terça-feira, 5 de dezembro de 2017

A Reserva Estratégica Alimentar do Estado: Uma oportunidade para se corrigir o que está mal e criar demanda intersectorial em Angola*.

Ao lermos[1] que o Executivo projecta gastar 200 milhões de USD/ano criando uma Reserva Estratégica Alimentar do Estado acreditamos ser essa uma oportunidade singular para se estimular a produção local de alimentos visando satisfazer assim uma demanda real que em 2016 representou, segundo o Anuário de Estatística de Comércio Externo-2016 do INE, cerca de 314.914 milhões de kwanzas (1.898 milhões de dólares americanos)[2]. Segundo a notícia1, os experts do Ministério do Comércio dizem que Angola não produz, em volume suficiente, nenhum produto da cesta básica o que não deixa de ser verdade. Contudo, o que esses experts parecem negligenciar é que a única forma de Angola deixar de importar o que consome, num contexto em que as Reservas Internacionais Líquidas estão a um nível baixo[3], é através do aumento da produtividade no sector produtivo (agricultura e indústria).

Dados do Conselho Nacional de Carregadores (CNC) indicam que sete dos dez produtos mais importados, no 1º semestre de 2017, são do ramo alimentar o que faz do fomento da produção alimentar uma prioridade[4]. Um processo de produção interna bem articulado deveria permitir Angola, tendo como base os dados do CNC, mudar esse quadro a médio prazo. Por outras palavras, da lista dos produtos mais importados o Executivo Angola deveria elaborar um plano de acção concreto para retirar dela os produtos alimentares. Para que tal seja possível é necessário um aumento da produtividade no sector agrícola, através de um upgrade na tecnologia usada[5], melhoria na infra-estrutura básica (estradas, acesso a luz eléctrica), criação de sistemas de irrigação e disponibilização de insumos (sementes melhoradas, fertilizantes). De facto Hayami & Ruttan (1971)[6] explicam que o sector agrícola de um país só se desenvolve com a presença de um subsector industrial capaz de fornecer os inputs necessários (desde equipamentos aos insumos já mencionados).

Levando avante a criação desta Reserva Estratégica Alimentar o Executivo angolano poderia criar um estímulo para que se crie um círculo virtuoso, fazendo surgir empregos a montante, por exemplo, nas explorações agrícolas e no subsector da indústria de produção de equipamentos agrícolas e serviços especializados, e a jusante criar-se-iam empregos na indústria de produção alimentar, satisfazendo-se assim a demanda intersectorial desejada num contexto de fraca disponibilidade de divisas como é o actual momento que Angola vive. 

Apresentada desta forma compreende-se que a Reserva Estratégica Alimentar do Estado não deveria servir apenas para ajudar a controlar os preços dos produtos da cesta básica. Ela tem o potencial de desafiar os actuais produtores nacionais a aumentarem a produção, encorajar a entrada de novos actores, nacionais e estrangeiros, bem como de incentivar o sector bancário local a financiar projectos que visem satisfazer a demanda gerada e desta forma tornar sustentável essa proposta do Executivo. Enfim, essa visão vai exigir que o Executivo, a sair das próximas eleições, adopte uma mudança de paradigma, começando, por exemplo, a desencorajar a compra de produtos alimentares no exterior i.e. corrigindo o que está mal, e desafiando os produtores nacionais. Está lançado o desafio!


*Publicado inicialmente no Novo Jornal Online: http://www.novojornal.co.ao/economia/interior/a-reserva-estrategica-alimentar-do-estado-uma-oportunidade-para-se-corrigir-o-que-esta-mal-e-criar-demanda-intersectorial-em-angola-40909.html

[2] Combinando a importação de produtos agrícolas e alimentares cf. Quadro 5 - Exportação e Importação por Grupo de Produtos, Anuário de Estatística de Comércio Externo-2016 do INE. 1 USD = 165.903 Kz, câmbio médio a anual do BNA em 2016.
[3] Dados do jornal Expansão (Edição 431, pág. 4) indicam uma queda progressiva das RIL a partir de 2013.
[4]  O Programa de Industrialização de Angola do Ministério da Industria do Governo de Angola identifica a indústria de produção alimentar como prioritária.
[5] Para um posicionamento semelhante cf. Bernstein, H (2010).  Class Dynamics of Agrarian Change. Halifax: Fernwood, Cap. 1-3.
[6] Hayami, Y. and Vernon Ruttan (1971). Agricultural Development: An International Perspective. London, Johns Hopkins University Press.

