domingo, 25 de outubro de 2015

Se o modelo não se ajusta a realidade, então … ajuste a realidade?!

Ao ficarmos a saber que algumas instituições de ensino superior estão a considerar abolir as defesas de teses de licenciaturas devido ao tempo que os estudantes que terminam os programas curriculares estão a levar para elaborarem e defenderem os seus trabalhos de fim de curso. Isso, segundo nos foi possível apurar, gera em alguns casos actos de corrupção. Dada a pertinência do assunto, achamos por bem neste post reflectir sobre este assunto de uma maneira que esperamos ser desapaixonada.

Começamos por notar que o problema parece já estar bem identificado i.e. os estudantes estão a levar muito tempo a elaborarem os seus trabalhos de fim de curso. Agora, em nosso entender, cabe a cada instituição identificar as causas deste problema. Visto desta forma consegue-se perceber que o problema não está na realidade, i.e. dificuldade dos estudantes terminarem o curso, mas no modelo escolhido que passa pela elaboração e defesa de um trabalho de fim de curso.

Como é hoje operacionalizado o modelo?

Após conclusão do seu programa curricular os estudantes são encorajados a apresentarem as suas propostas de temas e identificarem potenciais orientadores. Actualmente o processo é muito aleatório onde os estudantes acabam por ser os mais penalizados. Muitos estudantes, por si só, não conseguem encontrar orientadores e acabam por desistir. Outros tendo orientadores que desconhecem as melhores práticas no processo de orientação de trabalho de fim de curso acabam por optar por práticas menos correctas, como a corrupção, muito mais pelas exigências que lhes são feitas e que em vários casos estão longe do que deveria ser exigido neste tipo de trabalho. Um número bastante reduzido consegue concluir e defender os seus trabalhos após um período normalmente superior a seis (6) meses[1].

Possíveis alternativas

No nosso sistema de ensino a avaliação resume-se essencialmente na aplicação de testes (avaliação parcelar 1 & 2), apesar de, por exemplo, o regime académico da UAN prever outras formas de avaliação. Em alguns países os estudantes de graduação têm como avaliação contínua a elaboração, de forma individual, de trabalhos de pesquisa de menor dimensão (os chamados ensaios) com prazos de submissão bem definidos, fazendo os estudantes apenas uma prova na época de exames. O sucesso deste tipo de modelo, em nosso entender (baseado na nossa experiência enquanto estudante nesse tipo de contexto), está na disponibilidade de centros de documentação (i.e. bibliotecas, incluindo virtuais) bem apetrechados (fruto de avultados investimentos de forma permanente[2]), dispondo os estudantes (e docentes claro) de todas as condições para irem desenvolvendo os seus ensaios ao longo da sua formação. Esta prática dá aos estudantes a possibilidade de desenvolverem a sua escrita académica e o seu pensamento crítico e criativo ao longo de toda a sua formação, habilidades tão necessárias no momento de elaborar um trabalho científico de maior dimensão a nível de uma formação avançada (mestrado e/ou doutoramento).  

Para o caso de Angola, a nossa experiência, primeiro enquanto estudante neste sistema e depois como docente neste subsistema de ensino por mais de uma década, nos ensinou que vamos precisar de algum tempo para atingirmos este estágio.

Pelo que, sugerimos que para o contexto angolano se solicitasse aos estudantes no final do 8º semestre (4º Ano) a apresentação de uma proposta dos seus temas para o trabalho de fim de curso e indicassem[3] um potencial orientador (alguém que pudesse orienta-los). A instituição caberia identificar potenciais orientadores a todos os estudantes que não tivessem identificado por si só um orientador. Como resultado deste exercício todos os estudantes que terminassem os seus planos curriculares teriam necessariamente alguem para orienta-los no trabalho de fim de curso. Notem que para o sucesso deste exercício seria imperioso que os docentes/orientadores tivessem frequentado um curso de Agregação Pedagógica onde, através do módulo Tutoria de Teses, fossem expostos as melhores práticas no processo de orientação de um trabalho de investigação.

No contexto actual (i.e. ausência de uma biblioteca bem apetrechada) ao pensarmos retirar aos nossos estudantes de licenciatura a possibilidade de elaborarem um trabalho de pesquisa independente, acreditamos que estaríamos a debilitar a sua formação, privando-lhes não só de uma oportunidade de desenvolverem a sua escrita académica como também o seu pensamento crítico e criativo conforme nos sugere a Declaração da UNESCO de 1998 no seu artigo 5º (promoção do saber mediante a pesquisa na ciência, na arte e nas ciências humanas e a divulgação dos seus resultados) bem como o artigo 9º alínea b que passo a citar “As instituições de educação superior têm que educar estudantes para que sejam cidadãs e cidadãos bem informados e profundamente motivados, capazes de pensar criticamente e de analisar os problemas da sociedade, de procurar soluções aos problemas da sociedade e de aceitar responsabilidades sociais”.

