domingo, 7 de julho de 2019

Em Angola não falta apenas médicos, falta antes pragmatismo!*


Ao lermos nos últimos dias, em jornais publicados em Luanda, que Angola tinha um médico para cada 4.400 habitantes não ficamos surpreendidos de todo. A debilidade dos serviços de saúde, em Angola, é tão grave que quase todos governantes vão para o exterior para fins de tratamento médico. Por este facto ter um impacto muito grande na economia[1], ficamos sim desapontados que apenas nos foi apresentado o problema e nada de concreto se falou sobre a solução. Em Julho de 2001 quando estávamos na Universidade de Arizona, Tucson EUA, estadia enquadrada na bolsa de investigação pós-graduada Hubert H. Humphrey Fellowship[2], tomamos contacto com um problema semelhante que havia no Estado de Arizona cuja solução pode servir de inspiração para o Executivo angolano.

O problema: O governo do Estado de Arizona apercebeu-se que muitas comunidades rurais, particularmente aquelas ligadas aos nativos americanos (vulgarmente conhecidos como índios) não tinham acesso a bons cuidados de saúde por falta de médicos, como o que a grande maioria dos angolanos vive hoje[3]. A formação de médicos (nas mais diversas especialidades) a nível das universidades existentes em Arizona era muito onerosa para as famílias, pelo que, após conclusão do curso estes jovens médicos buscavam estágios profissionais e posterior colocação nos grandes centros urbanos, por exemplo, de Tucson e Phoenix.

A solução: Ao invés de ‘importar’ mão-de-obra de outros estados, o governo do estado de Arizona decidiu subsidiar os programas de formação em medicina nas universidades existentes naquele estado. Isto fez com que as famílias deixassem de gastar tanto com a formação dos seus educandos e permitiu que mais jovens optassem, na universidade, pela formação em medicina agora muito mais barata. Em contrapartida, todos os beneficiados/participantes neste esquema de formação tinham que dedicar 2-3 anos de trabalho nas zonas rurais após formação. Neste período de tempo as autoridades nessas zonas eram encorajadas a criarem incentivos para estes jovens fixarem residência. Então criavam facilidades de acesso a habitação e enfatizavam a qualidade de vida, para quem quisesse constituir família, do que seria criar filhos longe dos ‘perigos’ dos grandes centros urbanos.

Para o caso de Angola, o Executivo embarcou num ambicioso projecto de construção de centralidades por quase todo o país. Este investimento, já realizado, poderia servir de meio de atracção de jovens médicos. Hoje, Angola tem várias universidades, entre públicas e privadas, que oferecem formação em ciências médicas[4]. Acreditamos que um programa idêntico poderia ser gizado e que poderia ser muito mais sustentável do que a solução habitual do Executivo que traduz-se na contratação de mão-de-obra estrangeira.  

Em Arizona o governo exigiu que as instituições participantes no esquema apresentassem resultados em termos de qualidade dos formandos, departamentos equipados, bibliotecas com acervo bibliográfico actualizado e corpo docente e administrativo regularmente em processos de superação profissional. As instituições que não atingissem os objectivos definidos eram excluídas do programa com impacto directo na sua reputação. Afinal nenhuma família mandaria o seu educando para se formar em medicina numa instituição que fosse afastada deste programa ou que não fizesse parte do programa, isso porque levantava-se logo dúvidas sobre a qualidade da formação oferecida. Como se pode perceber aqui, era do interesse das próprias instituições fazerem parte e tornarem-se competitivas aplicando da melhor forma os apoios recebidos. Esta experiência de Arizona mostra que até numa economia predominantemente capitalista o governo pode intervir para assegurar a disponibilidade de um bem socialmente maior que é a saúde dos seus cidadãos.

Para o caso de Angola a atribuição de bolsas internas, a nível da universidade, apenas resolve uma pequena parte do problema, não resolvendo o problema da qualidade da formação. Apresentamos aqui uma solução que em Arizona garantiu, de forma sustentável, a disponibilidade de serviços de saúde para as populações em zonas rurais[5]. Em Angola os recursos para um programa semelhante poderiam advir de uma reavaliação de todos aqueles programas que continuam a ter dotação na proposta de OGE 2018, sem que tenham apresentado resultados credíveis na governação passada. Podemos indicar, a título de exemplo, a dotação que o Ministério da Juventude e Desportos (60 milhões de Kwanzas) e o da Acção Social, Família e Promoção da Mulher (540.250.000 Kwanzas) têm para ‘Apoio Financeiro As Associações De Utilidade Pública’ sem que saibamos quem são elas e o que fazem.

