quarta-feira, 25 de julho de 2018

O Estado como agente promotor da inovação*


Hoje é comum descrever-se o Estado em geral e muito particularmente o sector público como um ‘peso morto’. Olhando particularmente para o caso de Angola, salta a vista os 25 mil novos funcionários públicos admitidos em 2017[1] em tempo de crise. Na ânsia de mostrar uma mudança de paradigma o Executivo Angolano anunciou que o Estado iria “limitar-se à promoção do crescimento da economia” [2] sem que todavia, indicasse o que o Estado, em Angola, passaria a fazer de concreto. Isso porque, como analisamos num outro texto[3], essa mudança de papel do Estado pode ser muito mais desafiante e como tal difícil de ser implementada pelo actual Executivo. Neste texto vamos analisar como o papel histórico do Estado no processo de promoção da inovação tem sido negligenciado no actual debate sobre o papel do Estado.

No último fórum sobre a Governação em África realizado na cidade de Kigali, Ruanda sob a égide da Fundação Mo Ibrahim, a Professora Mariana Mazzucato[4] nos recordou, por exemplo, que foi a ambição do Estado Americano de querer chegar à Lua (e neste processo suplantar os Soviéticos) que permitiu a inovação em vários sectores com ramificações lucrativas para o sector privado. A ideia do sector público ser uma estrutura velha e amorfa e o privado ser visto como dinâmico apesar de ser dominante, diz-nos a Professora Mazzucato, é historicamente errada por mascarar o facto de ter sido o sector público que financiou as grandes descobertas científicas que catapultaram o desenvolvimento a nível global.

Como explica a Professora Mazzucato poucas pessoas sabem e fazem referência hoje ao facto de que a gigante Apple, empresa criadora do telemóvel iPhone e que poderá atingir um valor em bolsa de USD1.000 milhões (i.e. segundo o jornal Expansão de 15 de Junho seria dez vezes o PIB de Angola) foi inicialmente financiada pelo Estado Americano. Hoje, muitos experts acreditam que ao Estado deve estar reservado essencialmente o papel de resolver as falhas de mercado.

Sobre a reforma do sector público em Africa, por exemplo, o Professor Joseph Ayee[5] escreve que contrariamente ao que era defendido pelas instituições financeiras internacionais como o Banco Mundial e o FMI, não é o tamanho do Estado que importa mas sim o que o Estado é ou não capaz de fazer com a eficiência e eficácia desejada. Isto significa que se o excesso de ‘gordura’ tornar o sector público numa estrutura amorfa, então devemos reduzir até torna-la numa estrutura mais funcional. Todavia, fique claro que os dados empíricos não indicam uma relação de causa- efeito (i.e. redução do tamanho do sector publico leva necessariamente ao aumento da eficiência e eficácia) já que uma redução do Estado pode não levar a uma melhoria da qualidade dos serviços prestados. Ao reduzir-se os custos, através da redução dos salários pela redução de pessoal pode-se, como consequência desta acção, elevar o custo indirecto para o cidadão, derivado da má qualidade do serviço prestado como parece ser o caso do Assento do Nascimento na 1ª Conservatória de Luanda, conforme apresentado num outro texto[6].

Nesta nova fase do desenvolvimento de Angola que se busca a diversificação da economia e o aumento das exportações, acreditamos que o Estado deve ser, acima de tudo, um promotor da inovação na economia. Para que tal seja possível é necessário que o Estado reveja a missão das suas instituições, uma vez que qualquer processo de inovação envolve experimentação e consequentemente riscos. Isto é necessário especialmente num contexto de desenvolvimento tardio que caracteriza Angola e muitos países africanos. Por incrível que pareça a palavra ‘inovação’ aparece apenas duas (2) vezes no documento de apresentação do PRODESI (um documento de 67 páginas) de Janeiro de 2018, ao passo que a palavra ‘desenvolvimento’ aparece 32 vezes. Desta breve constatação podemos inferir o tipo de desenvolvimento que se pretende alcançar em Angola.

