segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Economia informal e a tributação das Micro, Pequenas e Médias Empresas

Segundo dados da Administração Geral Tributária (AGT) “o mercado angolano tem um nível de informalidade estimado na ordem dos 60% sendo este constituído por Nano, Micro e Pequenas Empresas”[1]. Esta constatação representa ao mesmo tempo um desafio e oportunidade no que ao alargamento da base tributária diz respeito.

Contudo, ao lermos um estudo do Gabinete da Contratação Pública do Ministério das Finanças (MINFIN)[2] de Abril 2015 obtivemos alguns dados interessantes a saber: das 9547 MPME certificadas pelo Instituto Nacional de Apoio às Micro, Pequenas e Médias Empresas (INAPEM) 46.6% estão localizadas em Luanda chegando a existir províncias com apenas 61 empresas certificadas (província do Zaire). Uma outra constatação interessante é o facto de 45.7% das MPME registadas dedicarem-se ao comércio a retalho e apenas 8.6% a indústria manufactureira. Este facto deveria preocupar os nossos fazedores de políticas uma vez que a teoria económica nos mostra que o sector do comércio a retalho tem menos possibilidade de contribuir directamente para a diversificação das exportações (e consequentemente a arrecadação de divisas). Sendo o comércio a retalho o foco da grande maioria das MPME em Angola a possibilidade delas directamente jogarem um papel preponderante na criação de empregos sustentáveis, como acontece em outras partes do mundo, parece-nos reduzida. 

No que tange ao acesso a serviço através da contratação pública, vê-se neste boletim que as MPME tiveram acesso (no período em analise) a apenas 6,3% de todas as cabimentações realizadas (correspondendo 1.247 de um total de 19.932). O interessante é constatar que as MPME cadastradas pelo MINFIN tiveram acesso apenas a 1,3% das cabimentações uma vez que os restantes 4,9% recaíram as MPME não cadastradas, o que não deixa de ser preocupante. Vale aqui realçar que o facto das MPME não cadastradas levarem vantagens no que toca ao acesso a cabimentações a nível da contratação pública, não significa que elas não estejam a contribuir com o pagamento de impostos. Contudo num país onde o estado, através da contratação pública, permite as MPME acesso a renda esta realidade levanta sérios desafios ao propósito da AGT de expandir a base tributaria uma vez que não nos parece haver um incentivo ao cadastramento das MPME junto do MINFIN, logo, poderá estar havendo um controlo deficiente.

Se quisermos reduzir os actuais 60% de nível de informalidade no mercado nacional, algumas medidas de política podemos depreender dessa nossa reflexão: (1) garantir que no processo de contratação pública o cadastramento sirva de incentivo as MPME, (2) criar incentivos para que o número de MPME no sector da indústria transformadora aumenta (dando apoio a projectos em sectores como a agro-indústria, a fabricação de vestuário e calçado) ou que as existentes (viradas ao comércio a retalho) evidenciem esforços para comercializarem cada vez mais produtos made in Angola.

Em suma, para que as MPME em Angola, como em outras partes, sejam o motor da economia, gerando empregos sustentáveis e contribuindo com os seus impostos, elas precisam actuar em sectores capazes de gerarem uma economia de escala (ex.: indústria transformadora) bem como ter acesso a renda (incluindo via contratação pública), duas das coisas que actualmente não se verificam, logo, justifica-se o actual grau de informalidade.



[1] Fonte: Website do MINFIN http://www.minfin.gv.ao/press/news_1447.htm acedido aos 7 de Dez 2015
[2] MINFIN Gabinete da Contratação Publica (Abril 2015) “Boletim Estatístico da Contratação Pública Angolana 2o Semestre de 2014

domingo, 13 de dezembro de 2015

Por uma Política Industrial Selectiva (1): O caso do acesso ao crédito

Ao ler um estudo feito pelo Banco Nacional de Angola (BNA) em 2013 sobre a situação creditícia em Angola[1] chamou-me a atenção a seguinte constatação de que “ [o] crédito apresenta uma elevada concentração em Luanda e no sector privado, sendo os empréstimos ao sector dos serviços o maior consumidor de crédito”[2], pelo que, restaria saber se este sector está a gerar empregos sustentáveis, receita (através dos impostos) e potencial para exportação (gerando divisas).

Neste blog chamamos a atenção em várias ocasiões (ver por exemplo post de 1 de Março 2015, 10 de Julho 2014) para a necessidade de se apostar no sector produtivo nacional. O facto de o nosso banco central (no caso o BNA) ter identificado o sector de serviços como o maior beneficiário de crédito em Angola serve como a mais forte evidência da necessidade de termos de uma política industrial selectiva, i.e. intervir para direccionar recursos a um determinado sector em detrimento de outro (e dentro deste sector apoiar determinados empreendedores em detrimento de outros). Vale recordar que a dificuldade no acesso ao financiamento representa um dos maiores entraves identificado por empreendedores em Angola no que toca ao ambiente de negócios[3].