Acreditamos que este caso vem mais uma vez ilustrar o que chamamos no nosso texto anterior[6] de “frequente desarticulação sectorial” i.e. aqui abordamos uma possível articulação entre os sectores da Saúde, Ensino Superior, Habitação, o que revela que o maior problema do Executivo angolano talvez não seja a falta de recursos mas antes, diríamos nós aqui, a falta de pragmatismo!

*Publicado no J. Expansão:
   F. Wanda (2018) ‘Em Angola não faltam apenas médicos, falta antes pragmatismo!’, coluna “Milagre ou Miragem?” Expansão, Edição 458, 2 Fevereiro, pág. 37.



[1] Afecta a produtividade dos trabalhadores. Na proposta OGE 2018 o Ministério da Saúde prevê gastar 2.199 milhões de Kwanzas com evacuações médicas.
[2] A Embaixada Americana em Angola oferece todos os anos a bolsa de investigação pós-graduada Hubert H. Fellowship.
[3] Em Angola existe a falta de técnicos a vários níveis e em alguns casos falta de infraestruturas e equipamentos.
[4] Para além de outras instituições que oferecem formação a nível médio e básico.
[5] Em Angola este problema verificasse em zonas urbanas e rurais.
[6] Wanda, F. (2018) ‘Desarticulação na reabilitação da industria têxtil’, Expansão 19 Janeiro.  


sábado, 11 de maio de 2019

Que indústria é esta?


Ao lermos no Jornal de Angola um título dizendo “Indústria nacional ‘está no caminho certo’” nas palavras do Ministro de Estado e do Desenvolvimento Económico, não poderíamos deixar de nos perguntar, de que indústria estarão a falar??
O Indicador de Clima Económico (ICE), que reflecte as expectativas dos agentes económicos produzido pelo I.N.E., mostra que desde o 1º Trimestre de 2009 a produção actual tem sido abaixo da perspectiva, isto é, os agentes económicos indicam que não têm sido capazes de atingirem as suas metas de produção. ICE indica que os empresários do sector apontam a falta de matéria-prima devido a dificuldades financeiras, falta de água e energia eléctrica. Como consequência a perspectiva de emprego tem vindo a degradar-se desde 2011. Das 167.330 empresas em actividades em 2017, cf. dados do Anuário de Estatística das Empresas 2014-2017 do I.N.E., apenas 6%, i.e. 2.963 empresas, pertencem ao sector da indústria transformadora comparadas com 49% ao sector do comércio.
Se quem produz hoje reclama da falta de condições básicas como água e energia eléctrica, como é que o Executivo pode desejar aumentar o número de unidades de produção? A solução, como indicamos num outro texto passa sim, por uma adequada infra-estruturação dos pólos industriais de Viana e Catumbela, e um incentivo a deslocação de unidades fabris existentes, e facilitação da instalação de futuros investimentos, para a Zona Económica Especial (pensando já na exportação) poderia contribuir para redução dos custos de produção dos agentes económicos.  
Por isso, numa outra publicação, dissemos que a “Industria Transformadora em Angola está Longe de ser o ‘Factor Decisivo” (Link abaixo).


quarta-feira, 10 de abril de 2019

O que nos falta para traçarmos os caminhos de um futuro promissor para Angola?*


A África tem hoje 54 países. Claro que não podemos falar do continente como se de um país se tratasse. Temos que analisar e contar 54 estórias diferentes. No continente países como a Etiópia e de certa forma o Ruanda estão na linha da frente na implementação de uma Política Industrial, para além da África do Sul, o país mais industrializado a sul do Saara. Como resultado a Etiópia, por exemplo, é a economia que mais cresce em África, tendo de 2005 – 2016 crescido em média 10.5% do PIB e com projeções para um crescimento positivo perto dos 8% por ano. Já Angola, pelo contrário, vive uma recessão há 3 anos consecutivos sem que se possa vislumbrar uma saída credível.     

Á luz do que foi acima apresentado, acreditamos nós que a pergunta a ser feita deve ser, como sugerimos, “o que nos falta para traçarmos os caminhos de um futuro promissor para ANGOLA?” A resposta a esta questão temos vindo, neste espaço, regularmente a apresentar S.A.I.D.A. i.e. Sugestões e Análise de Informação sobre o Desenvolvimento de Angola. Por exemplo, num dos nossos textos indicamos que Angola não pode depender da importação de produtos para alimentar a sua população, que cresce 3% ao ano, e sustentar a sua indústria transformadora emergente. Como explicar que 90% da produção agrícola em Angola provem da agricultura de sequeiro e que o investimento feito em perímetros irrigados e em fazendas de larga escala até ao momento não produziu os resultados desejados? Alguma coisa não está correcta e este problema requer a devida atenção.

