sábado, 9 de novembro de 2013

Poupar “pra quê”? Ou, poupar o quê?

Num programa da Radio LAC foi passada a ideia de que “o africano, em geral, e o angolano, em particular, não tem o hábito de fazer poupanças”.

Este tipo de pensamento leva-nos a esquecer em que condições o excedente de capital é gerado, acabando depois por se tornar numa poupança. Que é necessário que a população tenha o hábito de não gastar tudo o que ganha, ninguém contesta. Afinal, países como a Coreia do Sul desenvolveram-se também através da chamada “delayed consumption” – consumo retardado, imposto pelo governo coreano como forma de incentivar a poupança e desta forma garantir mais crédito à produção.  
Fiquei com a impressão que se estava na rádio a tratar de responder “poupar ‘pra quê’?” deixando de parte o “poupar ‘o quê’?” que em Angola é a questão mais pertinente. Temos que perceber de uma vez por todas que para o caso concreto de Angola, onde não sabendo quantos somos dizemos que temos 37% da população a viver abaixo da linha da pobreza (no caso a viver com menos de 4.793 Akz mês, cf. IBEP, 2009), fica difícil imaginar a grande maioria da população a ter uma vida condigna e ao mesmo tempo poupar, isto é, não consumir o seu rendimento (quando houver). Por outro lado, não se pode deixar de perceber que o governo em Angola não depende das poupanças que eventualmente a população venha a fazer para financiar o sector produtivo, uma vez que existem outras fontes importantes de receitas (petróleo e outros minerais) o que não tinha, por exemplo, a Coreia do Sul.

Se por um lado elevar os níveis salariais da população parece representar uma “missão impossível” nesta fase do desenvolvimento em Angola, justo será baixar, então, o custo de vida! Como fazer isso? Reduzindo o custo de tudo o que contribui para que o nível de vida seja bastante oneroso para o cidadão comum. Sabe-se que, por exemplo, numa cidade como Luanda (onde temos a grande maioria da população) uma boa parte dos rendimentos das pessoas (57%, IBEP, 2009) é gasto em bens alimentares, 10% com a renda de casa, 8% em serviços de utilidade doméstica perfazendo um total de 75% do rendimento. O que sobra, 25%, acaba por ser gasto em cuidados de saúde, educação e transporte (para citarmos os mais essenciais).
Para poder manter, por um longo período, um nível de salário baixo (em comparação com outras economias com o mesmo GDP per capita) teria o governo que assegurar que a população pudesse adquirir bens alimentares, ter acesso a um serviço de saúde, educação e transporte condignos e que fossem compatíveis com tal nível de salário. Agindo assim, estaria o governo a subsidiar, indirectamente, o processo de desenvolvimento em Angola, evitando igualmente perturbações sociais frequentes nessa fase (que se espera que seja) de transição.  

Por isso, dizer que o “angolano não tem hábito de poupar” é até certo ponto incorrecto, afinal apenas uma franja muito diminuta da população tem super-rendimentos. A grande maioria acaba mesmo por viver um dia de cada vez.
PS: A estratégia de “consumo retardado” empregue pela Coreia do Sul funcionou porque a produção estava virada a exportação, isto é, o consumo estava sendo gerado em países como os Estados Unidos e alguns países europeus. Nesta fase de crise em que verificasse uma redução no nível de consumo nessas economias tal estratégia fica limitada. Angola vai ter que combinar produção para exportação (onde for possível) com estímulos ao consumo interno (a China neste momento está a ser forçada a aumentar os salários para estimular o consumo interno).