domingo, 15 de março de 2015

Supply side economics e o perdão fiscal em Angola

Muitas vozes se levantam contra o recente decretado perdão fiscal, especialmente numa altura em que o país enfrenta um grande défice orçamental[1], devido a baixa de preço do petróleo, e a necessitar de identificar outras fontes de receitas. Mas qual é a lógica deste perdão?

A ideia de proporcionar um tax break, i.e. taxar menos os ricos não é nova nem tão pouco exclusiva do governo em Angola. Ela parece ter um certo respaldo na economia neoclássica através da supply-side economics[2] (ou trickle-down economics). Nos EUA, por exemplo, durante a era W. Bush (o filho) foi dado um incentivo, tax break, através do qual os mais ricos pagavam impostos mais reduzidos, na esperança de que estes tendo mais capital livre pudessem então reinvestir no sector produtivo. Contudo, ao invés de resultar num maior investimento no sector produtivo, conforme previsto, tal política teve efeitos nefastos a saber: não proporcionou um maior investimento no sector produtivo[3], acentuou ainda mais a desigualdade entre os ricos e pobres (actualmente é a maior de sempre e está sendo corrigida pelo Presidente Obama através da denominada “middle class economics[4]) e por último acentuou ainda mais a financialization da economia[5], isto é, a sobreposição do capital/sector financeiro a tudo o resto.

Será que em Angola iremos obter um resultado diferente do exemplo americano?

Para o caso de Angola a lógica parece basear-se no facto de estarmos num processo de recuperação económica. Muitas das nossas indústrias, das poucas que vão surgindo neste período de pós guerra, não têm ainda competitividade suficiente e precisam de investir mais em quase tudo, exemplo, novos processos de produção, equipamento, formação de recursos humanos. Dai que terem que pagar o que devem ao estado, poderia levar essas indústrias a falência sem oportunidade de sucesso.  

Apesar dessa possível justificação, o relatório da UNCTAD 2013 que apontou Angola como o ÚNICO país africano cujo investimento no estrangeiro foi superior ao volume de Investimento Directo Estrangeiro recebido em 2013 (ver o post de 28 Setembro 2014), dá-nos uma indicação do que nos espera.

Como fazer do perdão fiscal uma factor positivo?

Voltamos mais uma vez ao que já apresentamos em alguns dos nossos posts anteriores. Perdoar não é mal de todo, mas como algumas vozes mais críticas argumentam e com base no que foi dito anteriormente não basta perdoar somente por perdoar.

Por exemplo, em Angola até hoje não se sabe ao certo quem são os beneficiários e quanto é que o estado deixou de arrecadar com este perdão. O estado não tem necessidade de “esconder” este tipo de informação, afinal o estado é o ESTADO i.e. soberano nas suas decisões e poderia muito bem beneficiar das críticas para melhor calibrar esse seu projecto.

Para que tal perdão resulte, o estado em Angola deveria adoptar a política de stick and carrots, i.e. pão e pau (ver nossos posts anteriores). Afinal, se o ESTADO deu um benefício i.e. perdão fiscal, deveria estar em condições de exigir que o beneficiário reinvista mais no sector produtivo do país para que tal perdão tenha o efeito multiplicador desejado (i.e. gere mais empregos no sector formal, mais riqueza e por fim mais receita não petrolífera). De contrário, vamos continuar a ser destaque nos relatórios da UNCTAD mas, mais pelo lado negativo!




[1] O Relatório de Fundamentação do OGE 2015 Revisto aponta para um défice de 7,6% do PIB.
[2] A teoria que sugere que supply (fornecimento) cria demanda.
[3] No seu último discurso sobre o Estado da Nação o presidente americano Barak Obama fez questão de mencionar o regresso de algumas indústrias manufactureiras que haviam-se deslocado para China.
[4] Adopção de políticas que visam ajudar a classe media, que constitui a grande maioria da população
[5] Processo que teve origem com a revolução neoliberal dos anos 70.

sexta-feira, 6 de março de 2015

“Accumulation by disposation” ---> Criação de uma classe empresarial angolana forte?! (1)

A ideia do Governo Angolano criar uma classe empresarial angolana forte é bastante apelativa mas precisa ser desmistificada. Neste post começamos a analisar como esta “classe empresarial forte” está sendo criada para então podermos ver se o resultado esperado poderá ou não ser alcançado.

