terça-feira, 1 de maio de 2018

África precisa de ‘correr’, já o Executivo em Angola tem que encetar um sprint!*


Hoje parece ser consenso que Africa precisa empreender uma transformação estrutural se quiser atingir um alto nível de desenvolvimento de forma sustentável. Isso se deve ao facto de que o fantástico crescimento económico recentemente verificado no continente ter estado ligado a alta de preços das matérias-primas nos mercados internacionais. Esta realidade tem feito com que as economias africanas sejam susceptíveis a choques externos, como é o caso de Angola com o petróleo.

Sobre a necessidade que África tem de se desenvolver, Julius Nyerere, antigo presidente da Tanzânia, dizia que “África precisa de correr, enquanto outros caminham”. Todavia, hoje quando se fala de África precisamos ter em conta que nesta fase os países africanos ‘correm’ a diferentes velocidades. Por exemplo a Etiópia, país onde investidores privados chineses estão a dinamizar os parques industriais locais, regista uma previsão de crescimento real do PIB de 8.5% em 2017 e 2018[1], ao passo que o Executivo em Angola prepara uma revisão em baixa do crescimento, segundo o Expansão passará de 4,9% para 2,4%. Esta nova previsão está alinhada com o relatório Perspectivas Económicas em África 2018 do Banco Africano de Desenvolvimento. Apesar de ser uma perspectiva positiva não deixa de ser preocupante se tivermos em conta o crescimento anual da população, o número crescente de jovens licenciados que todos os anos procuram, sem sucesso, entrar no mercado de trabalho e já agora o número de desempregados que o futuro processo de redimensionamento do sector empresarial público vai gerar. O Executivo tem sido incapaz de estimular aqueles sectores da economia susceptíveis de produzirem efeitos multiplicativos.

As nossas pesquisas indicam que hoje muitos jovens Etíopes encontram emprego na indústria de confecções fruto do investimento privado chinês. O surgimento da indústria têxtil na Etiópia foi possível devido a produção local de 120.000 toneladas de algodão/ano e do fornecimento, nos parques industriais de referência como o de Hawassa, de energia eléctrica à baixo custo. Estamos em presença de uma interligação sectorial desejada i.e. aumento de produtividade no sector agrário atraiu investimentos industriais com o potencial de alavancar as exportações trazendo divisas para a economia. De facto, dados do Governo Etíope[2] indicam que desde 1992 foram aprovados 65 projectos no sector têxtil que registou um crescimento de 51% nos últimos 6 anos. Hoje a Etiópia recebe encomendas de grandes retalhistas mundiais como a TESCO, Walmart e a H&M. Como se pode ver na Etiópia pode estar acontecer o que faltou no plano de reabilitação da indústria têxtil em Angola[3] i.e. interligação sectorial e geração de um número maior de empregos.

Para atingir estes dois objectivos indicamos, num outro texto[4], que as políticas de desenvolvimento do Executivo devem ser pragmáticas i.e. capazes de produzirem os resultados desejados. O Executivo precisa de recuperar, por exemplo, o sentido pragmático que norteou o desenvolvimento do sector petrolífero no período pós-independência. A história regista, por exemplo, a presença de tropas internacionalistas Cubanas a protegerem interesses económicos de capitalistas norte-americanos e estes pagavam por isso! Este tipo de pragmatismo verificou-se nos países asiáticos que mais se desenvolveram nos últimos 30 anos e verificasse igualmente na Etiópia um dos países africanos com a maior taxa de crescimento real do PIB.

Em Angola a actividade industrial chinesa fruto do investimento privado estrangeiro está concentrada na indústria de materiais de construção[5]. Contudo, os investidores chineses pela sua experiência, poderiam contribuir para o desenvolvimento de outros segmentos da indústria transformadora caso houvesse incentivo à produção local de matérias-primas para depois serem transformadas. Analisando o caso concreto da indústria têxtil angolana, na ausência da produção de algodão, o investimento chinês no sector de vestuários parece limitado a importação de ‘balões’ de fardo (i.e. roupa usada) vendido a compradores ávidos no novo empreendimento baptizado de ‘Cidade da China’ e ironicamente instalado no pólo industrial de Viana (foto abaixo). Apesar deste tipo de investimento gerar empregos, é preciso notar a sua insustentabilidade especialmente numa altura em que Angola debatesse com a falta de divisas. Todavia, não deixa de ser assinalável que o Executivo angolano não criou as condições necessárias para que outros investimentos privados, de angolanos ou estrangeiros, de melhor qualidade surgissem, como foi o caso dos chineses na Etiópia.


Foto crédito: Autor

De facto, uma recente avaliação feita ao Plano Intercalar indica que das 144 medidas para saída da crise, apenas foram completadas 37. Isto significa que o Executivo não foi capaz, como já prevíamos[6], de executar o seu próprio plano. A aceleração do crescimento em Angola passa pelo aumento da produtividade no sector agrícola, i.e., rentabilizar melhor os perímetros irrigados existentes, garantir o fornecimento de fertilizantes e infra-estrutura básica, mecanizar a produção, assegurar suporte em pesquisa e desenvolvimento de sementes melhoradas. Estas medidas exigem que o Executivo melhore a qualidade das suas intervenções. Pelo que, é imperioso que o Chefe do Executivo compreenda que o sucesso de Angola não pode estar dependente da flutuação ascendente do preço do petróleo nos mercados internacionais mas sim, de objectivos realistas e atingíveis no espaço de tempo definido.

Enfim, se por um lado alguns países africanos, como a Etiópia, parecem estar a ‘correr’ na direcção certa, entrando mesmo em novos sectores mais globalizados onde as exigências organizativas e de coordenação da cadeia de valor são muito importantes, numa altura em que o Presidente João Lourenço mostra vontade de levar acabo o processo de diversificação da economia, ao Executivo angolano, à luz dos resultados acima apresentados, apenas resta encetar um sprint para tentar recuperar o tempo perdido!

*Uma versão foi publicada inicialmente no Jornal Expansão Edição 468, 13 Abril, pág. 37.



[1] IMF Regional Economic Outlook (Anexo Estatístico), publicado em Out. 2017.
[2][2] Comissão de Investimentos da Etiópia.
[3] Ver Expansão Número 456, 19 Janeiro, pág. 36.
[4] Wanda, F. (2018) ‘Não importa a cor do gato, o que importa é se ele sabe caçar ratos! Expansão, Edição 460, 16 Fevereiro.
[5] Wanda, F. (2017) ‘Angola e China: Nem tudo é o que parece ser!’ Expansão, Edição 452, 15 Dezembro.
[6] Expansão Nº 445, 27 de Outubro 2017 pág. 3.

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