Esta constatação do BNA mostra-nos que deixar que o mercado regule por si só o processo de alocação de recursos (no caso crédito) num país em transição, como Angola, parece ter impossibilitado que o sector productivo, aquele capaz de gerar empregos sustentáveis em especial para a juventude, tivesse os recursos financeiros de que necessita para se reerguer e transformar a economia.

Muitos poderão argumentar que esse resultado se deve a denominada Dutch disease (doença holandesa, ver post de 1 de Janeiro 2015) onde as receitas minerais, no caso de Angola receitas essencialmente petrolíferas, fizeram com que a moeda se fortalecesse tornando mais barata as importações.

Contudo, se partirmos da perspectiva segundo a qual, a presença de uma política industrial selectiva poderia permitir ao estado intervir no processo de alocação de crédito, priorizando o sector productivo nacional ao invés do sector de serviços. Outras medidas poderiam igualmente ser tomadas por formas a tornar viável os projectos de investimento que fossem apresentados, isto é, adopção de uma política industrial selectiva poderia mostrar a quem de direito que tal intervenção (i.e. alocação de crédito) não poderia ser viável sem o complemento de outras medidas como exemplo a necessidade de desvalorizar a moeda para tornar mais oneroso o processo de importação do produto acabado.

Ainda dentro de uma política industrial selectiva e no âmbito do que temos estado a reflectir neste blog[4] teria acesso ao crédito, dentro do sector productivo, apenas aquelas indústrias que se mostrassem viável de a médio prazo tornarem-se competitivas a nível regional e global, com forte potencial de crescimento no que toca a criação de empregos (necessários para as economias em transição), receitas e volume para exportação. Dentro dessas indústrias com este potencial de crescimento, teriam acesso ao crédito (com condições vantajosasapenas os empreendedores que assumissem o compromisso de atingirem metas predefinidas (metas de emprego, receitas fiscais e volume de exportação). Teria que haver uma componente de condicionalidade com cláusulas claras de penalização caso tais metas não fossem atingidas.

Em resumo, neste post tentamos ilustrar como países em transição, como o caso de Angola, poderiam alocar melhor o crédito disponível para a economia através da adopção de uma política industrial selectiva que permitisse revitalizar os sectores com maior possibilidade de a médio prazo proporcionarem economia de escala, empregos sustentáveis, receitas e volume para exportação. De resto, o estudo do BNA por si só nos mostra que o mercado tem estado a alocar recursos, talvez, para o sector menos desejado para uma economia em transição.  

 




[1] BNA (2013) “Estudo Sobre a Potenciação de Crédito Na Economia Angola”
[2] Ênfase é nosso
[3] Ver World Economic Forum (2014) The Global Competitiveness Report 2014–2015 (tradução: Relatório da Competitividade Global de 2014-15), p. 108.
[4] Ver post de 8 de Novembro 2015 onde explicamos que não é viável dar suporte equitativo a todas as industrias, sectores e regiões ao mesmo tempo

sábado, 12 de dezembro de 2015

Alguma coisa fazemos mal!

Neste espaço já tratamos de abordar a centralidade da indústria, no geral, e em particular da indústria manufactureira bem como apresentamos medidas que poderiam ser tomadas para dar suporte a indústria emergente (ver por exemplo os posts de 26 de Julho 2015, 1 de Março 2015).

Neste momento decorre a Expo-Indústria 2015 em Luanda no Polo Industrial de Viana. Apesar da reconhecida importância do evento dado que a feira ocorre num período especial para o país caracterizado pela baixa de preço do petróleo o que está a gerar níveis de crescimento muito baixos (menos de 5% para 2015 e 2016). Pelo que, seria esta uma sublime ocasião para promovermos o Made in Angola (i.e. a produção nacional), uma vez que neste tipo de evento as empresas aproveitam para exporem todo o seu potencial produtivo a novos e potenciais clientes bem como têm a possibilidade de verem como outras indústrias poderiam complementar o que fazem (poderiam identificar potenciais fornecedores, estabelecer parcerias).

Contudo, vale realçar que participam nesta Expo menos de 100 indústrias do nosso país. Isso em nosso entender deveria ser visto, por quem de direito, como um sinal de que algo fazemos mal!  