Existe uma explicação na economia neoclássica para essa postura governamental. De uma maneira simplista pensa-se que dando acesso a fonte de renda a poucos esses poderão depois reinvestir tais rendas criando um efeito multiplicador na economia, i.e., mais oportunidade de emprego no sector formal, maior oferta de bens e serviços, colocando tais rendas nos bancos locais outros poderão beneficiar de credito com juros mais aceitáveis, enfim, como se pode imaginar podemos eventualmente ter uma melhoria na qualidade de vida da população em geral. Como Adam Smith escreveu na sua obra A Riqueza das Nações, “não é da benevolência do açougueiro, do fabricante de cerveja ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse”. Isto significa que tais agentes, beneficiários deste processo de criação de uma classe empresarial angolana forte, iriam satisfazer seus interesses e nesse processo dariam uma ajuda positiva na melhoria da qualidade de vida da população.

Em Angola, conforme explicamos no nosso post de 28 Outubro 2013, este processo de criação de uma classe empresarial angolana forte está a sendo feito essencialmente através do que Harvey (2005:116) chama de “accumulation by disposition” (acumulação por expropriação) Samir Amin chamou de “acumulação da acumulação primitiva do capital”, mas o habitual é hoje chamarmos de “ PRIVATIZAÇÃO”.
Existem algumas “armadilhas” neste método. Primeiro precisa-se garantir que os beneficiários sejam capazes de produzir o tal efeito multiplicador. E para o caso de Angola não temos bons exemplos. Alguns beneficiários deste processo usam tais rendimentos essencialmente para aquisição de bens de luxo, dentro mas maioritariamente fora do país. Isto é, contrariamente ao que deles se espera muitos não têm sido capazes de gerar a tão desejada riqueza (que poderia impulsionar ainda mais outros sectores da economia) e acima de tudo não foram capazes de criar mais empregos no sector formal da economia. Em suma, não foram capazes de tornarem produtivos os bens privatizados em seu favor, só assim se explica o facto de Angola ter sido em 2013 o ÚNICO país africano cujo investimento no estrangeiro foi superior ao volume de Investimento Directo Estrangeiro recebido conforme o nosso post de 28 de Setembro 2014.

Olhando para o exemplo recente da Coreia do Sul e Taiwan, que parece ser o modelo eleito, podemos afirmar que o processo de criação de uma classe empresarial nacional forte fez com que esses dois países se desenvolvessem num curto espaço de tempo. Contudo, tal processo passou pela identificação de uma classe por si só empreendedora, a partida, a quem foi dada exclusividade em certos sectores da economia. Vale questionar o que fez com que as coisas na Coreia do Sul, em Taiwan funcionassem e cá deixa-nos sérias dúvidas? A “velha” máxima de stick and carrots, i.e. pão e pau! Na Coreia do Sul e Taiwan o grupo restrito de beneficiários teve todo o apoio governamental sob uma simples condição a saber: Os que não tivessem o desempenho esperado lhes era retirado o privilégio. Pergunta: Será o governo em Angola capaz de assim proceder? A história do processo de privatização dos anos 90 nos mostrou que não!  

domingo, 1 de março de 2015

Os Caminhos da Transformação Estrutural em Angola: A Indústria Manufactureira (2)

No último post tratamos de elucidar a necessidade de Angola coordenar melhor os investimentos a serem feitos quer por nacionais como estrangeiros através de uma política industrial selectiva. Neste post vamos começar a reflectir sobre a importância do sector industrial manufactureiro.

Por que razão é que Angola deve desenvolver uma indústria manufactureira?