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

A Falta de Consciência dos Grupos Económicos Angolanos Reflecte-se no Fraco Desempenho da Indústria Transformadora*.

No seu discurso à nação em 2015, por ocasião do 40º Aniversário da Independência, José Eduardo dos Santos afirmou e passamos a citar que “Não podemos estruturar o sistema económico nacional sem a presença no mundo do capital e do trabalho de empresas e grupos económicos angolanos conscientes e fortes, pois eles serão a garantia da nossa independência.” Apesar de concordarmos, neste post vamos ilustrar como apesar de interessante a Lei do Fomento do Empresariado Privado Angolano aprovada em 2003 pouco tem feito para assegurar a tão desejada independência económica, que esteve na base da sua aprovação através, por exemplo, de um forte contributo ao crescimento da indústria transformadora[1].

Num outro fórum ilustramos que o problema de Angola não passa necessariamente pela existência de grupos económicos com tendência a constituir monopólios mas muito mais pelos sectores em que estes grupos intervêm. Olhando para o processo de industrialização no período colonial salta a vista a existência, igualmente, de grupos com tendência a constituir monopólios. Como exemplo temos os seguintes grupos: Companhia União Fabril (CUF) dos Irmãos Mello, Grupo Champalimaud, Grupo Espírito Santo, Banco Português de Atlântico.

O que fizeram esses grupos no tempo colonial que hoje NÃO está sendo feito?
Esses grupos empresariais tinham ligações com a indústria transformadora, banca, comércio, transportes e agricultura como podemos ver abaixo o caso do grupo Companhia União Fabril (CUF) cf. Guerra (1973).
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Resultando num crescimento significativo da indústria transformadora (como percentagem do PIB) em 13 anos, imagem abaixo.


Hoje os “nossos milionários” ao invés de capitalizarem o controlo que têm da banca através da aposta nos sectores primários (agricultura) e secundário (indústria transformadora) não apenas por via de financiamento de projectos nesses sectores mas acima de tudo pela participação directa em projectos nesses sectores, estão mais virados para os sectores de serviços conforme Costa et. al. (2014)[1] nos mostram na imagem abaixo:


Nesses dois exemplos fica claro que a presença de monopólios no tempo colonial não impediu o crescimento da indústria transformadora especialmente no que toca ao seu contributo para o PIB. O fraco desempenho da indústria transformadora (como percentagem do PIB) no período pós-guerra mostra que contrariamente ao discurso político hoje os grupos económicos angolanos não parecem conscientes da necessidade de investirem, para além dos serviços, nos sectores primários (agricultura) e secundário (indústria transformadora) e como resultado ao fim de 13 anos (2003 – 2016) o contributo da indústria transformadora não é o mais desejado.





*Publicado no Jornal Expansão 1 Dez 2017 "A ‘culpa’ Fraco Desempenho da Indústria Transformadora é do modelo de Fomento Empresarial." http://expansao.co.ao/artigo/87939/a-culpa-do-fraco-desempenho-da-ind-stria-transformadora-e-do-modelo-de-fomento-empresarial?seccao=5 
[1] Costa J, Lopes J, Louca, F (2014) Os Donos Angolanos de Portugal.



[1] Kaldor (1967) explica que a indústria transformadora gera “increasing returns”, isto é, economia de escala (quanto maior for a produção, através de um processo de eficiência operacional, o custo por unidade pode ser reduzido).

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Doing Business 2018: Os Pólos de Desenvolvimento Industrial (e ZEE) Ainda Não Fazem a Diferença!