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Angola e a Zona de Comércio Livre da SADC (2)

Quando abordamos inicialmente este tema no nosso post de 4 de Agosto de 2014, sugerimos que a “liberalização do comércio entre dois países (ou mais) gera benefícios mútuos quando os mesmos se encontram em igual estágio de desenvolvimento, de contrário ganha mais o que estiver mais desenvolvido”. Neste post vamos usar o ultimo relatório sobre a competitividade das economias africanas (relatório de 2015) para melhor ilustrarmos alguns dos argumentos apresentados anteriormente.

A teoria da Vantagem Comparativa proposta por David Ricardo nos sugere que os países deveriam se especializar naquilo que sabem bem-fazer. Contudo, nesta reflexão vamos nos basear nos indicadores apresentados pelo World Economic Forum no seu Índice de Competitividade Global, para vermos o actual posicionamento da economia angolana quando comparada com outras da região austral.

Segundo o Índice de Competitividade Africana de 2015 a economia angolana é uma economia em transição, estando precisamente entre o estágio 1 – factor driven e o estágio 2 – efficiency-driven. Por outras palavras a economia angolana esta numa fase de transição em que procura deixar de depender dos recursos naturais e busca desenvolver processos produtivos mais eficientes e dar uma maior qualidade aos seus produtos.

A zona de comércio livre (doravante ZCL) da SADC visa integrar as economias da região austral permitindo uma livre circulação de produtos e serviços. Vale abrir um parêntesis para dizer que no que toca a livre circulação de pessoas essa questão, em nosso entender, parece não estar ainda bem definida. Para que haja livre circulação de produtos e serviços pensamos nós ser necessário primeiro a sua produção. Assim sendo, países que estejam no estágio 1 de desenvolvimento (dependentes dos seus recursos naturais) terão mais dificuldades do que aqueles que estão a procurar desenvolver processos produtivos mais eficientes (e produtos com maior qualidade). Essa dificuldade torna-se mais evidente num período em que o preço dos recursos naturais estiver em baixa devido a fraca demanda ou excesso na oferta.

Para o caso de Angola, neste momento o país procura desenvolver o seu processo produtivo (industrialização e parece que a partir de 2016 uma maior aposta na agricultura). Uma comparação entre o Índice de Competitividade das duas maiores económicas da região, Angola e África do Sul, podemos ver, abaixo, que Angola é menos competitiva em quase todos os requisitos havendo um ligeiro equilíbrio nos seguintes requisitos: Saúde e Educação Primaria e Eficiência do Mercado de Trabalho. Angola acaba por ter uma ligeira vantagem no Ambiente Macroeconómico. De resto, em factores como Infra-estrutura e Desenvolvimento do Mercado Financeiro dois factores que em muito contribuem para o surgimento de investimento privado (nacional e estrangeiro) o gap (diferença) entre os dois países é significativo.
 
Havendo um livre comércio entre essas duas economias podemos deduzir que a economia sul-africana estaria em melhores condições de suplantar a angolana, produzindo de forma mais eficiente produtos de maior qualidade. Angola precisaria de algum tempo para reduzir esse gap.
Comparando o Índice de Competitividade entre Angola e Moçambique, abaixo, apesar da ligeira vantagem de Moçambique podemos ver que existe um maior equilíbrio entre essas duas economias. O gap maior está na Eficiência do Mercado (de bens e serviços) onde Moçambique está muito melhor. Isso significa que um livre comércio entre elas poderia ainda permitir que ambas continuassem a desenvolver os seus processos produtivos visando produzir produtos de maior qualidade. 
 
Colocando as 3 economias numa ZCL, podemos ver que a economia sul-africana por ser a mais competitiva (ver imagem abaixo) deverá, em princípio, ser capaz de produzir bens e serviços de uma maneira mais eficiente e com maior qualidade, o que poderia fazer com que as outras duas economias (Angola e Moçambique) tivessem maiores dificuldades de darem continuidade do desenvolvimento dos seus processos produtivos uma vez que os consumidores nesses países poderiam ter já a sua disposição produtos com maior qualidade comparados com os de produção local que estariam ainda numa fase incipiente.
 
 
Visto desta forma, acreditamos nós, que sendo a integração na ZCL da SADC algo inevitável atendendo aos compromissos assumidos (a entrada segundo a Ministra do Comércio está prevista para 2017[1]), parece-nos evidente que Angola precisa entre 2016-17 aumentar o seu índice de competitividade por formas a estar o mais próximo possível da maior economia da região.

Se tivermos em conta que o gap verificasse em áreas que requerem grandes investimentos (exemplo: infra-estrutura, ensino superior, desenvolvimento tecnológico) e atendendo ao facto de Angola estar a passar por uma crise económico-financeira devido a redução da receita fiscal proveniente do petróleo, temos sérias dúvidas quanto a possibilidade de Angola reduzir essa diferença de produtividade nos próximos 1- 2 anos.

