Este
tipo de pensamento leva-nos a esquecer em que condições o excedente de capital
é gerado, acabando depois por se tornar numa poupança. Que é necessário que a
população tenha o hábito de não gastar tudo o que ganha, ninguém contesta.
Afinal, países como a Coreia do Sul desenvolveram-se também através da chamada
“delayed consumption” – consumo retardado, imposto pelo governo coreano como
forma de incentivar a poupança e desta forma garantir mais crédito à produção.
Fiquei
com a impressão que se estava na rádio a tratar de responder “poupar ‘pra quê’?”
deixando de parte o “poupar ‘o quê’?” que em Angola é a questão mais
pertinente. Temos que perceber de uma vez por todas que para o caso concreto de
Angola, onde não sabendo quantos somos dizemos que temos 37% da população a
viver abaixo da linha da pobreza (no caso a viver com menos de 4.793 Akz mês,
cf. IBEP, 2009), fica difícil imaginar a grande maioria da população a ter uma
vida condigna e ao mesmo tempo poupar, isto é, não consumir o seu rendimento
(quando houver). Por outro lado, não se pode deixar de perceber que o governo
em Angola não depende das poupanças que eventualmente a população venha a fazer
para financiar o sector produtivo, uma vez que existem outras fontes
importantes de receitas (petróleo e outros minerais) o que não tinha, por
exemplo, a Coreia do Sul.
Se
por um lado elevar os níveis salariais da população parece representar uma
“missão impossível” nesta fase do desenvolvimento em Angola, justo será baixar,
então, o custo de vida! Como fazer isso? Reduzindo o custo de tudo o que
contribui para que o nível de vida seja bastante oneroso para o cidadão comum. Sabe-se
que, por exemplo, numa cidade como Luanda (onde temos a grande maioria da
população) uma boa parte dos rendimentos das pessoas (57%, IBEP, 2009) é gasto
em bens alimentares, 10% com a renda de casa, 8% em serviços de utilidade
doméstica perfazendo um total de 75% do
rendimento. O que sobra, 25%, acaba por ser gasto em cuidados de saúde,
educação e transporte (para citarmos os mais essenciais).
Para
poder manter, por um longo período, um nível de salário baixo (em comparação com
outras economias com o mesmo GDP per capita) teria o governo que assegurar que
a população pudesse adquirir bens alimentares, ter acesso a um serviço de saúde,
educação e transporte condignos e que fossem compatíveis com tal nível de
salário. Agindo assim, estaria o governo a subsidiar, indirectamente, o
processo de desenvolvimento em Angola, evitando igualmente perturbações sociais
frequentes nessa fase (que se espera que seja) de transição.
Por
isso, dizer que o “angolano não tem hábito de poupar” é até certo ponto
incorrecto, afinal apenas uma franja muito diminuta da população tem
super-rendimentos. A grande maioria acaba mesmo por viver um dia de cada vez.
PS: A estratégia de “consumo retardado” empregue
pela Coreia do Sul funcionou porque a produção estava virada a exportação, isto
é, o consumo estava sendo gerado em países como os Estados Unidos e alguns países
europeus. Nesta fase de crise em que verificasse uma redução no nível de
consumo nessas economias tal estratégia fica limitada. Angola vai ter que
combinar produção para exportação (onde for possível) com estímulos ao consumo
interno (a China neste momento está a ser forçada a aumentar os salários para
estimular o consumo interno).