Parece ser já uma constatação que os países africanos precisam de se industrializar se quiserem evitar os booms e bust que os ciclos dos preços das commodities proporcionam, por outras palavras, para que estes países africanos deixem de estar expostos a volatilidade dos preços ditados pelos mercados internacionais[1]. Para além disso a ausência de industrialização faz com que hoje se verifique um nível de comércio intra-africano muito baixo. Como explicamos, por exemplo, no nosso post de 1 de Março de 2015, os países africanos precisam industrializar-se se quiserem igualmente melhorar o que a literatura trata por terms of trade (i.e. termos de negociação). Desta forma para além de exportarem/comercializarem matéria-prima bruta iriam igualmente comercializar produtos acabados com valor acrescentado.
Como África poderia rapidamente se industrializar[2] para aumentar as trocas comerciais no continente? Um processo de industrialização passa, segundo Kaldor (1967), por um aumento da produtividade no sector agrário. Mas isso por si só não basta é necessário infraestruturas básicas (acesso a electricidade, água, estradas), seguindo-se do acesso ao financiamento bem como de recursos humanos qualificados capazes de sustentarem tais empreendimentos.
Num contexto, como o que Angola vive actualmente, em que não é possível, por exemplo, disponibilizar infraestrutura básica por todo o país logo, é sensato identificar-se espaços específicos infraestruturar[3] e a partir desses espaços fomentar o surgimento de uma indústria moderna. É com base nessa perspectiva que se justifica o surgimento de pólos de desenvolvimento industriais e/ou Zonas Económicas Especiais. Para o caso concreto de Angola o relatório Doing Business 2018 produzido pelo Banco Mundial aponta aspectos como acesso a electricidade (rank 165), registo de propriedade (rank172) que num contexto de localização do empreendimento industrial num PDI ou ZEE não deveriam constituir problema e o país poderia assim melhorar a sua posição.
Os factos indicam que nos dois primeiros pólos do país, Viana e Catumbela, contrariamente ao que se esperava temos pouca actividade industrial. Para o caso de Viana apenas existiam em 2015 150 indústrias de manufactura num universo de 500 empresas, significa dizer que 70% do espaço criado (e minimamente infra-estruturado) não está a ser usado para criar a dinâmica necessária para a transformação estrutural da economia (ver por exemplo o post de 1 de Março 2015). Ao invés o espaço parecia estar a ser usado para o armazenamento (e respectiva comercialização) de produto importado[4].
Enfim, para o caso de Angola temos nos pólos industriais de Viana e Catumbela como os exemplos a partir dos quais o ministério de tutela deveria tirar as devidas lições sendo mais pragmático. Por outras palavras, tornar esses dois espaços verdadeiramente indústrias, tirar lições e avançar para outras experiências. Caso não se concentrar a actividade industrial nos PDIs e ZEE, Angola dificilmente poderá melhorar a sua qualificação nos rankings como o doing business do Banco Mundial apesar dos esforços em outros aspectos do mesmo ranking. O Doing Business 2018 mostra que os PDIs e a ZEE ainda não estão a fazer a diferença!      




[1] O Relatório African Economic Outlook 2017 (Perspectivas Económicas em Africa) foi dedicado ao tema do empreendedorismo e industrialização.
[2] Afinal se tivermos em conta as 3 Regras do Desenvolvimento propostas por Kaldor:
(1)   Todos os países se desenvolvem e atingem altos níveis de rendimento per capita através da industrialização.
(2)   Na etapa inicial as indústrias nascentes desenvolvem-se através de uma certa protecção.
(3)   Quem dizer o contrário estará mentindo.
[3] Este processo pode ser feito através de parcerias público-privadas ou por entidades privadas (através de concessão de exploração).
[4] Felizmente o ministério de tutela através do IDIA está rescindir contracto de “Direito de Superfície com superficiários no Pólo de Desenvolvimento Industrial de Viana, cujos terrenos disponibilizados encontram-se em situação de abandono ou por não implementação do projecto em tempo útil” a nível do PIV em Luanda, ver Newsletter do PIV de 27 de Out. 2017. Apesar de não corrigir a situação descrita acima serve para mostrar que existe uma mudança no sentido, pensamos nós, de se dinamizar o espaço dando-lhe o uso previsto.

sábado, 28 de outubro de 2017

Optimismo (in)justificado na mudança de Governador no Banco Nacional de Angola?

