quinta-feira, 7 de junho de 2018

Que Papel para o Estado*


A quando do lançamento do Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição de Importações foi anunciada a saída do Estado do sector produtivo. De facto ao lermos este programa vemos que o Estado vai passar a “assumir um papel regulador e coordenador”, mas não nos é dito as razões pelas quais as unidades produtivas criadas não foram capazes de atingir um nível de produtividade aceitável. Assim sendo, urge reflectir sobre o papel que se deseja para o Estado nesta fase do desenvolvimento de Angola.

No período pós-guerra o modelo de intervenção facilitou a criação de empresas e institutos públicos cujo resultado não se reflectiu num aumento da produtividade mas sim, num custo acrescido ao erário público já que estas instituições foram dotadas de conselhos de administração relativamente extensos, sem que se possa hoje aferir o seu desempenho. Quando começou-se a estruturar o sistema económico nacional e criar-se ‘grupos económicos angolanos conscientes e fortes’ visando garantir a ‘nossa independência’, como defendeu o ex-presidente José Eduardo dos Santos em 2015, muitos destes grupos acabaram por não implementar os projectos para os quais lhes fora alocado e disponibilizado recursos. Todavia, faltou ao Executivo capacidade para disciplinar, através de uma componente de condicionalidade com cláusulas explícitas de penalização os promotores em caso de incumprimento das metas definidas. Essa inacção faz-nos pensar que tais intervenções, em alguns sectores, visaram apenas criar condições para acumulação primitiva, de alguns eleitos, quando poderiam marcar o início de um processo de transformação estrutural.    

Concordamos que o Estado não pode chamar para si a responsabilidade de produzir todos os bens e serviços de que a sociedade necessita. Por exemplo, produzir uniformes e botas ou mesmo os alimentos para o exército, conforme defendeu um Ministro de Estado[1],é algo que pode muito bem ser eficientemente coordenado com o sector privado. Contudo, a função de agente regulador e coordenador não é menos exigente. Pelo contrário, os estudos desenvolvidos pelo Prof. Mushtaq Khan[2] da SOAS, Universidade de Londres mostram que essa função exige muito mais capacidade de disciplinar e competência por parte do Estado, duas qualidades que o Executivo precisa melhorar. Pelo que, nada nos garante sucesso nessa mudança de papel. Por outro lado, se a razão desta mudança é por questões ideológicas, i.e. procurar adoptar uma ideologia mais neoliberal (i.e. pró-mercado), como compreender, por exemplo, a resistência na aplicação de um imposto pesado, visando desencorajar a ocupação improdutiva de terrenos?

Nas nossas reflexões temos enfatizado que o papel do Estado deve ser qualitativamente diferente a medida que os países vão progredindo. Se tivermos em conta que a mentalidade de grupo[3], em Angola, tem manchado a qualidade das intervenções do Estado, a pergunta que urge fazer-se à luz desta decisão do Executivo é o que passará o Estado a fazer de concreto ao “limitar-se à promoção do crescimento da economia”[4]? Uma intervenção do Estado como ‘regulador’ é susceptível de criar rendas (i.e. um fluxo de receita muito acima do esperado em condições normais). A disputa pela captura dessas rendas pode comprometer a qualidade da intervenção, especialmente num contexto de consolidação do empresariado nacional.  Para coordenar o tipo de desarticulação sectorial que identificamos[5] em Angola, o Executivo precisa de ter uma visão clara e realista do que deseja alcançar a médio e longo prazo. Atenção que não estamos a falar do PND e Angola 2025, mas sim de programas menos ambiciosos e mais exequíveis. A elaboração destes programas exige subsídios, à partida, dos principais intervenientes.

Todavia, o problema de Angola não é apenas uma questão de Economia, i.e. alocação de recursos, mas sim de Economia Política, i.e. perceber como o poder político tem estado a influenciar a distribuição de renda entre os diferentes intervenientes e/ou a bloquear a penalização dos menos eficientes (mais corruptos). A ‘promoção do crescimento da economia’ como apresentado pelo Executivo5 exige muito mais do que se possa pensar. Tudo começa com a disponibilidade de dados fiáveis para que se saiba o momento oportuno para intervir, os sectores a intervencionar, de preferência aqueles com a possibilidade de expansão para os mercados externos e maior retorno, passando pela disponibilidade de quadros competentes capazes de executar essa mesma intervenção com o mínimo de corrupção, para sermos realistas.  

Neste novo papel os departamentos ministeriais precisam ter uma missão clara e possuírem os recursos necessários (humanos e materiais), o que não se compadece, em tempo de crise, com uma excessiva dependência em consultoria externa. Os dados empíricos mostram que o Estado joga um papel preponderante na facilitação da aprendizagem de novas técnicas de produção e aquisição de tecnologias. Isto implica conceder benefícios aos empreendedores. Apesar do PRODESI (pág. 8) indicar que desta vez haverá uma contrapartida para se aceder/manter tais benefícios, todavia, o documento não nos indica como o Executivo se propõe executar as exigências identificadas. O Estado vai também precisar de adoptar ‘políticas de Robin Hood’ i.e. tirar dos ricos para dar aos pobres. Contudo, vale questionar se tendo sido o Estado o criador dos novos ricos, estará agora capaz de nivelar o campo de jogo? Parece-nos que o Executivo enfrenta uma crise existencial. 

Publicado anterior como: 
  Wanda, F. (2018) ‘Que Papel para o Estado’. Expansão, Edição 470, 27 April. http://www.expansao.co.ao/artigo/94807/que-papel-para-o-estado?seccao=7




[2] Exemplo: Khan, M. H. (2012) “Governance and Growth Challenges for Africa”.
[3] Wanda, F. (2018) ‘Não importa a cor do gato, o que importa é se ele sabe caçar ratos! Expansão, Edição 460, 16 Fevereiro.
[4]ANGOP( 12 Fev. 2018) ’Estado retira-se da actividade empresarial’.
[5] Wanda, F. (2018) ‘Desarticulação na reabilitação da industria têxtil’, Expansão 19 Janeiro.  


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