Essa constatação leva-nos a concluir que Angola (e os angolanos) poderá vir a ser adversamente incorporada na zona de comércio livre da SADC em 2017 a não ser que se façam ajustes na actual política de desenvolvimento adoptando algumas das medidas de temos estado a analisar em várias ocasiões neste blog (ex.: focos na industria manufactureira e no aumento de produtividade do sector agrário, exigir daqueles que tem sido os maiores beneficiários da actual política de desenvolvimento resultados no que toca a criação de empregos e volume para exportação).



[1] Fonte: http://www.voaportugues.com/content/angola-zona-comercio-livre-africa-austral/2937703.html
 

domingo, 8 de novembro de 2015

OGE 2016 e o Processo de Diversificação do Desenvolvimento Económico

Ao lermos o Relatório de Fundamentação da proposta de OGE para 2016 percebemos que um dos objectivos nacionais da Política de Promoção e Diversificação do Desenvolvimento Económico para o período de 2013-2017 passa pela promoção do “crescimento equilibrado dos vários sectores de actividade económica, centrado no crescimento económico e na expansão das oportunidades de emprego”. Essa pretensão chama a nossa atenção pelo facto de ser muito abrangente e como tal pouco provável de ser viável para o período indicado.

Se tivermos em mente que o foco principal da economia (neoclássica) é a alocação de recursos (que são escassos), fica difícil perceber por que razões os nossos experts decidiram fazer crescer de forma equilibrada vários sectores num período de 5 anos ao invés de concentrarem esforço e recursos em sectores que nesse mesmo período poderiam ajudar a tornar a nossa economia mais competitiva e menos dependente de um único recurso (i.e. petróleo).   

Nos posts anteriores (ver por exemplo 10 de Julho 2014, 14 de Fevereiro de 2015,) enfatizamos a necessidade de se prestar uma atenção especial aos sectores da indústria manufactureira e agrícola, por serem aqueles que nos poderiam segurar um rápido crescimento e oportunidades de emprego através do increasing returns”, isto é, economia de escala (ver essencialmente o post de 1 de Marco de 2015).

O gráfico abaixo analisa o valor percentual alocado, a nível do OGE, para estes dois sectores desde 2013:


Como se pode ver neste gráfico, estes dois sectores chave para os objectivos de diversificação da economia não têm merecido a devida atenção e como tal não nos deveria surpreender o facto de Angola ter dificuldades no que toca a criação de empregos em massa, e em especial para a juventude que por sinal constitui o grosso da população.

A história do desenvolvimento recente de muitos países, com especial enfase aos asiáticos, nos mostra que lá o esforço não foi no sentido de garantir o crescimento equilibrado dos vários sectores[1], mas sim prestou-se uma especial atenção a sectores que pudessem assegurar a partida (1) uma economia de escala, (2) ligações com outros sectores da economia, (3) empregos em massa, (4) exportações (consequentemente moeda externa) e (5) impostos. Será que não conseguimos compreender essas interligações?

Uma outra lição que se pode depreender do desenvolvimento ocorrido (em países como a Taiwan e Coreia do Sul) e que ainda ocorre (hoje em países como o Vietname, Camboja) foi o facto de estes países não só terem sabido identificar os sectores que geraram (e têm gerado) economia de escala, como também identificaram aqueles promotores/empreendedores que fossem capazes de garantir efeitos multiplicativos dos recursos postos a sua disposição. A estes beneficiários foi-lhes dado objectivos bem definidos e em caso de fracasso houve penalizações.

Falta-nos ainda dois (2) anos para que possamos avaliar que metas, definidas no Plano de Desenvolvimento Nacional, foram alcançadas. Contudo, sabe-se que o PIB de Angola tem estado a crescer abaixo dos 5% ano e sectores vitais não têm estado a merecer a devida atenção. Assim sendo, acreditamos que o executivo em Angola, precisa analisar o que acontece em outras partes do mundo e rapidamente aprender com os bons exemplos e ser mais pragmático se desejar evitar fracassos.   

 




[1] Nosso ênfase.

domingo, 25 de outubro de 2015

Se o modelo não se ajusta a realidade, então … ajuste a realidade?!

Ao ficarmos a saber que algumas instituições de ensino superior estão a considerar abolir as defesas de teses de licenciaturas devido ao tempo que os estudantes que terminam os programas curriculares estão a levar para elaborarem e defenderem os seus trabalhos de fim de curso. Isso, segundo nos foi possível apurar, gera em alguns casos actos de corrupção. Dada a pertinência do assunto, achamos por bem neste post reflectir sobre este assunto de uma maneira que esperamos ser desapaixonada.

