terça-feira, 5 de dezembro de 2017

A Reserva Estratégica Alimentar do Estado: Uma oportunidade para se corrigir o que está mal e criar demanda intersectorial em Angola*.

Ao lermos[1] que o Executivo projecta gastar 200 milhões de USD/ano criando uma Reserva Estratégica Alimentar do Estado acreditamos ser essa uma oportunidade singular para se estimular a produção local de alimentos visando satisfazer assim uma demanda real que em 2016 representou, segundo o Anuário de Estatística de Comércio Externo-2016 do INE, cerca de 314.914 milhões de kwanzas (1.898 milhões de dólares americanos)[2]. Segundo a notícia1, os experts do Ministério do Comércio dizem que Angola não produz, em volume suficiente, nenhum produto da cesta básica o que não deixa de ser verdade. Contudo, o que esses experts parecem negligenciar é que a única forma de Angola deixar de importar o que consome, num contexto em que as Reservas Internacionais Líquidas estão a um nível baixo[3], é através do aumento da produtividade no sector produtivo (agricultura e indústria).

Dados do Conselho Nacional de Carregadores (CNC) indicam que sete dos dez produtos mais importados, no 1º semestre de 2017, são do ramo alimentar o que faz do fomento da produção alimentar uma prioridade[4]. Um processo de produção interna bem articulado deveria permitir Angola, tendo como base os dados do CNC, mudar esse quadro a médio prazo. Por outras palavras, da lista dos produtos mais importados o Executivo Angola deveria elaborar um plano de acção concreto para retirar dela os produtos alimentares. Para que tal seja possível é necessário um aumento da produtividade no sector agrícola, através de um upgrade na tecnologia usada[5], melhoria na infra-estrutura básica (estradas, acesso a luz eléctrica), criação de sistemas de irrigação e disponibilização de insumos (sementes melhoradas, fertilizantes). De facto Hayami & Ruttan (1971)[6] explicam que o sector agrícola de um país só se desenvolve com a presença de um subsector industrial capaz de fornecer os inputs necessários (desde equipamentos aos insumos já mencionados).

Levando avante a criação desta Reserva Estratégica Alimentar o Executivo angolano poderia criar um estímulo para que se crie um círculo virtuoso, fazendo surgir empregos a montante, por exemplo, nas explorações agrícolas e no subsector da indústria de produção de equipamentos agrícolas e serviços especializados, e a jusante criar-se-iam empregos na indústria de produção alimentar, satisfazendo-se assim a demanda intersectorial desejada num contexto de fraca disponibilidade de divisas como é o actual momento que Angola vive. 

Apresentada desta forma compreende-se que a Reserva Estratégica Alimentar do Estado não deveria servir apenas para ajudar a controlar os preços dos produtos da cesta básica. Ela tem o potencial de desafiar os actuais produtores nacionais a aumentarem a produção, encorajar a entrada de novos actores, nacionais e estrangeiros, bem como de incentivar o sector bancário local a financiar projectos que visem satisfazer a demanda gerada e desta forma tornar sustentável essa proposta do Executivo. Enfim, essa visão vai exigir que o Executivo, a sair das próximas eleições, adopte uma mudança de paradigma, começando, por exemplo, a desencorajar a compra de produtos alimentares no exterior i.e. corrigindo o que está mal, e desafiando os produtores nacionais. Está lançado o desafio!


*Publicado inicialmente no Novo Jornal Online: http://www.novojornal.co.ao/economia/interior/a-reserva-estrategica-alimentar-do-estado-uma-oportunidade-para-se-corrigir-o-que-esta-mal-e-criar-demanda-intersectorial-em-angola-40909.html

[2] Combinando a importação de produtos agrícolas e alimentares cf. Quadro 5 - Exportação e Importação por Grupo de Produtos, Anuário de Estatística de Comércio Externo-2016 do INE. 1 USD = 165.903 Kz, câmbio médio a anual do BNA em 2016.
[3] Dados do jornal Expansão (Edição 431, pág. 4) indicam uma queda progressiva das RIL a partir de 2013.
[4]  O Programa de Industrialização de Angola do Ministério da Industria do Governo de Angola identifica a indústria de produção alimentar como prioritária.
[5] Para um posicionamento semelhante cf. Bernstein, H (2010).  Class Dynamics of Agrarian Change. Halifax: Fernwood, Cap. 1-3.
[6] Hayami, Y. and Vernon Ruttan (1971). Agricultural Development: An International Perspective. London, Johns Hopkins University Press.

Sem comentários:

Enviar um comentário