Todavia, uma das lições que se pode tirar da necessidade do Estado ser um agente da inovação na economia é o facto de a inovação estar associada ao crescimento da indústria transformadora. Isso porque é através da criação de capacidades produtivas locais que se promove a inovação e o surgimento de novos empregos. Neste ponto voltamos mais uma vez a fazer recurso ao que nos indica a Economista Norte-americana Alice Amsden[7], i.e., que os investidores locais contribuam substancialmente para criação de competências e melhoramento das tecnologias de produção através de uma aposta na Investigação e Desenvolvimento, factores importantes para produção de produtos de valor acrescentado.

Enfim, pensar no sector público como um ‘peso morto’ não é apenas historicamente errado como também exonera o Estado das suas responsabilidades no que a promoção e difusão da inovação (a todos os níveis e sectores) diz respeito. Pelo que, é valido desejar que a reforma do Estado que o Executivo angolano pretende levar acabo, para além de contribuir para a melhoria da qualidade do serviço prestado ao cidadão conforme defendemos6, sirva também para incutir um espírito inovador no sector público angolano.


*Publicado inicialmente no Jornal Expansão edição 478, 22 Junho 2018. http://www.expansao.co.ao/artigo/97491/o-estado-como-agente-promotor-da-inovacao-?seccao=7



[1] Expansão, Edição 463, 9 de Março.
[2] ANGOP ( 12 Fev. 2018) ’Estado retira-se da actividade empresarial’.
[3] Wanda, F. (2018) ‘Que Papel para o Estado’. Expansão, Edição 470, 27 Abril.
[4] Numa comunicação apresentada no Fórum sobre Governação em Africa 2018 em Kigali, Ruanda.
[5] Ayee, J. (2008) Reforming the African Public Sector: Retrospect and Prospects. CODESRIA Green Book.
[6]Wanda, F. (2018) ‘Na prestação de serviços públicos, a percepção dos cidadãos é a realidade do Estado!’ Expansão, Edição 472, 11 Maio.
[7]Amsden, A. (2007) ‘Nationality of Firm Ownership in Developing Countries: Who Should ‘Crowd Out’ Whom in Imperfect Market?’ In Momigliano Lecture 2007. pp. 287–310.

domingo, 8 de julho de 2018

Quando a oferta não cria a sua própria demanda*


A conhecida Lei de Say indica-nos que ‘a oferta cria a sua própria demanda’. Todavia, a realidade prática muitas vezes apresenta-nos situações onde podemos ver que a teoria não se ajusta a realidade (i.e. devido as chamadas falhas de mercado). Tal parece ser o caso do sector da educação (com especial referência ao ensino superior) em África, de um modo geral, onde registasse um nível de instrução superior ao registado em períodos anteriores, nomeadamente após as independências, mas ainda assim as taxas de desemprego continuam altas[1]. Para o caso de Angola apesar do aumento do número de estudantes matriculados, de 13. 861 em 2002 para 286.000 em 2016 e registar-se um aumento de instituições de ensino superior, o desemprego ainda é uma preocupação especialmente desde 2015, período em que verificou-se um acentuado arrefecimento da economia. Este texto vem complementar algumas das ideias apresentadas num outro texto[2], analisando desta feita as razões da ausência de demanda para a oferta de uma mão-de-obra cada vez mais instruída.

Hoje parece ser inegável que em Angola assistimos uma situação de desemprego persistente. Apesar do Relatório Sobre Emprego publicado pelo INE em Setembro de 2017 indicar uma taxa de desemprego de 20% entre a população com 15 – 64 anos, este mesmo relatório também indica que o desemprego chega aos 38% entre os jovens dos 15 – 24 anos altura em que muitos terminam o ensino superior. Essa situação é agravada, ainda mais, com o aumento anual da oferta de graduados, por parte das instituições do ensino superior, sem que haja uma alteração a nível da demanda.

De facto, o Boletim Estatístico do Ensino Superior de 2016 indica, por um lado, que em 2015 foram colocados no mercado 12.395 graduados aumentando para 14.735 em 2016. Por outro lado, o Anuário de Estatísticas das Empresas do INE referente ao período de 2013 – 2016, indica que das 152.359 empresas registadas em 2016 estavam em actividade apenas 46.096 empresas. É importante notar que dessas empresas em actividade 50.3% pertencem ao sector do comércio, que como se sabe em Angola é muito dependente da importação o que produz uma pressão nas reservas internacionais líquidas. O sector da indústria transformadora, aquele capaz de gerar uma economia de escala e facilitar as interligações sectoriais, apesar dos investimentos feitos a nível dos polos de desenvolvimento industriais, ainda representa cerca de 5.5%. Estes dados ilustram bem a necessidade do Executivo adoptar políticas pragmáticas capazes de inverterem este quadro.