Não é surpresa que no País, segundo dados do I.N.E., 67% dos desempregados deixou de procurar emprego, apesar de hoje os jovens estarem melhor qualificados. Realmente é caso para o Executivo angolano refletir e interrogar-se, como foi feito e muito bem pelo Presidente João Lourenço em Abu Dhabi, “em que falhamos”?  




*Adaptado de:
   Wanda, F. (2018) ‘Angola está numa encruzilhada! Expansão, Edição 504, 21 Dez. http://www.expansao.co.ao/artigo/107645/angola-  esta-numa-encruzilhada-?seccao=7  

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Angola está numa encruzilhada!*


Apesar do discurso político em Angola apregoar um certo pragmatismo na definição de uma estratégia para o desenvolvimento do país, as acções práticas têm vindo a se revelar bastante enraizadas numa ideologia neoliberal, diga-se mesmo anistórica e irrealista[1], em que deseja-se para o Estado, numa economia em transição, um mero papel de ‘coordenador e regulador’ da actividade económica. Tal visão contrasta com o resultado obtido em outras realidades como, por ex., a de Singapura, país que ocupa o 3º lugar no Índice de Competitividade Global 2017 – 2018. Em Singapura 90% das terras do país são propriedade do Estado; 85% das casas são propriedade do Estado; e 22% do PIB é produzido por empresas públicas[2]! Este e outros exemplos, como nos explicam especialistas como Ha-Joo Chang, mostra que havendo disciplina e uma componente de condicionalidade com cláusulas explícitas de penalização para os gestores públicos em caso de incumprimento das metas definidas, as empresas públicas podem tornar-se tão rentáveis como qualquer projecto privado. Por que não em Angola?


As associações empresariais pedem que o Executivo regularize as suas dívidas junto dos seus filiados. Os industriais angolanos indicam a falta de matéria-prima, falta de água e energia eléctrica como os principais problemas. Pelo que, (1) regularizar a dívida e assegurar que a despesa pública, i.e. contratação de bens e serviços, contribua igualmente para redução das importações, devem merecer a atenção do Estado em 2019; (2) uma melhor rentabilização dos perímetros irrigados existentes em Angola poderia contribuir para produção local de matéria-prima e redução da importação de produtos alimentares; (3) dotar os pólos industriais, por ex.: de Viana e Catumbela, de infra-estruturas adequadas bem como facilitar a instalação de futuros investimentos na Zona Económica Especial (pensando já na exportação) poderiam permitir aos investidores produzirem com um custo mais competitivo. Sim, Angola está mesmo numa encruzilhada.

A ausência de acções pragmáticas visando a rápida industrialização de Angola é também agravada pela introdução de outros produtos primários, para além do petróleo e diamantes, como a banana, café, rochas ornamentais, madeira como solução para o problema da diversificação das exportações conforme preconizado pelo Executivo através do PRODESI. Adoptar uma postura semelhante a de países como a Etiópia[1], i.e., atrair investidores (nacionais e estrangeiros) interessados em tirar o maior proveito possível de programas como o AGOAAfrica Growth Opportunity Act dos E.U.A. e a possibilidade que a União Europeia dá aos países de rendimento baixo de exportarem com isenções para a zona Euro tudo excepto armas, isso antes de Angola ser adversamente graduada em 2021 pela ONU em país de rendimento médio ancorado no petróleo,  mostra-se necessário.

A solução requer uma missão, vontade política e exige disciplina uma sinergia entre o sector público e as associações empresariais nacionais envolvendo as instituições de ensino e pesquisa. Enfim, hoje mais do que nunca seria talvez conveniente resgatar algumas das velhas palavras de ordem como, disciplina e produção. Afinal, Angola está numa encruzilhada!

*Versão anterior publicada em:
Wanda, F. (2018) ‘Angola está numa encruzilhada! Expansão, Edição 504, 21 Dez. http://www.expansao.co.ao/artigo/107645/angola-esta-numa-encruzilhada-?seccao=7  

[1] Wanda, F. (2018) Fútila em Angola versus Adama na Etiópia: Um ineficiente Estado dificilmente leva o sector privado à prosperidade.Expansão, Edição 502, 7 Dez.

[1] Wanda, F. (2017) 'Solução da crise económica angolana? Disciplina, disciplina, disciplina!', Expansão, Edição 421, 12 Maio.
[2] Economista Ha-Joo Chang  numa entrevista no jornal El País, Jan. 2018.