Começamos por notar que o problema parece já estar bem identificado i.e. os estudantes estão a levar muito tempo a elaborarem os seus trabalhos de fim de curso. Agora, em nosso entender, cabe a cada instituição identificar as causas deste problema. Visto desta forma consegue-se perceber que o problema não está na realidade, i.e. dificuldade dos estudantes terminarem o curso, mas no modelo escolhido que passa pela elaboração e defesa de um trabalho de fim de curso.

Como é hoje operacionalizado o modelo?

Após conclusão do seu programa curricular os estudantes são encorajados a apresentarem as suas propostas de temas e identificarem potenciais orientadores. Actualmente o processo é muito aleatório onde os estudantes acabam por ser os mais penalizados. Muitos estudantes, por si só, não conseguem encontrar orientadores e acabam por desistir. Outros tendo orientadores que desconhecem as melhores práticas no processo de orientação de trabalho de fim de curso acabam por optar por práticas menos correctas, como a corrupção, muito mais pelas exigências que lhes são feitas e que em vários casos estão longe do que deveria ser exigido neste tipo de trabalho. Um número bastante reduzido consegue concluir e defender os seus trabalhos após um período normalmente superior a seis (6) meses[1].

Possíveis alternativas

No nosso sistema de ensino a avaliação resume-se essencialmente na aplicação de testes (avaliação parcelar 1 & 2), apesar de, por exemplo, o regime académico da UAN prever outras formas de avaliação. Em alguns países os estudantes de graduação têm como avaliação contínua a elaboração, de forma individual, de trabalhos de pesquisa de menor dimensão (os chamados ensaios) com prazos de submissão bem definidos, fazendo os estudantes apenas uma prova na época de exames. O sucesso deste tipo de modelo, em nosso entender (baseado na nossa experiência enquanto estudante nesse tipo de contexto), está na disponibilidade de centros de documentação (i.e. bibliotecas, incluindo virtuais) bem apetrechados (fruto de avultados investimentos de forma permanente[2]), dispondo os estudantes (e docentes claro) de todas as condições para irem desenvolvendo os seus ensaios ao longo da sua formação. Esta prática dá aos estudantes a possibilidade de desenvolverem a sua escrita académica e o seu pensamento crítico e criativo ao longo de toda a sua formação, habilidades tão necessárias no momento de elaborar um trabalho científico de maior dimensão a nível de uma formação avançada (mestrado e/ou doutoramento).  

Para o caso de Angola, a nossa experiência, primeiro enquanto estudante neste sistema e depois como docente neste subsistema de ensino por mais de uma década, nos ensinou que vamos precisar de algum tempo para atingirmos este estágio.

Pelo que, sugerimos que para o contexto angolano se solicitasse aos estudantes no final do 8º semestre (4º Ano) a apresentação de uma proposta dos seus temas para o trabalho de fim de curso e indicassem[3] um potencial orientador (alguém que pudesse orienta-los). A instituição caberia identificar potenciais orientadores a todos os estudantes que não tivessem identificado por si só um orientador. Como resultado deste exercício todos os estudantes que terminassem os seus planos curriculares teriam necessariamente alguem para orienta-los no trabalho de fim de curso. Notem que para o sucesso deste exercício seria imperioso que os docentes/orientadores tivessem frequentado um curso de Agregação Pedagógica onde, através do módulo Tutoria de Teses, fossem expostos as melhores práticas no processo de orientação de um trabalho de investigação.

No contexto actual (i.e. ausência de uma biblioteca bem apetrechada) ao pensarmos retirar aos nossos estudantes de licenciatura a possibilidade de elaborarem um trabalho de pesquisa independente, acreditamos que estaríamos a debilitar a sua formação, privando-lhes não só de uma oportunidade de desenvolverem a sua escrita académica como também o seu pensamento crítico e criativo conforme nos sugere a Declaração da UNESCO de 1998 no seu artigo 5º (promoção do saber mediante a pesquisa na ciência, na arte e nas ciências humanas e a divulgação dos seus resultados) bem como o artigo 9º alínea b que passo a citar “As instituições de educação superior têm que educar estudantes para que sejam cidadãs e cidadãos bem informados e profundamente motivados, capazes de pensar criticamente e de analisar os problemas da sociedade, de procurar soluções aos problemas da sociedade e de aceitar responsabilidades sociais”.

É imperioso compreendermos que o trabalho de fim de curso é ainda a melhor oportunidade que o estudante universitário em Angola tem de alcançar este propósito bem como de preparar-se para o desafio que representa uma formação avançada (a nível do mestrado e/ou doutoramento) e de testar as suas reais capacidades de elaborar e executar um projecto (do princípio até ao fim) habilidades tão necessárias hoje mais do que nunca no mercado de trabalho. Afinal, quando o modelo não se ajusta a realidade, ajustamos (ou trocamos) o modelo e não a realidade!



