domingo, 14 de junho de 2015

Dlamini Zuma (Presidente da Comissão Africana) parece ‘surpresa’ pelo fraco comércio intra-africano, já eu não!

Achei muito interessante a constatação feita pela Presidente da Comissão Africana na semana passada, quando afirmou que os países africanos precisam aumentar o comércio entre si. Foi mencionado o facto de os países africanos registarem um comércio maior com países fora do continente do que com os seus vizinhos.

Após uma breve revisão com intuito de determinar quais têm sido as recomendações apresentadas para este problema, fiquei espantado ao notar que a necessidade que os países africanos, na generalidade (um pouco menos para o caso da África do Sul), têm de industrializar para poderem aumentar o volume das trocas comerciais entre si não aparece de uma maneira explícita. Fala-se, ao invés, abertamente da necessidade de se implementar reformas, de haver uma certa vontade politica, necessidade de se melhorar as infra-estruturas, criação de zonas de comércio livre por ai adiante.

Mas notem que a grande maioria dos países africanos são produtores de produtos primários i.e. matéria-prima. Olhemos por exemplo o caso de Angola, onde o petróleo tem uma preponderância muito forte nas exportações, o país precisa identificar clientes com uma necessidade de consumo muito forte. Antes os nossos maiores clientes eram os europeus e americanos e hoje são essencialmente os chineses.

Como explicamos no nosso post de 1 de Março de 2015, Angola precisa industrializar-se se quiser melhorar o que a literatura trata por terms of trade (i.e. termos de negociação). Desta forma para além de exportar/comercializar matéria-prima bruta iriamos igualmente comercializar produtos acabados com valor acrescentado.

Países como a Etiópia, a África do Sul estão seriamente apostados na industrialização. Angola ainda está numa fase muito básica limitando-se na produção de algum material para o sector da construção e na produção de bebidas. Tudo a ser feito com matéria-prima essencialmente importada! Vale acrescentar que a pouca produção interna esta virada para o mercado local e não para a exportação e captação de divisas. Para darmos passos mais sérios, Angola poderia começar por aplicar algumas das ideias discutidas nos nossos posts anteriores essencialmente no de 10 de Julho de 2014 e similares.

Assim sendo, pensamos nós que não basta dizer que África precisa aumentar o comércio interno. A pergunta certa, em nosso entender, seria: Como África poderia rapidamente se industrializar[1] para aumentar as trocas comerciais no continente?



[1] Afinal se tivermos em conta as 3 Regras do Desenvolvimento[1] propostas por Kaldor (1967):
(1)   Todos os países se desenvolvem e atingem altos níveis de rendimento per capita através da industrialização.
(2)   Na etapa inicial as indústrias nascentes desenvolvem-se através de uma certa protecção.
(3)   Quem dizer o contrário estará mentindo.
 

domingo, 7 de junho de 2015

Desarticulação da ANIP e a questão do Limited access order

Nos últimos posts frisamos a necessidade de haver uma melhor coordenação do investimento privado estrangeiro ou nacional se quiséssemos evitar o que analisamos nos posts de 28 de Setembro 2014 e 15 de Março de 2015. Contrariamente ao que a história do desenvolvimento económicos de países como o Japão, Taiwan, Coreia do Sul apenas para citar os mais proeminentes, nos ensina, isto é, estes países criaram agências responsáveis pela coordenação de investimentos em Angola, pelo que tomamos conhecimento através da imprensa local, parece que estaremos a sair de uma situação de concentração (creio acreditar mesmo, de uma certa coordenação) de esforços para descentralização do processo de investimento estrangeiro.

Vale recordar aqui as razões que serviram de base para a criação da ANIP[1]. Essa entidade surgiu, de forma resumida, para garantir uma melhor coordenação e acompanhamento do investimento privado (nacional ou estrangeiro), facilitar o acesso a informação, propondo a adopção de incentivos de várias formas, garantir que os sectores identificados como prioritários recebam o volume de investimento necessário.

Países em desenvolvimento como Angola sofrem o que a literatura chama de Limited access order[2] i.e. acesso limitado. Isto é, no contexto do tema em análise, para qualquer projecto de investimento, por exemplo, o investidor muitas vezes acaba por enfrentar várias barreiras as quais deve transpor para poder materializar o seu projecto. Este exercício torna oneroso o processo de investimento privado em países em desenvolvimento. Podemos mesmo acrescentar que num contexto de acesso limitado, a possibilidade de se incorrer a subornos para viabilizar-se projectos de investimentos é quase sempre uma realidade.

Apresentado desta forma, preocupa-nos saber que ao invés de reforçarmos a capacidade de actuação do actual organismo responsável pela coordenação do investimento privado, ANIP, vamos tratar de descentralizar. Sabendo que estamos num contexto de acesso limitado e a luz do que foi anterior ilustrado, acreditamos que poderemos estar igualmente a descentralizar males como o suborno e a corrupção.

Que o investimento privado (nacional ou estrangeiro) em Angola precisa ser melhor coordenado se quisermos desenvolver de forma sustentável o sector não mineral da nossa economia não temos como negar (ver por exemplo o post 1 de Março de 2015), contudo, ao descentralizar o processo de coordenação e acompanhamento do investimento privado num contexto de acesso limitado corre-se o risco de dificultar a tão desejada transformação estrutural da nossa economia.

Isto porque, num contexto de descentralização mas com acesso limitado, a possibilidade de criarmos o que chamamos de corrupção produtiva (ao invés da corrupção parasitária, ver post de 23 de Agosto de 2013) é bastante reduzida.

 




[1] Ver Estatuto Orgânico da ANIP disponível em: http://www.anip.co.ao/index.php?pag=conteudos&id=13
[2] Veja por exemplo Douglass North et al. (2007)