Agostinho Neto na sua célebre frase parece ter-nos dado já uma resposta a essa questão “A agricultura é a base do desenvolvimento e a indústria é o factor decisivo” (veja o nosso post de 10 de Julho 2014). Contudo, para os mais cépticos, podemos nos socorrer da história do desenvolvimento de muitos dos actuais países desenvolvidos, por exemplo, EUA, Japão, Reino Unido, mais recentemente, Coreia do Sul e Taiwan mas podemos também incluir o caso da Malásia, para ilustrar que tal foi possível graças ao rápido aumento da produtividade no sector agrário o que seguiu-se uma rápida industrialização.

Países excessivamente dependentes do sector primário, exemplo o sector agrário, precisam melhorar os seus “terms of trade” (i.e. termos de negociação) para poderem beneficiar do crescimento do comércio mundial cf. Singer (1950). Isto porque o sector agrário está sujeito ao que a literatura especializada trata por “dimishing returns”, isto é, sob uma certa tecnologia mesmo que se acrescente a força de trabalho o resultado não altera, exemplo: o que se pode produzir em 1 hectare de terra arável acaba por ser o mesmo se usarmos 100 ou 1000 pessoas (o que aumenta é a força de trabalho empregada).

As pesquisas indicam igualmente que a medida que os países vão se desenvolvendo o sector agrário acaba por contribuir menos em termos percentuais para o PIB e emprego cf. Banco Mundial (2007), fruto da chamada transformação estrutural (cf. o post de 1 de Janeiro 2015).

O mesmo parece não se verificar quando se analisa o sector industrial manufactureiro. Ai, as pesquisas indicam que acontece o contrário, ou seja, acontece o que a literatura especializada trata por “increasing returns”, isto é, economia de escala (quanto maior for a produção, através de um processo de eficiência operacional, o custo por unidade pode ser reduzido).

Por último, para o caso de Angola é sabido que existe uma forte dependência do sector mineiro em geral e muito particularmente do sector petrolífero. Como resultado a nossa economia está sujeita a choques externos, i.e. Angola não pode controlar os preços (e a demanda) nos mercados externos. O sector petrolífero não consegue absorver a grande quantidade de mão-de-obra disponível no mercado (muita da qual não qualificada). 

Resumindo: Se Angola quiser ter “increasing returns”, isto é, economia de escala vai ter que desenvolver o sector industrial manufactureiro. Vale aqui deixar, em jeito de conclusão, as 3 Regras do Desenvolvimento[1] propostas por Kaldor (1967):

(1)   Todos os países se desenvolvem e atingem altos níveis de rendimento per capita através da industrialização.

(2)   Na etapa inicial as indústrias nascentes desenvolvem-se através de uma certa protecção.

(3)   Quem dizer o contrário estará mentindo.

Por que razão Angola está com dificuldades de se industrializar?

Existem várias razões que poderíamos aqui apontar para a nosso ainda fraco sucesso neste capítulo. Vale aqui relembrar que esse problema não é um problema exclusivo de Angola. Trata-se de um problema comum em África e em particular na região austral, SADC, onde estamos inseridos.

Para o caso de Angola, as razões vão desde a ausência de um aumento da produtividade no sector agrário, passam pela falta de infra-estruturas básicas (acesso a electricidade, água, estradas) para a instalação de parques industriais, dificuldade no acesso ao financiamento, até a falta de recursos humanos qualificados capazes de sustentarem tais empreendimentos.

Notem que muito do que foi assinalado está sendo “resolvido” de uma ou de outra forma (criando Zonas Económicas Especiais, construção de estradas, Angola Investe, o plano de formação de quadros). Contudo, está evidente[2] que o resultado dos últimos 6 anos nos indica que essas “boas” acções, abre-se aqui um parenteses para chamar atenção que não estamos aqui para fazer um juízo de valor sobre a forma como muitas das acções mencionadas foram/estão sendo realizadas, correm o risco de não produzirem o(s) resultado(s) esperado(s) devido ao que resumidamente chamamos de falta de coordenação dos investimentos feitos através de uma política industrial selectiva.



[1] Tradução do autor.
[2] Segundo o Relatório de Fundamentação do OGE 2015 de 2009- 2014 a Industria Manufactureira contribuiu em média menos de 10% do PIB ficando a 9.95% (cálculos do autor), saindo de 5.3% do PIB em 2009 chegando a 8.1% em 2014.