Ao lermos a notícia da exoneração do então Governador do BNA Valter Filipe (a seu pedido) não podemos deixar de notar um certo optimismo que a nomeação do antigo Governador José de Lima Massano terá trazido. Contudo, preferimos esperar para ver se esse optimismo vai se traduzir numa melhoria, por exemplo, da gestão das divisas colocando-as mais ao serviço do sector produtivo nacional e menos ao serviço da compra de activos no exterior. E é precisamente neste ponto que lembramos que durante a passagem de José de Lima Massano pelo BNA de 2010 à Janeiro de 2015 o stock de investimento de angolanos no exterior do país aumentou consideravelmente saindo de menos de 5.000 milhões em 2009 para mais de 20.000 milhões em 2014, ver imagem abaixo. Esse movimento ocorreu depois do Executivo ter solicitado ajuda do Fundo Monetário Internacional em 2009.























Por outro lado, tendo esse capital saído no primeiro ‘reinado’ de José de Lima Massano o seu regresso ao BNA pode sinalizar o desejo do actual Chefe do Executivo ver o retorno dos dividendos e/ou do capital ‘parqueado’ fora (i.e. sem estar aplicado de forma produtiva). Afinal, Massano enquanto Governador do BNA terá supervisionado essa saída de capital, pelo que, deverá melhor do que ninguém saber identificar os promotores e os destinos.

Enfim, num contexto em que as Reservas Internacionais quidas (RILs) estão num nível baixo[1], depois de terem atingido o pico mais alto em 2013 durante a primeira passagem de Massano pelo BNA, acreditamos que o momento aconselha prudência, pelo que, somente depois de vermos, por exemplo, mudança na gestão do processo de alocação de divisas ou o repatriamento dos dividendos desses investimentos feitos no exterior poderemos dizer que o clima de optimismo é justificado!





[1] Dados do jornal Expansão Edição 442 indicam que as RILs situaram-se a volta dos 15.6 mil milhões em Agosto (6 meses de importação) 

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Ainda sobre a alocação de divisas: Parece que o BNA não está a fazer o seu devido papel

Ao lermos hoje no jornal Expansão[1] que o BNA continua a ‘facilitar’ a saída de capital angolano para aquisição de “empresas, casas e títulos no estrangeiro” ao invés de, por exemplo, priorizar o sector produtivo na aquisição de equipamento e matéria-prima (quando necessária) num período em que o novo Executivo diz-se comprometido com o processo de diversificação da economia, recordamos do que já havíamos dito no nosso artigo[2] publicado no dia 28 de Abril neste mesmo jornal e onde assinalávamos que o grande desafio era saber se teria “o BNA e o seu Governador a capacidade de monitorizar e assegurar que as divisas disponibilizadas sejam canalizadas para o sector produtivo e não usadas na aquisição de propriedades e bens de luxo no exterior?” Pelo texto apresentado pelo Expansão ficamos hoje a saber que a resposta infelizmente é “Não!”

Enfim, é necessário que a as palavras estejam alinhadas com as acções i.e. não basta dizer que existe vontade de diversificar a economia angolana, é necessário traduzir essa vontade em actos concretos, que passa por uma mudança no processo de alocação de divisas.




[2] Fernandes Wanda (2017) 'Papel do BNA em tempo de crise - Convidado', Expansão, Edição 419 28 Abril.
                                                                                                                                                                         

domingo, 1 de outubro de 2017

Os desafios do próximo governo em Angola

Lemos no jornal Expansão, edição 440, que o próximo Governo poderá ser mais reduzido do que o cessante, passando dos actuais 33 para 28 ministérios, número que acabou por ser actualizado para 31 ministérios na edição 441. Apesar de saudarmos tal medida ainda assim pensamos ser excessivo o que demonstra a dificuldade que o Chefe do Executivo vai ter em tomar medidas que possam ser impopulares a nível da cúpula do MPLA. Manter a coesão e consequentemente a estabilidade no seio do partido dominante em Angola será seguramente um dos grandes desafios do novo presidente João Lourenço especialmente num contexto em que existe um outro líder a nível partidário. 

