Ao lermos[1] que o Executivo projecta gastar 200
milhões de USD/ano criando uma Reserva Estratégica Alimentar do Estado acreditamos
ser essa uma oportunidade singular para se estimular a produção local de
alimentos visando satisfazer assim uma demanda real que em 2016 representou,
segundo o Anuário de Estatística de
Comércio Externo-2016 do INE, cerca de 314.914 milhões de kwanzas (1.898
milhões de dólares americanos)[2].
Segundo a notícia1, os experts
do Ministério do Comércio dizem que Angola não produz, em volume suficiente,
nenhum produto da cesta básica o que não deixa de ser verdade. Contudo, o que esses
experts parecem negligenciar é que a
única forma de Angola deixar de importar o que consome, num contexto em que as
Reservas Internacionais Líquidas estão a um nível baixo[3],
é através do aumento da produtividade no sector produtivo (agricultura e indústria).
Dados do Conselho Nacional de Carregadores (CNC) indicam
que sete dos dez produtos mais importados, no 1º semestre de 2017, são do ramo
alimentar o que faz do fomento da
produção alimentar uma prioridade[4].
Um processo de produção interna bem articulado deveria permitir Angola, tendo
como base os dados do CNC, mudar esse quadro a médio prazo. Por outras
palavras, da lista dos produtos mais
importados o Executivo Angola deveria elaborar um plano de acção concreto para
retirar dela os produtos alimentares. Para que tal seja possível é necessário
um aumento da produtividade no sector agrícola, através de um upgrade na tecnologia usada[5],
melhoria na infra-estrutura básica (estradas, acesso a luz eléctrica), criação
de sistemas de irrigação e disponibilização de insumos (sementes melhoradas,
fertilizantes). De facto Hayami & Ruttan (1971)[6]
explicam que o sector agrícola de um país só se desenvolve com a presença de um
subsector industrial capaz de fornecer os inputs
necessários (desde equipamentos aos insumos já mencionados).
Levando avante a criação desta Reserva Estratégica
Alimentar o Executivo angolano poderia criar um estímulo para que se crie um círculo
virtuoso, fazendo surgir empregos a montante, por exemplo, nas explorações agrícolas e no subsector da indústria
de produção de equipamentos agrícolas e serviços especializados, e a jusante criar-se-iam
empregos na indústria de produção alimentar, satisfazendo-se assim a demanda intersectorial desejada num
contexto de fraca disponibilidade de divisas como é o actual momento que Angola
vive.
Apresentada desta forma compreende-se que a Reserva
Estratégica Alimentar do Estado não deveria servir apenas para ajudar a controlar
os preços dos produtos da cesta básica. Ela tem o potencial de desafiar os actuais
produtores nacionais a aumentarem a produção, encorajar a entrada de novos
actores, nacionais e estrangeiros, bem como de incentivar o sector bancário
local a financiar projectos que visem satisfazer a demanda gerada e desta forma
tornar sustentável essa proposta do Executivo. Enfim, essa visão vai exigir que
o Executivo, a sair das próximas eleições, adopte uma mudança de paradigma,
começando, por exemplo, a desencorajar
a compra de produtos alimentares no exterior i.e. corrigindo o que está mal, e desafiando os produtores nacionais. Está
lançado o desafio!
*Publicado inicialmente no Novo Jornal Online: http://www.novojornal.co.ao/economia/interior/a-reserva-estrategica-alimentar-do-estado-uma-oportunidade-para-se-corrigir-o-que-esta-mal-e-criar-demanda-intersectorial-em-angola-40909.html
[2]
Combinando a importação de
produtos agrícolas e alimentares cf. Quadro 5 - Exportação e Importação por
Grupo de Produtos, Anuário de Estatística
de Comércio Externo-2016 do INE. 1 USD = 165.903 Kz, câmbio médio a anual do BNA em 2016.
[3] Dados do jornal Expansão (Edição 431, pág. 4) indicam uma queda progressiva das
RIL a partir de 2013.
[4] O Programa de Industrialização
de Angola do Ministério da Industria do Governo de Angola identifica a
indústria de produção alimentar como prioritária.
[5] Para um posicionamento semelhante cf. Bernstein, H
(2010). Class Dynamics of Agrarian Change. Halifax: Fernwood, Cap. 1-3.
[6]
Hayami, Y. and Vernon Ruttan
(1971). Agricultural Development: An
International Perspective. London, Johns Hopkins University Press.
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