É imperioso compreendermos que o trabalho de fim de curso é ainda a melhor oportunidade que o estudante universitário em Angola tem de alcançar este propósito bem como de preparar-se para o desafio que representa uma formação avançada (a nível do mestrado e/ou doutoramento) e de testar as suas reais capacidades de elaborar e executar um projecto (do princípio até ao fim) habilidades tão necessárias hoje mais do que nunca no mercado de trabalho. Afinal, quando o modelo não se ajusta a realidade, ajustamos (ou trocamos) o modelo e não a realidade!



[1] Apesar de não termos estatísticas oficiais estimamos com base na nossa participação como júri nas defesas de alguns trabalhos de fim de curso.
[2] Note que neste tipo de contexto quando o estudante ou o docente verifica que um certo libro/jornal científico não está disponível na sua biblioteca e pela relevância acredita ser útil, pode sugerir a compra do referido material o que em muitas vezes acaba por acontecer. 
[3] A nossa experiencia pessoal nos ensinou que quando tivemos a possibilidade de propor um orientador a motivação para realização do trabalho foi muito superior do que quando nos foi indicado um orientador.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Uma desgraça nunca vem só!

Apesar dos problemas de Angola estarem essencialmente ligados a baixa do preço do petróleo, eles poderão atingir outros níveis caso (ou melhor quando, uma vez ser uma questão de tempo) a Reserva Federal dos EUA fazer subir a sua taxa principal de juros. Países em transição, como Angola, normalmente apresentam inúmeros problemas estruturais dificultando a implementação de projectos de negócios. Estes países só são atractivos para o investimento estrangeiro quando o que paga, em juros, a Reserva Federal dos EUA é quase nada.  

Prevendo-se um aumento da taxa principal de juros, poderemos assistir a um recuo de muitas das intenções de investimento em Angola e não só (claro outros países também serão afectados). Resta saber o que já fez ou pelo menos pensa fazer o executivo para superar esse problema. Vale recordar que estando o petróleo em baixa, fica reduzida a possibilidade de usarmos recursos próprios através do aumento dos investimentos públicos.

N.B: Para o caso de Angola, sempre se pode encorajar os nossos compatriotas (nas vestes de investidores) que investiram fortemente no exterior do país a fazerem, nesta altura, cá tais aplicações. Acreditamos nós que isso seria possível através da oferta de condições bastantes atractivas mas condicionadas, por exemplo, a metas de produção (para exportação e consumo interno), empregos e receitas (para impostos).

 

Diversificação das exportações e a criação de empregos

A criação da ANPEX (Agência Nacional para a Exportação) sob alçada do Ministério do Comércio faz-nos perceber que o executivo angolano está em vias de ajustar a sua estratégia de desenvolvimento, passando de um focos na substituição das importações (conforme enfatizava o discurso politico até recentemente) para outro ligado a diversificação das exportações e captação de divisas para o país.

Um exemplo até agora tido como de sucesso é o caso da China que conseguiu retirar mais de 300 milhões de habitantes da pobreza extrema graças a um processo rápido de industrialização virado a exportação. Vale recordar que este processo ajudou a criar vários postos de trabalho mas com um nível de remuneração muito baixo (ver post de 29 de Julho de 2014). Esta é uma das grandes críticas que se fazem ao modelo de desenvolvimento chinês.

Para o caso de Angola que pretende diversificar as suas exportações é imperioso percebermos que tal diversificação não pode seguir o exemplo chinês i.e. através de baixos salários, empregos precários e politicas que fragilizem a condição social do trabalhador. Ela deve, em nosso entender, passar pela criação de postos de trabalho que oferecessem alguma qualidade de remuneração. Para o efeito, acreditamos que projectos de negócios ligados, por exemplo, ao sector do agro-negócio e a indústria (com ênfase a indústria ligeira) dar-nos-iam a possibilidade de gerar increasing returns (ver post de 1 de Março de 2015).

Essa necessidade de se criar no sector formal da economia empregos com qualidade é justificada pelo facto de proporcionar uma demanda interna (i.e. os trabalhadores estariam em condições de consumirem a produção local) reduzindo a forte dependência aos mercados externos. Nos momentos em que os mercados externos registassem uma redução da demanda, seria através desses consumidores que o país poderia manter o seu nível de crescimento. Hoje, por exemplo, a luz da crise nos mercados externos (europeus e da América do norte) nota-se uma grande preocupação do governo chinês em aumentar gradualmente os salários para gerar mais demanda interna e manter o ritmo do crescimento do GDP.

Em suma, apostar na diversificação das exportações é importante para Angola. Mas neste processo não se deve, em nosso entender, descurar a necessidade de se proporcionar aos trabalhadores uma oportunidade de melhoria da sua condição social através de uma remuneração justa. Só procedendo desta forma poderemos garantir que o nosso processo de desenvolvimento seja inclusivo e justo.