[1] Apesar de não termos estatísticas oficiais estimamos com base na nossa participação como júri nas defesas de alguns trabalhos de fim de curso.
[2] Note que neste tipo de contexto quando o estudante ou o docente verifica que um certo libro/jornal científico não está disponível na sua biblioteca e pela relevância acredita ser útil, pode sugerir a compra do referido material o que em muitas vezes acaba por acontecer. 
[3] A nossa experiencia pessoal nos ensinou que quando tivemos a possibilidade de propor um orientador a motivação para realização do trabalho foi muito superior do que quando nos foi indicado um orientador.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Uma desgraça nunca vem só!

Apesar dos problemas de Angola estarem essencialmente ligados a baixa do preço do petróleo, eles poderão atingir outros níveis caso (ou melhor quando, uma vez ser uma questão de tempo) a Reserva Federal dos EUA fazer subir a sua taxa principal de juros. Países em transição, como Angola, normalmente apresentam inúmeros problemas estruturais dificultando a implementação de projectos de negócios. Estes países só são atractivos para o investimento estrangeiro quando o que paga, em juros, a Reserva Federal dos EUA é quase nada.  

Prevendo-se um aumento da taxa principal de juros, poderemos assistir a um recuo de muitas das intenções de investimento em Angola e não só (claro outros países também serão afectados). Resta saber o que já fez ou pelo menos pensa fazer o executivo para superar esse problema. Vale recordar que estando o petróleo em baixa, fica reduzida a possibilidade de usarmos recursos próprios através do aumento dos investimentos públicos.

N.B: Para o caso de Angola, sempre se pode encorajar os nossos compatriotas (nas vestes de investidores) que investiram fortemente no exterior do país a fazerem, nesta altura, cá tais aplicações. Acreditamos nós que isso seria possível através da oferta de condições bastantes atractivas mas condicionadas, por exemplo, a metas de produção (para exportação e consumo interno), empregos e receitas (para impostos).

 

Diversificação das exportações e a criação de empregos

A criação da ANPEX (Agência Nacional para a Exportação) sob alçada do Ministério do Comércio faz-nos perceber que o executivo angolano está em vias de ajustar a sua estratégia de desenvolvimento, passando de um focos na substituição das importações (conforme enfatizava o discurso politico até recentemente) para outro ligado a diversificação das exportações e captação de divisas para o país.

Um exemplo até agora tido como de sucesso é o caso da China que conseguiu retirar mais de 300 milhões de habitantes da pobreza extrema graças a um processo rápido de industrialização virado a exportação. Vale recordar que este processo ajudou a criar vários postos de trabalho mas com um nível de remuneração muito baixo (ver post de 29 de Julho de 2014). Esta é uma das grandes críticas que se fazem ao modelo de desenvolvimento chinês.

Para o caso de Angola que pretende diversificar as suas exportações é imperioso percebermos que tal diversificação não pode seguir o exemplo chinês i.e. através de baixos salários, empregos precários e politicas que fragilizem a condição social do trabalhador. Ela deve, em nosso entender, passar pela criação de postos de trabalho que oferecessem alguma qualidade de remuneração. Para o efeito, acreditamos que projectos de negócios ligados, por exemplo, ao sector do agro-negócio e a indústria (com ênfase a indústria ligeira) dar-nos-iam a possibilidade de gerar increasing returns (ver post de 1 de Março de 2015).

Essa necessidade de se criar no sector formal da economia empregos com qualidade é justificada pelo facto de proporcionar uma demanda interna (i.e. os trabalhadores estariam em condições de consumirem a produção local) reduzindo a forte dependência aos mercados externos. Nos momentos em que os mercados externos registassem uma redução da demanda, seria através desses consumidores que o país poderia manter o seu nível de crescimento. Hoje, por exemplo, a luz da crise nos mercados externos (europeus e da América do norte) nota-se uma grande preocupação do governo chinês em aumentar gradualmente os salários para gerar mais demanda interna e manter o ritmo do crescimento do GDP.

Em suma, apostar na diversificação das exportações é importante para Angola. Mas neste processo não se deve, em nosso entender, descurar a necessidade de se proporcionar aos trabalhadores uma oportunidade de melhoria da sua condição social através de uma remuneração justa. Só procedendo desta forma poderemos garantir que o nosso processo de desenvolvimento seja inclusivo e justo.

 

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Diversificação económica através do auto-emprego?

