender, por exemplo, a resistência na aplicação de um imposto pesado, visando desencorajar
a ocupação improdutiva de terrenos?
Nas nossas reflexões temos enfatizado
que o papel do Estado
deve ser qualitativamente diferente a
medida que os países vão progredindo. Se tivermos em conta que a mentalidade de grupo[3],
em Angola, tem manchado a qualidade das intervenções do Estado, a pergunta que urge fazer-se à luz desta
decisão do Executivo é o que passará o Estado a fazer de concreto ao “limitar-se à promoção do crescimento da economia”[4]? Uma intervenção do Estado como ‘regulador’ é susceptível de criar rendas (i.e. um fluxo de receita muito
acima do esperado em condições normais). A disputa
pela captura dessas rendas pode comprometer a qualidade da intervenção,
especialmente num contexto de consolidação
do empresariado nacional. Para coordenar o tipo de desarticulação
sectorial que identificamos[5]
em Angola, o Executivo precisa de ter uma visão clara e realista do que deseja
alcançar a médio e longo prazo. Atenção que não estamos a falar do PND e Angola 2025, mas sim de programas menos
ambiciosos e mais exequíveis. A elaboração destes programas exige subsídios, à
partida, dos principais intervenientes.
Todavia, o problema de Angola não é apenas uma questão de Economia, i.e. alocação de recursos, mas sim de Economia Política, i.e. perceber como o
poder político tem estado a influenciar a distribuição de renda entre os diferentes
intervenientes e/ou a bloquear a penalização dos menos eficientes (mais
corruptos). A ‘promoção do crescimento da economia’ como apresentado pelo
Executivo5 exige muito mais do que se possa pensar. Tudo
começa com a disponibilidade de dados
fiáveis para que se saiba o momento
oportuno para intervir, os sectores
a intervencionar, de preferência aqueles com a possibilidade de expansão para
os mercados externos e maior retorno, passando pela disponibilidade de quadros competentes capazes de executar
essa mesma intervenção com o mínimo de corrupção,
para sermos realistas.
Neste novo papel os
departamentos ministeriais precisam ter uma missão clara e possuírem os recursos
necessários (humanos e materiais), o que não se compadece, em tempo de
crise, com uma excessiva dependência
em consultoria externa. Os dados empíricos mostram que o Estado joga um papel
preponderante na facilitação da aprendizagem de novas técnicas de produção e
aquisição de tecnologias. Isto implica conceder
benefícios aos empreendedores. Apesar do PRODESI (pág. 8) indicar que desta
vez haverá uma contrapartida para se
aceder/manter tais benefícios, todavia, o documento não nos indica como o
Executivo se propõe executar as exigências identificadas. O Estado vai também precisar
de adoptar ‘políticas de Robin Hood’
i.e. tirar dos ricos para dar aos pobres. Contudo, vale questionar se tendo
sido o Estado o criador dos novos
ricos, estará agora capaz de nivelar o campo de jogo? Parece-nos que o Executivo enfrenta uma crise existencial.
Publicado anterior como:
Wanda, F. (2018)
‘Que Papel para o Estado’. Expansão, Edição 470, 27 April. http://www.expansao.co.ao/artigo/94807/que-papel-para-o-estado?seccao=7
[1]ANGOP (6 Fev. 2018) ‘FAA devem ser auto-suficientes -
Pedro Sebastião’. http://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/politica/2018/1/6/FAA-devem-ser-auto-suficientes-Pedro-Sebastiao,00b91f9c-9fc6-409d-b8f0-8e79bf7591ba.html
[3]
Wanda, F. (2018) ‘Não importa a
cor do gato, o que importa é se ele sabe caçar ratos!
Expansão, Edição 460, 16 Fevereiro.
[5]
Wanda, F. (2018)
‘Desarticulação na reabilitação da industria têxtil’, Expansão 19 Janeiro.
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