Independentemente das prioridades a estabelecer pela futura equipa económica o certo é que Angola precisa retomar o crescimento económico, desta feita de forma sustentável, uma vez que a economia vem abrandando desde 2014, quando o PIB foi de 4.8%, tendo atingindo 0.1% em 2016. Pelo que, pensamos que com vista a se assegurar uma certa estabilidade macroeconómica o Executivo, a nível do OGE, deverá manter as Despesas (D) inferiores as Receitas (R) ou no mínimo D = R. Este objectivo passaria por uma melhoraria da qualidade da despesa através, por exemplo, da aplicação cabal da Lei da Contratação Pública (Lei nº 20/10 de 7 de Setembro) o que poderia alavancar algumas das Micro, Pequenas e Médias Empresas, certificadas pelo INAPEM, que poderiam proporcionar à juventude oportunidades de emprego no sector formal da economia.

Mobilizar os recursos financeiros necessários para a desejada retomada do crescimento económico, num contexto em que a principal commodity de exportação de Angola está em crise nos mercados internacionais apresenta-se como um outro desafio importante. Sabemos que na sua entrevista a agência espanhola EFF, ver edição 437 do Expansão, o agora presidente João Lourenço mostrou uma preferência para o investimento directo estrangeiro (IDE) ao passo que neste espaço, edição 440 do Expansão, alertamos sobre o risco de uma total dependência no IDE e ilustramos a necessidade de se encorajar o repatriamento do capital de angolanos através, por exemplo, da protecção legal do direito de propriedade vital para captação de IDE

Para o processo de retoma da economia, existem muitos exemplos de países em outras regiões do mundo, por exemplo no Sudeste asiático podemos citar a Coreia do Sul e Taiwan, mas também temos, hoje, em África uma das economias que mais cresce no mundo i.e. a Etiópia. O que todos esses países têm em comum é que o caminho para o desenvolvimento sustentável começou com um aumento considerável da produtividade no sector agrícola. Num outro fórum[1] indicamos que Angola precisa produzir grande parte dos alimentos que consome. Hoje sabemos que não é sustentável continuar a gastar cerca de 314.914 milhões de Kwanzas (1.898 milhões de dólares americanos)[2] na importação de alimentos.

Existem investimentos em canais de irrigação bem como desagravou-se (via pauta aduaneira) a importação de maquinaria para o sector produtivo (que inclui a agricultura). Contudo, também sabemos que, por exemplo, muitas das terras irrigadas na zona da Quiminha ou mesmo do canal de irrigação do Kikuxi não estão a ter o uso esperado e como tal não estão a contribuir para auto-suficiência alimentar nos produtos mais importados[3], esse mal precisa ser corrigido. Um aumento de produtividade no sector agrícola pode fazer surgir a jusante o subsector da indústria de produção de equipamento e maquinaria agrícola e montante forneceria matéria-prima para a indústria alimentar satisfazendo assim a demanda intersectorial

É preciso fazer funcionar os dois primeiros pólos industriais do país Viana e Catumbela que contrariamente ao que se esperava registam muito pouca actividade industrial. Para o caso de Viana, em 2015, existiam 150 indústrias transformadoras num universo de 500 empresas, significa dizer que 70% dos espaços criados não estavam a ser usados para criar a dinâmica necessária para a transformação estrutural da nossa economia. A utilização correcta desses dois espaços poderia ajudar na redução do custo de produção e, eventualmente na busca de parcerias internacionais, através do IDE, com vista a dinamizar e diversificar as exportações, almejar captar, por exemplo, parte dos cerca de 80 milhões de empregos no sector da indústria transformadora que a China está a fazer deslocar para outros países[4].