O desemprego persistente acaba por ser, como nos sugere Delong (2012) no longo prazo, um impedimento para a recuperação económica de um País. Para o caso de Angola é frequente ouvirmos os empregadores reclamarem da qualidade dos candidatos ao emprego. Um estudante recém-graduado que não encontra inserção no mercado de trabalho corre o risco, a medida que o tempo passa, de ver as suas habilidades e competências adquiridas ao longo do seu período de formação tonarem-se obsoletas sem que delas o País e o próprio indivíduo tenham tirado proveito. Esta situação pode obrigar a um reinvestimento na formação deste individuo ou, na ausência de incentivos, levar ao recrutamento de mão-de-obra expatriada. Infelizmente, este problema não tem merecido a devida atenção do Executivo.

O facto do sector da indústria transformadora, que comporta subsectores intensivos em mão de obra, representar apenas 5.5% das empresas em actividade serve para ilustrar o nosso argumento de que não se tem feito chegar recursos a aqueles segmentos e produtores que poderiam rapidamente gerar um efeito multiplicativo[3]. Como consequência, o fraco desempenho que a economia angolana registou nos últimos dois anos[4], dados recentes do INE indicam um desempenho negativo de -2,6% em 2016 e -2,1% em 2017 i.e. duas recessões, não gerou demanda suficiente para absorver a oferta de mão-de-obra graduada (i.e. com licenciatura concluída) disponível no mercado, com o agravante do Executivo apresentar soluções que, até prova em contrário, têm-se mostrado demasiado complexas para serem implementadas nos prazos avançados. Esta realidade faz com que, segundo o INE, 67% dos jovens desempregados desistam de procurar empregos.

Para se quebrar este ciclo que parece estar a tornar-se vicioso urge, por exemplo, compreender e resolver os constrangimentos que impedem as empresas registadas de darem início a sua actividade. No período em análise este número passou de 59.056 empresas em 2013 para 104.088 em 2016. Analisando particularmente o sector da indústria transformadora notasse que em 2013 aguardavam início 3.568 empresas e em 2016 este número passou para 5.197 empresas caso que deveria merecer a devida atenção dos órgãos competentes, a nível do Executivo, dada a especificidade deste sector num processo de transformação estrutural.

Enfim, se por um lado é importante que se aposte na formação da mão-de-obra em Angola, também não é menos importante tratar de se criar condições para que haja demanda para a oferta existente. O facto de mais de metade das empresas em actividade em 2016 pertencer ao sector do comércio mostra que o mercado, por si só, não vai corrigir essa falha. Pelo que, o Executivo, no seu ‘novo’ papel de regulador e coordenador, deve corrigir este mal. Afinal, como indicamos num outro texto[5], é imperioso que o Chefe do Executivo compreenda que o sucesso de Angola não pode estar dependente da flutuação ascendente do preço do petróleo nos mercados internacionais mas sim, de objectivos realistas e atingíveis no espaço de tempo definido.

*Publicado inicialmente no Jornal Expansão: Wanda, F. (2018) ‘Quando a oferta não cria a sua própria demanda’ Edição 476, 8 Junho. http://www.expansao.co.ao/artigo/96338/quando-a-oferta-nao-cria-a-sua-propria-demanda?seccao=7


[1] Wanda, F. (2017) “Se África Está no ‘Ponto de Inflexão’, O Que Será da Juventude em Angola: Ameaça ou Força para o Desenvolvimento? – Analise”, Novo Jornal (online).
[2] Wanda, F. (2018) ‘Emprego, juventude e desemprego: Será 2018 diferente?’ Expansão, Edição 454, 5 Janeiro.
[3] Wanda, F. (2017) 'Papel do BNA em tempo de crise - Convidado', Expansão, Edição 419 28 Abril.
[4] Podendo continuar até 2021.
[5] Wanda, F. (2018) ‘África precisa de ‘correr’, já o Executivo em Angola tem que encetar um sprint! Expansão, Edição 468, 13 Abril.