Apesar de termos já tratado, de certa forma, este tema no nosso post de 2 de Julho de 2015 somos obrigados a voltar a ele uma vez que o discurso político insiste em fazer uma colagem entre o fomento do auto-emprego e o processo de diversificação económica. Por outras palavras, para alguns dos nossos políticos, Angola também vai diversificar a economia através do auto-emprego, o que seria em nosso entender, uma acção apenas comparável ao que na cultura popular se denomina de reinvenção da roda! Afinal, até a data nenhum outro país diversificou a sua economia através do auto-emprego[1].

O que nos chama atenção neste tipo de posicionamento é a presença do que aparenta ser um certo desconhecimento do que se entende por diversificação da economia. Pois bem vamos explicar de uma forma simplista. A UNCTAD apresenta-nos a diversificação como a estrutura das trocas comerciais de um país comparada com a média mundial. Num índice de 0 a 1, quanto mais próximo do valor 1 a economia de um país estiver isso indica uma maior diferença com a média mundial. Para o caso de Angola, segundo os dados do UNCTAD[2] a economia angolana teve um índice de diversificação de 0.8 de 2002 a 2011 baixando ligeiramente em 2012. O Quénia por exemplo de 2002 a 2012 teve um índice de 0.7. A Coreia do Sul por outro lado e para o mesmo período teve um índice de 0.43 a 0.45. Como se pode perceber dos três exemplos apresentados, a Coreia do Sul tem uma economia mais diversificada.

Notem que a diversificação da economia de um país passa a ser uma necessidade inadiável por estar acoplada ao comércio mundial. Quanto menos diversificada for uma economia de um país (com um índice próximo do valor 1), menos opções a nível do comércio mundial este país terá i.e. menos possibilidade de gerar divisas. Como se sabe os países adquirirem tecnologia, bens e serviços que não produzem através do comércio (mundial) logo, é correcto sugerir que o acesso a menos divisas, reduz a possibilidade desses países se desenvolverem.

Ao se fazer esta colagem i.e. auto-emprego à diversificação económica, está-se de facto a sugerir que por via do auto-emprego Angola vai aumentar as suas opções no comércio mundial, logo, poderá através de uma maior participação (no comércio mundial ) ter outras fontes de divisas (para além do petróleo e diamante). O auto-emprego pode contribuir para a redução da pobreza (dando aos intervenientes a possibilidade de gerarem rendimentos próprios), redução do desemprego (desde que não gera o que a literatura denomina por subemprego) mas sugerir que o auto-emprego contribui para o processo de diversificação económica traduz-se no que chamamos de falácia!



[1] Não devemos confundir com cooperativas i.e. associação autónoma de pessoas.
[2]Acedido pela última vez em 6 de Junho, 2013.

sábado, 5 de setembro de 2015

“Se você me engana uma vez, a vergonha é sua, se você me engana duas vezes a vergonha é minha!” - O FMI e os Salários na Função Pública em Angola.

Nos últimos dias foram divulgadas, especialmente através das redes sociais, várias reacções contra a sugestão deixada pelo FMI a quando da última visita ao abrigo do Artigo IV. Neste post vamos brevemente rever o que de facto sugeriu o FMI e as razões das reacções verificadas.

O FMI no seu comunicado de imprensa verdadeiramente sugeriu que seria “fundamental alinhar melhor a massa salarial no sector público, em percentagem do PIB, com a nova realidade de receita orçamental” [nosso ênfase]. Dai dizermos que o FMI está a sugerir uma redução no salário [por si só já magro] da função pública é um outro exercício. Mas então a que se deveu as reacções que vimos nas redes sociais?

Em nosso entender tal reacção poderia encontrar respaldo no que a teoria económica chama de Rational Expectations Theory [traduzindo: teoria das expectativas racionais]. Ela nos sugere que os agentes económicos tomam decisões baseando-se nas informações disponíveis e nas experiências passadas.

Se olharmos para o que aconteceu com o aumento do preço dos combustíveis notamos que o que o FMI havia sugerido, numa visita idêntica, foi o aumento gradual do preço bem como sugeriu um preço máximo de 115 Kwanzas. Todos nós sabemos qual foi a realidade material. Tivemos uma subida brusca dos preços e tal aumento ultrapassou o que havia sido inicialmente recomendado!

Analisado o problema desta forma podemos ver que quem está nervoso hoje até tem alguma razão de estar uma vez que tendo em conta a experiência passada, a luz do que nos ensina a teoria das expectativas racionais, espera-se que o governo aproveite essa recomendação para fazer o mesmo que fez com o preço dos combustíveis mesmo que não haja indício de momento. Afinal como diz um ditado Chinês “se você me engana uma vez, a vergonha é sua, se você me engana duas vezes a vergonha é minha!”