Todas essas acções exigem uma melhor coordenação do desenvolvimento nacional, dados estatísticos fiáveis e atempados para facilitarem a definição de metas concretas da diversificação da produção nacional e tomada de decisões. A aposta em sectores intensivos em mão de obra como os acima indicados, agricultura e indústria transformadora, permitiria que o crescimento nesta nova fase gerasse empregos, para a juventude, bem como que os serviços e produtos feitos em Angola pudessem, através de um programa de melhoria contínua da qualidade, a nível interno aumentar o conteúdo local no sector petrolífero e nos projectos de obras públicas e por via da diplomacia económica, expandir-se para outros mercados.

Enfim, para que o novo Executivo possa fazer face aos desafios identificados, acreditamos que vai ser preciso adoptar um posicionamento mais pragmático e flexível. Duas qualidades que segundo as nossas pesquisas[5] estão na base do sucesso das economias emergentes.




[1] Wanda, F. (2017) “A Politica Cambial na Óptica do PR: O que ficou por ser dito? – Analise”, Novo Jornal (online) disponível online: http://www.novojornal.co.ao/artigo/77162/a-politica-cambial-na-optica-do-pr-o-que-ficou-por-ser-dito-analise?seccao=NJ_Eco
[2] Combinando a importação de produtos agrícolas e alimentares cf. Quadro 5 - Exportação e Importação por Grupo de Produtos, Anuário de Estatística de Comércio Externo-2016 do INE. 1 USD = 165.903 Kz, câmbio médio anual do BNA em 2016.  
[3] Com base nos dados do Conselho Nacional de Carregadores.
[4] Segundo Justin Lin, ex-Economista Chefe do Banco Mundial citado pela Bloomberg (22/07/2014).

domingo, 24 de setembro de 2017

Para quando as metas concretas (por empresa) e disciplina no sector empresarial público em Angola?

Essa foi a pergunta feita por nós quando explicamos na edição 421 de 12 de Maio do jornal Expansão que ‘disciplina’ era o que o sector público angolano necessitava. Assim sendo, não foi nossa surpresa ler na edição 439 de 15 de Setembro do Expansão que de um universo de 75 empresas públicas, 51 apresentaram as contas (das restantes 24 não se tem notícias) e ainda assim destas 51 empresas apenas 11, 21%, tiveram as contas aprovadas sem reservas. Notem que isso acontece apesar de no dia 21 de Julho 2015, o Expansão ter noticiado[1] que o ISEP, na pessoa do seu PCA, informou que “as empresas públicas deverão chegar até ao ano de 2017 com as contas homologadas sem reservas.” Existe prova maior de indisciplina?

Deste exercício subentendesse que existe uma desproporcional correlação de forças entre a instituição que deve controlar o sector empresarial público i.e. o ISEP e a gestão das empresas publicas angolanas i.e. o Conselho de Administração dessas empresas. Até agora tudo indica, pelos resultados divulgados, que a gestão do ISEP não tem o mesmo capital político i.e. apoio da superestrutura governativa, de que parecem gozar os gestores dessas empresas públicas que teimam em não prestar contas da sua gestão. Será que este quadro vai mudar quando o presidente eleito for empossado? A ver vamos!

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Desvalorização do Kwanza condição para a retoma do crescimento económico em Angola?

Temos acompanhado com alguma atenção o debate em torno da necessidade de se desvalorizar o Kwanza, como forma de reduzir-se a pressão sobre as reservas internacionais líquidas (RIL), e assegurar a retoma do crescimento económico em Angola. Contudo, não podemos deixar de assinalar que nesta conversa está-se a perder de vista o facto de que hoje em Angola o acesso a moeda externa é fortemente controlado pelo Banco Nacional de Angola nas vestes de banco central e isso tem outras implicações.

Partimos do princípio que compreendemos, para o caso de Angola, que um Kwanza forte pode ser bom (a curto prazo) para os consumidores que têm as suas poupanças em moeda nacional mas que, a longo prazo, acaba por desencorajar a produção nacional, fazendo acentuar ainda mais a dependência dos recursos financeiros provenientes da venda de recursos naturais para sustentar a importação de produtos acabados. Esta situação num contexto em que as RIL de Angola registam uma queda progressiva desde 2013 não seria viável. Uma solução, muitas vezes proposta, passa por desvalorizar a moeda nacional, por formas a tornar mais competitiva a produção nacional e desta forma incentivar a exportação, e por essa via enfraquecer o poder de importação de produtos acabados.

O problema desta solução, no actual contexto angolano, não é apenas o processo eleitoral em curso e o custo político que uma medida de desvalorização da moeda acarreta. Existe a necessidade de compreendermos que em Angola existe uma forte restrição no acesso a moeda externa e isso faz com que contrariamente ao que nos indicam os manuais i.e. desvalorização da moeda (A) à dificulta acesso a divisas (B) à redução das importações (C) àincentiva a produção local de bens e serviços (D) de onde se depreende que B (dificultar acesso a divisas) é necessário para D (incentivar a produção local de bens e serviços) ter lugar, podemos afirmar que já existe B (dificuldade de acesso a divisas) sem A[1] (desvalorização da moeda). Tal posição está visível no OGE de 2016 Revisto onde se explica, na página 16, que “ [e]m 2013, a importação de alimentos cifrou-se em USD 450 milhões, USD 465 milhões, em 2014; em 2015, a importação de alimentos caiu severamente cerca de 27,%, passando para USD 338 milhões.” Pelo que, propor A (desvalorização da moeda) como solução para D (incentivar a produção local de bens e serviços), em nosso entender, pode não ser a melhor opção.

Desvalorizar o Kwanza nesse contexto poderia ter um efeito adverso naquelas indústrias que precisam de (1) renovar os equipamentos, (2) assistência técnica especializada temporária num contexto de renovação de equipamentos, (3) por tempo determinado importar matéria-prima localmente indisponível. Esta posição (1 e 2) é sustentada pelo Anuário de Estatística de Comércio Externo-2016 do INE que nos indica que a importação de máquinas e aparelhos representa 24,71% da estrutura de importação de Angola (a maior fatia). Como nos explica David Ricardo na sua obra On the Principles of Political Economy and Taxation (pág. 271) o país que não investe em maquinaria, i.e. tecnologia, acaba por exportar capital para os países que assim procedem uma vez que a produção local de bens e serviços deixa de ser competitiva.  

Numa outra comunicação[2] indicamos que a intervenção do banco central i.e. o BNA, neste cenário, deveria ser no sentido de “capitalizar preferencialmente o sector produtivo”, através da identificação (por meio de uma politica industrial selectiva gizada pelos órgãos competentes do Executivo) “daquelas indústrias que se mostrassem viáveis de a médio prazo tornarem-se competitivas a nível regional e global, com forte potencial de crescimento no que toca a criação de empregos (necessários para as economias em transição), receitas e volume para exportação” trazendo divisas para economia. Tal medida acoplada a uma política de incentivo ao repatriamento dos dividendos dos investimentos angolanos no exterior (em 2015 passou a fasquia dos 20.000 milhões de dólares norte-americanos, quando neste momento as RILs de Angola situam-se a volta dos 18.026 milhões de dólares norte-americanos) contribuiria para que as empresas fizessem “o fluxo financeiro das divisas para a economia” conforme desejo expresso pelo senhor Governador do BNA numa entrevista.

Contudo, se olharmos para os dados do Anuário de Estatística de Comércio Externo-2016 notamos que os combustíveis representam 92,97% das exportações e que contrariamente ao que nos apresenta as Linhas Mestras para a Definição de uma Estratégia para a Saída da Crise Derivada da Queda do Preço do Petróleo No Mercado Internacional os produtos identificados como exportáveis a curto prazo continuam a espera de melhores dias.