 

P.S.: No nosso post de 21 de Maio de 2014 argumentamos que um bom salário contribuía significativamente para o aumento de produtividade dos trabalhadores. Reduzir o salário em nosso entender originaria um processo inverso bem como poderia causar uma certa instabilidade social, algo que poderia minar o não tão confortável ambiente de negócios do país. Poderíamos considerar reduzir o número de administrações comunais/municipais existentes, reduzir o número de vice-governadores, ministérios e secretários de estado. Mas como sabemos que tal redução não seria politicamente viável ficamos pela sugestão da aplicação do método de gestão por objectivos. Quem não fosse capaz de atingir as metas definidas poderia ver o seu posto de trabalho extinto. Afinal é na crise que emergem os grandes líderes e gestores.

domingo, 16 de agosto de 2015

Os Caminhos da Transformação Estrutural em Angola: Agricultura no perímetro irrigado de Caxito

Algum tempo atrás ao lermos um dos jornais da nossa cidade, ficamos a saber que o Perímetro Irrigado de Caxito arrecada anualmente 120 milhões de US Dólares (produzindo essencialmente banana e hortícolas) e que está-se já a pensar em exportar parte da produção de banana para o Congo Democrático.

Este facto fez-nos recordar um outro caso semelhante que ocorre no Vale do São Francisco no Nordeste do Brasil (Selwyn 2007). No Vale do S. Francisco criou-se uma estrutura capaz de dar suporte aos produtores locais, através de formação contínua em técnicas de produção e melhoramento da qualidade do que se produz, tornando-os competitivos nos mercados externos.

O exemplo de S. Francisco poderia ser levado em consideração nos vários perímetros irrigados que o país tem estado a por em funcionamento. Nos dias de hoje, e no âmbito da necessidade que Angola tem de diversificar as suas exportações, a entidade gestora de um perímetro para além de disponibilizar água e luz eléctrica deve auxiliar os produtores através de acções que permitam (1) identificação de mercado interno e externo para os vários produtos cultivados no seu espaço, (2) formação contínua dos produtores (e seus colaboradores) – introdução de novas técnicas de produção com vista a aumentar-se a produtividade e reduzir-se os desperdícios, (3) auxiliar os produtores a adequarem-se as exigências do mercado externo e tornarem-se competitivos nesses mercados, (4) ter programas de gestão da qualidade total do sistema produtivo e criar incentivos para que os mesmos sejam adoptados pelos produtores, (5) incentivar investimentos adicionais que possam facilitar o processo de exportação (e.g. investimento na produção de embalagens que ajudem a preservar a qualidade do produto a ser exportado, transportação especializada).

Enfim, para que os nossos perímetros irrigados possam começar a fazer a diferença, eles devem disponibilizar algo mais do que água e luz eléctrica, devem disponibilizar outros serviços e serem capazes de criar a sua volta um cluster que possa dar suporte as actividades dos produtores residentes. Isso não acontece por acaso, carece de planeamento, investimento e aprendizado. Quanto ao investimento adicional, ele não tem que ser necessariamente publico, pode ser privado (nacional e/ou estrangeiro) ou uma combinação de ambos.

domingo, 2 de agosto de 2015

Mais uma razão para uma política industrial selectiva e articulada!

Através de um website de notícias de Angola ficamos a saber que o governo teve que suspender de forma provisória as restrições a importação que havia implementado em Janeiro deste ano.

Parece ter havido um pequeno equívoco por parte da autoridade competente, no que toca a protecção a produção nacional. Será que vamos proteger para produzir ou proteger quem já produz para que possa produzir mais e melhor, i.e. com um padrão de nível internacional para que possa exportar? Pois bem, as recomendações normalmente têm sido no sentido de proteger QUEM JÁ PRODUZ.

Recomenda-se proteger PARA PRODUZIR quando já existe uma certa produção local dos inputs necessários para se fomentar o surgimento de outras indústrias. Exemplo[1]: se tivermos uma produção significativa de frutas, podemos pensar em restringir a importação de sumos de fruta para incentivar o surgimento desta indústria a nível local.

Notem que mesmo quem já produz e recebe uma certa protecção deve ser-lhe dado um tempo definido para dentre outras coisas: tratar de adquirir localmente os inputs necessários para a sua produção. Afinal um produtor sério consegue incentivar o surgimento de outras indústrias, criando um cluster que torne o custo da sua operação muito mais competitivo para que uma vez removida a protecção esteja em condições de competir internamente e talvez em condições de exportar.




[1] Neste simples exemplo podemos ver como funciona a articulação entre a agricultura (a base) e a indústria (o tal factor decisivo que tanto se fala em Angola desde a independência). Ver posts anteriores sobre a protecção 24 Maio 2015 sobre exemplos de criação de clusters 7 Novembro 2014.