Apresentado desta forma podemos ver que não se está a fazer chegar recursos a aqueles sectores e produtores que poderiam rapidamente gerar um efeito multiplicativo essencialmente por via do aumento da demanda intersectorial[3]. De facto, um estudo feito pelo BNA em 2013, Estudo do Desenvolvimento Equilibrado da Função de Crédito na Economia Angolana, mostra-nos que deixar que o mercado regule por si só o processo de alocação de recursos (no caso crédito) num país em transição, como Angola, parece ter impossibilitado que o sector produtivo, aquele capaz de gerar empregos sustentáveis em especial para a juventude, tivesse os recursos financeiros de que necessita para se reerguer e transformar a economia. Ao invés disso, o BNA, através deste estudo, identifica o sector de serviços seguido do comércio como os maiores beneficiários de crédito em Angola. Pelo que, mais do que priorizar uma desvalorização da moeda para retoma do crescimento económico, Angola, através do BNA e do seu Governador, precisa sim de rever o actual processo de alocação de divisas. Acreditamos que continua ainda válida a questão colocada anteriormente2 i.e. “terá o BNA e o seu Governador a capacidade de monitorizar e assegurar que as divisas disponibilizadas sejam canalizadas para o sector produtivo e não usadas na aquisição de propriedades e bens de luxo no exterior?” a resposta até ao momento, infelizmente, não é positiva.

* Versão anterior foi publicada no Novo Jornal online e esta disponível aqui:




[1] Se tivermos em conta as variações da taxa de câmbio BNA podemos dizer que tem havido uma desvalorização tímida (2013 taxa média Kz/USD 97.619 Dez.; 2014 taxa média Kz/USD 103.069 Dez.; 2015 taxa média Kz/USD 135.315 Dez.; 2016 taxa média Kz/USD 165.903 Dez.) contudo é assinalável a grande discrepância com relação ao mercado informal.
[2] Wanda, F. (2017) 'Papel do BNA em tempo de crise - Convidado', Expansão, Edição 419 28 Abril.
[3] Que poderia, por exemplo, contribuir para substituir a necessidade de importação de matéria-prima apresentada no para. 3.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

O novo canal fluvial, de 40 milhões de USD, entre Angola e Zâmbia vai ter retorno?

Lemos com algum cepticismo[1] que o novo canal fluvial entre Angola (Rivungo, Kuando-Kubango) e Zâmbia (Shangombo), cuja obra esteve avaliada em 40 milhões de USD, iria impulsionar o comércio transfronteiriço entre os dois países bem como estimular o turismo. Como já havíamos assinalado no post de 14 de Junho 2015, “a grande maioria dos países africanos são produtores de produtos primários i.e. matéria-prima” o que torna o comércio intra-africano exíguo. 

Para que o comércio fosse de facto impulsionado seria necessário saber se foi previamente feito um estudo sobre os produtos, para além do petróleo, que Angola poderia exportar de forma competitiva para a Zâmbia. Isso porque sabemos que a África do Sul (de certa forma também o Zimbabwe) não só tem empresas com operações neste país, exemplo a Shoprite e a SABMiller, como também exportou para Zâmbia em 2015 um volume avaliado em 2.67 mil milhões de USD[2]. Apesar da extensa fronteira terrestre Angola não figurava entre os cinco (5) maiores exportadores para Zâmbia em 2015 (lista2 liderada pela África do Sul, integrando ainda por ordem de importância a República Democrática do Congo, China, Ilhas Maurícias e o Quénia).

Ao consultarmos alguns colegas do outro lado da fronteira, ficamos a saber que o nosso cepticismo era partilhado pelos experts de lá que encaram esse projecto como mais um dos vários (como o Terminal Mineiro no Porto do Lobito) que, no entender dos mesmos, talvez não fossem prioritários. Visto desta forma, acreditamos ser chegado o momento de o Executivo angolano rever o seu modelo de avaliação dos investimentos públicos avultados em infra-estruturas que poderão levar muito tempo a darem retorno ou que com tempo revelar-se-ão inconvenientes. Do nosso lado, no que respeita ao canal, esperamos que a nossa previsão esteja errada para o bem de Angola.



[1] Novo Jornal Online publicado 29/06/2017
[2] Fonte: The Observatory of Economic Complexity http://atlas.media.mit.edu/en/profile/country/zmb/ (Acedido: 1 Agosto 2016).